Editorial de um tal David Pontes, no Público de hoje:
Como ainda gosto de ler jornais em papel e não me apetece subscrever informação digital, comprei hoje o Público depois de ler um artigo sobre o ensino de História em Portugal cujo comentário ficará para depois.
Ao ler o editorial de um David Pontes, jornalista pela certa e que começou a estagiar no jornal logo em 1990, segundo o seu retrato breve e resumido a actividades jornalísticas forçosamente diletantes em áreas que não domina, deu-me vontade de comentar para repensar o escrito.
O título remete para um exercício de liberdade de expressão de magistrados com o qual não posso estar mais de acordo e isso é pão com queijo para este jornalismo. É nestas águas que se sentem confortáveis no nado, nas generalizações sobre direitos e liberdades que qualquer diletante opinativo pode esportular sem ofender a inteligência seja de quem for.
Creio mesmo que é nesta ideologia difusa que se alimentou num biberão esquerdista, desde o berço educativo que vicejam estes exemplos no jornalismo nacional. Não se notam espécimes que saiam desse redil de conformismo ideológico, nem sequer para questionar tais asserções enraizadas.
Tudo o resto decorre desse quadro mental generalizado e por isso mesmo democraticamente unificado em opinião que dificilmente tolera a divergência que ultrapassa tal quadro matriz.
O artigo editorial tem também a ver com isso porque é nesse quadro mental que o editor se arroga um saber sobre instituições e poderes que manifestamente não tem nem se apercebe de tal ignorância.
Desde logo o editorialista acha naturalíssimo que o artigo da procuradora/inspectora Maria José Fernandes, tenha tido o "raro condão de abrir noticiários televisivos no dia seguinte".
Para o mesmo é naturalíssimo que os seus colegas editores das televisões e demais órgãos informativos tenham dado um desmesurado destaque a um artigo que sintomaticamente atacava a instituição- o Ministério Público- que nessa mesma altura estava a ser posta em causa por representantes de outros poderes.
O editorialista tem a obrigação de saber que sobre o assunto falaram cão e gato, no komentariado televisivo e também advogados de defesa dos arguidos, em directo após diligências processuais, violando sistematicamente um dever de reserva que nunca admitem a outros, como sejam os magistrados e simultaneamente violando um segredo de justiça cuja derrogação lhes serve para arrasar precisamente o MºPº, imputando-lhe gratuita e permanentemente tal malfeitoria.
O editorialista tem igualmente obrigação de saber que antes do artigo da procuradora já se tinham pronunciado em graves declarações de imputação de intenções suspeitas ao MºPº, alguns representantes máximos do poder político, mormente a segunda figura do Estado, o presidente da Assembleia da República, o nefando Santos Silva que gosta de "malhar na direita", seja lá isso o que for que lhe interesse. Também se pronunciaram figuras gradas do poder político que governa em modo desabrido e desafiador dos poderes públicos e das instituições, contra o MºPº.
Não me ocorre nenhum escrito do jornalista Pontes sobre tal assunto que mina a democracia em aspectos fundamentais do Estado de Direito.
Mas escreve agora, ingenuamente ou nem por isso, sobre o fenómeno mediático da replicação em telejornais do artigo da procuradora no Público. Artigo esse em que se destacavam os aspectos coincidentes com o discurso inflamado contra o MºPº, proferido por aqueles próceres do poder político.
Será isso um caso típico de interesse por notícia de homem que morde no cão? Nem por isso, uma vez que é mais um caso típico de interesse em notícia de cão que não morde nas canelas de um poder que o pretende dominar.
O jornalismo nacional, muito fruto dos estágios e formações do género da que terá sido ministrada ao jornalista Pontes, enfileira mais rapidamente na defesa do poder político ideologicamente afecto, como é manifestamente o PS esquerdista, do que na defesa dos interesses genuínos dos cidadãos eleitores que assim são manipulados mediaticamente resultando tal efeito nas sondagens e votos respectivos.
O poder político que está depende em grande parte do poder mediático que o ampara, como é manifestamente o caso do jornal Público, cuja independência e isenção é simplesmente uma quimera.
Daí que lhe tenha parecido muito natural a réplica mediática de tal escrito da procuradora, com esse raro condão que pelos vistos não compreende neste contexto simples: só foi notícia amplamente mediatizada porque alimentou a onda de crítica, vinda de um certo poder político do PS ao Ministério Público que actuou e cujos dirigentes devem ter ficado perplexos com a reacção destemperada e desproporcionada de tal poder político incomodado.
Ao jornalista Pontes nem ocorreu que anteriormente e sempre que este poder socialista foi posto em causa por investigações criminais, agiu sempre deste modo destemperado e acusador para com a instituição que tem o estrito dever de assim proceder. Tal sucedeu em 2003 no caso Casa Pia; no caso Freeport; no caso Face Oculta; no caso Marquês e outros, como agora este Influencer.
É um padrão de actuação política que o jornalista Pontes não quer entender para perceber melhor porque é que o artigo da procuradora mereceu destaque inusitado nos media em geral, particularmente nos mais afectos ao poder socialista como é o caso manifesto das televisões dominadas pelo empresário Ferreira que aliás emprega um dos arguidos do processo, o advogado Lacerda, que afinal já nem é amigo do primeiro-manhoso, perdão, ministro.
Por isso o destaque mediático nada tem a ver com o que em seguida escreve sobre tal artigo, mas sim e apenas para aumentar a confusão, atacar quem investiga e manipular a opinião pública a favor de suspeitos de corrupção. Isso, o jornalista do Público nunca denunciou nem sequer se questionou publicamente a tal propósito.
Assim, continua no escrito a lavrar em asneiras decorrentes de um desconhecimento básico da natureza do MºPº que temos, da dinâmica processual que legalmente existe e da essência do estatuto de tal magistratura, replicando farpas mediáticas ao SMMP, acusando-o facilmente de um corporativismo atávico, sem perceber o que foi dito por tal entidade.
É isto o jornalismo que temos destes estagiários dos anos noventa formados sabe-se lá onde e como e que se acham no direito de escrever sobre tudo e todos, mesmo que pouco ou nada saibam sobre os assuntos. Sabem o essencial: as generalidades da política caseira e a necessidade de seguir um politicamente correcto que lhes assegure um mínimo de bem estar de emprego.
Assim, quando escreve que "no centro das críticas está a cada vez mais inexistente hierarquia interna no seio do MP e uma sacrossanta ideia de que os magistrados são detentores de uma autonomia individual" o que será que o jornalista estagiário dos anos noventa percebe sobre isso?
Leu o Estatuto do MP? Percebeu o alcance e limites da celerada Directiva 1/2020, impugnada nos tribunais, pelo SMMP, porque atentatória da legalidade vigente, apenas assente num parecer do CCMP? O qual diz isto assim de modo explícito mas equívoco:
Saberá o jornalista se foi isto que a tal procuradora do artigo do Público quis dizer no escrito? A mim não me parece muito que tenha sido, mas enfim.
O que o jornalista defende, atacando a autonomia interna do MºPº, por motivos que se adivinham, ou seja, de apoio ao poder político que está, do PS, porque não haverá outros expostos, devido à sua ignorância do assunto, é pura e simplesmente o exercício de um poder hierárquico do género militar ou de funcionário público administrativo em que as chefias podem, querem e mandam, mesmo nos termos e limites de uma lei que é nesses casos quase sempre difusa quanto a isso.
Não o incomoda que possa haver um chefe hierárquico no MºPº- e provavelmente nem conhece a estrutura de um DCIAP e os poderes hierárquicos existentes- que tenha o poder de interferir casuística, arbitrária, pontualmente interessada em determinado caso ou processo, por interferência directa de terceiros, no sentido de alterar decisões ou determinações do titular de um processo penal.
Nem lhe ocorre a perversidade que tal significa porque lhe parece mais natural o que se espelha no âmbito das escutas do caso Influencer: a intervenção directa, atrabiliária, criminosa porque minada por tráfico de influência, de decisores políticos, manipulados por interesses privados e tudo em nome da "política" que parece ser o mantra desta gente do jornalismo estagiário dos anos noventa.
O jornalista com o seu escrito quer mesmo que o MºPº seja o espelho de tal poder e seja permitido às chefias dizer ao subordinado, magistrado como eles, em qualquer momento, sem registo processual, sem apoio sequer na lei processual penal ou do estatuto, para agir assim ou assado, impondo a sua vontade individual ou determinada pelo topo hierárquico, no caso apenas mais uma pessoa.
A suspeita que é isso que pretende assenta desde logo na repetição do mantra dos "erros ou abusos na sua actuação", do MºPº quer dizer, sem indicação concreta dos mesmos e passando assim por connoisseur privilegiado de tais anomalias, por via de um conhecimento alheio e sem sindicância.
A conclusão do seu artigo ainda é mais triste. Leia-se porque é de facto a confissão clara de que lado está na defesa dos interesses de todos e que o jornalismo supostamente representa.
"Um dia, quando olharmos para trás e nos perguntarmos como, de uma forma geral, "chegámos aqui", veremos que aqueles que apostam em hiperbolizar as falhas da democracia e dos seus actores para desacreditar o sistema"...
Repare-se bem na gravidade do escrito: a defesa à outrance dos "actores" da democracia é apenas a defesa de salafrários e corruptos, porque de nada mais se trata no caso concreto do Influencer.
O episódio patético do Escária e do dinheiro no gabinete que deveria ser o toque de rebate para este jornalismo perceber a realidade factual e actual do que se passa, serve apenas para defender o sistema e o regime e naturalmente os seus actores, ou seja o primeiro-ministro A. Costa, tão estimado por este jornalismo estagiário dos anos noventa e que por isso mesmo se vendeu a tal poder político como em certa profissão acontece. É a mais antiga do mundo, aliás.
Há vinte anos um processo mediático tomou conta de certo jornalismo, como o da então Visão que em 30 de Outubro de 2003 publicou este artigo assinado por dois jornalistas que revelam um entendimento diverso do actual, o que denota uma mudança substancial em vinte anos, aliás explicada de algum modo no artigo do agora cancelado Buonaventura: "o risco da mediatização da justiça é uma justiça incomunicável nos seus próprios termos". As soluções que o agora cancelado professor propunha nunca chegaram a vias de facto...
Como se lê, o problema então não era o Ministério Público: era mais do lado dos juízes porque havia os "xerifes" e "securitários" na designação simplória deste jornalismo, e havia os "liberais" e "bonzinhos", mais sensíveis aos direitos, liberdades e garantias dos arguidos, segundo o escrito.
O juiz que decidiu o caso concreto do deputado mostrado e que depois se retirou monasticamente para parte incerta da Roménia em cura psicológica, entretanto regressado porque a memória residente é curta, era um dos "bonzinhos", chamado Carlos Almeida, acolitado no artigo por um juiz que é considerado no meio um monumento à inteligência e que aliás também se pronunciou agora sobre o caso Influencer, na mesma altura e para concordar com o artigo da tal procuradora.
Ontem como hoje...só com diferentes protagonistas.
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