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terça-feira, dezembro 06, 2022

A pobreza aflitiva da nossa BD

 No outro dia dei com duas publicações sobre desenhos que me suscitaram atenção. Não sei qual delas vi primeiro mas a que me prendeu mais o interesse foi um livrinho em forma de carnet de desenhos de Sérgio Sousa Pinto, com um título esquisito- Fui tão feliz com a minha Thompson- assim sem exclamação alguma ou explicação para tal. 

Logo que saiu comprei. Tem algumas dezenas de páginas não numeradas e com esquissos e pequenos desenhos que me desiludiram um pouco relativamente a outros que tinha visto numa entrevista aqui, no Observador, já com alguns anos.  

Os desenhos que vi no pequeno video deram-me curiosidade acrescida de ver o livrinho e fui no engodo, porque afinal nem sequer lá aparecem e são estes:




Parece que estes desenhos serão de uma banda desenhada do autor, na altura dos verdes anos de 1990, teria o mesmo nem sequer 20 anos, porque nascido em 1972. 
Parecem-me desenhos notáveis, incluindo os realizados a pincel, mesmo que inspirados nos desenhos da escola franco-belga da chamada "linha branca", de mestre Jacobs e outros Hergé, ou Pratt, de outra linha e no caso das pinceladas. 
O livrinho não tem nada disso mas apenas isto:


 


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Nada despiciendo mas algo estéril e inconsequente, mesmo em modo de esquisso. 
Por outro lado fazem-me lembrar outros desenhos semelhantes no estilo e da autoria de um outro português com talento, Jorge Colombo que em meados dos anos oitenta, publicava já em revistas como uma efémera Plural que era pejada de socialistas de área diversa da influência de Mário Soares, protector assumido do desenhador Sérgio,  tornado político por derivação e desperdício. 
Colombo partiu à descoberta da América há uns anos, em 1989, mas no início era assim, aqui na revista Plural nº 1 de Outubro de 1983, em que revela um talento de virtuoso embora sindicado a outros artistas do género, mormente franceses como veremos a seguir:



E no número 4 de Janeiro de 1984:




Colombo publicou em data incerta o seu carnet, já depois de ter descoberto a América, patrocinado pela bedeteca e pela Câmara de Lisboa então na responsabilidade de João Soares e revela-se também uma evolução para um estilo que já fora explorado por outros, como se verá a seguir:





Sérgio Sousa Pinto ganhou ao menos o privilégio de viver alguns anos em Bruxelas onde terá percorrido todas as capelinhas das ruas dedicadas à banda desenhada de expressão franco-belga e são muitas, todas com interesse. É capaz de ter arranjado obras dos autores que ao longo de décadas definiram o estilo de tal banda desenhada, muitos, alguns prolíficos e uns poucos de enorme qualidade. 
Estes por exemplo foram os precursores do estilo que se apresenta acima:

O primeiro é outro Sérgio, neste caso Clerc e que descobri há muitos anos na Rock&Folk, nos seus primeiros desenhos, em 1975, altura em que também começou a desenhar para a revista Métal Hurlant, vindo a tornar-se um dos seus expoentes. 
o Sérgio português, conhece os seus desenhos, sem dúvida alguma,  mas nos anos noventa já tinham passado muitos desde 1975...e nesta edição de Novembro desse ano pode ter sido o primeiro desenho que Serge Clerc publicou, com...17 anos. 


E outros se seguiram como este em Novembro de 1976 que lembram inevitavelmente os esquissos do Sérgio português e do nosso Colombo antes de descobrir a América. 


Em 1980 Serge Clerc já era artista consagrado e a Rock & Folk de Novembo mostrava-o e a outros que desenhavam na mesma linha clara:


Como era o caso de Jacques Loustal:


Este revelou-se um fantástico artista que também se iniciara na Rock & Folk, como a revista desse mês de Novembro de 1980 mostra, em pequenas vinhetas que os juntam na mesma página:



Loustal, na Rock & Folk , publicou ilustrações notáveis, como estas em Março de 1984, altura em que o Colombo desenhava para a Plural: 


E em Junho de 1984:


Em Fevereiro de 1984 a revista A Suivre dava nota da colaboração de Loustal com Paringaux, redactor principal da Rock & Folk, numa série: 





A semelhança do estilo de Loustal e Colombo é...embaraçadora, para dizer o mínimo. Tal como a do outro Sérgio,  Clerc, com o Sousa Pinto. 

 Naturalmente todos leram e apreciaram as obras mais antigas que Clerc mencionava no livro Intégrale  da Dupuis, de 2016.





De resto, em Portugal ao longo dos anos em que a banda desenhada europeia se desenvolveu houve muito poucos desenhadores com qualidade para assinalar e reparei nisso com um livro recente:


Neste álbum procura-se homenagear os grandes autores de banda desenhada nacional e são estes:


Muito poucos e com pouca qualidade. Comparando com os artistas franceses e belgas do mesmo período a evidência é de uma enorme pobreza. Como noutras áreas...e acaba por justificar a publicação de um carnet de desenhos esquissos do nosso Sérgio que possivelmente tem talento que acabou por não explorar, reservando-se para uma actividade em que também não se destaca por aí além.
Acontece...

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