Este artigo de opinião de Euclides Dâmaso, na Sábado de hoje, merece uma leitura atenta pelo desencanto que perpassa pelo escrito e pela exposição de motivos do desalento: "penúria, desorganização, falta de rumo e resignação" é o retrato a sépia que merece mais cor que virá a seguir.
A escrita de luta contra o fenómeno corruptivo que grassa nas elites nacionais, vem da indignação em se testemunhar publicamente a impunidade dos que se movimentam " pelos órgãos de gestão e decisão, seja da administração central e local, seja das empresas e institutos públicos, bandos de confiança política e partidária, insaciáveis apparatchiks que geram ruína enquanto se cevam fartamente. São hábeis em subverter regras concursais e em produzir obras, aquisições e vendas e outras negociatas desnecessárias, quando mesmo perdulárias, alheias ao interesse público e apenas destinadas à satisfação deles próprios e das suas clientelas".
Este artigo é mais um a malhar no ferro frio do tema e a chover no molhado da situação pantanosa em que nos encontramos ao longo das últimas décadas de impunidade assegurada para uns tantos, uma larga maioria, acompanhada de uma insignificante minoria que teve o azar dos távoras no sistema processual que temos. O resultado, pífio, permite dizer dizer que em Portugal a corrupção compensa. E por isso medra e se torna luzidia e impante, como o nível de vida dos beneficiados. O escândalo advém de todos verem os cabritos à solta sem que se conheçam as cabras que os pariram.
O recado interno para o MºPº não diverge dos últimos artigos do autor, mas com destino incerto porque dirigido a burros velhos, os quais como é sabido não tomam andadura. E se tomam...o problema tem que se deslocar para outras instâncias, mormente o CEJ, os formadores de magistrados no período de estágio, o formato de inspecções em vigor, muito deficiente para colmatar os vícios apontados e ainda uma certa mentalidade ideológica de um Ministério Público que deveria incrustar como leit-motiv essencial a investigação criminal à charge...e principalmente à décharge.
Notoriamente não é isso que sucede e ao contrário do que consta nos escritos divulgados por estes dias, pelos críticos do MºPº, o problema não reside na ausência de controlo hierárquico, mas talvez até mesmo no seu excesso, através de instilação hierárquica, generalizada, de uma mentalidade perversa que conduz a considerar com sucesso uma acusação e uma condenação, preferencialmente em pena de prisão, como se estivéssemos em pleno sistema americano, em detrimento da procura de uma verdade objectiva e próxima da realidade.
As perguntas colocadas e respondidas em modo socrático (salvo seja...) sobre os mecanismos em vigor tendentes a moderar os esquemas de corrupção vigentes ficarão melhor explicadas através da citação dos apontamentos biográficos do autor, na obra já aqui mencionada- No Ministério Público e arredores- publicada em Coimbra e edição do autor, em 2021.
O trabalho profissional desenvolvido pelo autor em prol da criação de mecanismos legais tendentes a combater eficazmente o fenómeno é notável e só pecou pela desconsideração oficial relativamente a algumas propostas, como aqui se pode ler, trabalhadas ao longo de décadas e particularmente destacadas na última dúzia de anos.
A citação é extensa mas vale a pena ler pelo retrato do que se fez e tentou fazer nesse campo minado pelos interesses político-partidários que não se mostram favoráveis a tal combate eficaz, por vezes com a colaboração activa de alguns magistrados, suspeitosamente ligados familiar ou profissionalmente a tais interesses de impedimento activo e permanente. Hipócritas, por isso mesmo porque eivados de boas intenções publicamente manifestadas e contentamento reservado pela ineficácia das medidas. Não preciso de citar nomes porque se tornam evidentes. Basta saber quem foram os beneficiários de ajustes directos a certos advogados, às pazadas de milhões de euros, sem justificação plausível ou razoável.
Queira-se ou não se queira, corrupção também é isso, apesar de legalmente justificada porque moralmente podre.
A prova? Basta ver quem é que torpedeou efectiva mas subrepticiamente a legislação sobre enriquecimento ilícito e quais os motivos subjacentes, reais e não os encapotados nas inconstitucionalidades alegadas:
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