Há muito tempo que não coloco aqui recortes de crónicas de Alberto Gonçalves, embora as leia regularmente. Escreve muito bem, sob uma perspectiva muito pessoal mas por isso mesmo original. É o suficiente para despertar o interesse.
Neste caso escreveu algo no Observador, sobre o afegão que matou duas mulheres num centro de acolhimento relacionado com muçulmanos.
Revela no escrito algo que me impressionou logo que a notícia se divulgou: a urgência mediática em desvalorizar um acto criminoso, gravíssimo, cometido por um estrangeiro vindo do Afeganistão, sem se saber ainda as circunstâncias concretas da actuação e motivação.
As entidades oficiais encarregadas da investigação criminal saltaram logo a terreiro, investindo abertamente no campo político, espúrio a tais ofícios, ou seja, a PJ que aparece sempre à frente e a substituir um Ministério Público ausente, medroso da própria sombra e medíocre, apesar de ser a entidade que dirige a investigação. Neste como noutros casos, tudo fica a cargo dos funcionários de polícia criminal que efectuam o trabalho de campo, por falta de comparência do Ministério Público e tal parece não incomodar seja quem for. Et pour cause.
Assim, tivemos desde logo as opiniões mediáticas tangidas pelas entidades oficiais, a começar pelo presidente da República, muito justamente apelidado no artigo como Sua Incontinência.
Todas num sentido inadmissível porque desprovido de um senso comum que paradoxalmente procuraram transmitir, com o receio atávico de criarem algo que em Portugal dificilmente acontece: pânico social.
Não sei quem disse ou ensinou a estas pessoas que devem actuar assim, mas suspeito que os motivos não são recomendáveis democraticamente.
Certas entidades oficiais, a começar pelo director da PJ acham-se imbuídas do dever de esclarecer o cidadão, antes de tudo e de todos, ultrapassando as competências que lhes são próprias e substituindo-se a tudo e a todos, acerca do que devem pensar sobre determinados fenómenos criminais.
Perdem o bom senso que afinal é apanágio do povo em geral que não vai em cantigas de carochinha e criam exactamente o fenómeno oposto: a desconfiança, a suspeita de que afinal algo se esconde para além das "verdades oficiais".
Tal fenómeno acaba por alimentar precisamente aquilo que as mesmas entidades pretendem evitar que seja alimentado: certas forças que democraticamente não aceitam, apesar de o regime ser gizado para aceitar, como o Chega, porque é disso que se trata com estas manobras estúpidas.
Estúpidas porque tomam as pessoas em geral por mentecaptas e incapazes de perceber por si mesmas o que se passa e apreender a realidade tal como ela se apresenta e é. Julgam, no seu modo de ver, que as pessoas são crianças...e predispõem-se ao ridículo, a meu ver. Sem necessidade nenhuma, porque ninguém tem o dever de ser uma espécie de paizinho de povos, como alguns já o foram. A democracia não aceita tal noção.
Fazem exactamente o que criticam noutras situações relativamente a outros regimes passados: condicionar a opinião pública em determinado modo. Democraticamente, o que é mais lamentável porque contraditório.
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