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sexta-feira, abril 24, 2009

Contem como foi...mas com toda a verdade

A Censura, antes de 25 de Abril de 1974, operava em modo relativamente rigoroso. Por vezes ridículo, quase sempre discricionária no traço de lápis azul dos censores que velavam pela dignidade do Estado conforme o entendia o Regime que havia.

Não obstante, a população sabia ler os jornais e se lhe sonegavam informações ou se evitavam referências à liberdade para alterar o regime, havia variadíssimos exemplos de que a censura não era e não foi o que nos pretendem vender agora as visões da realidade de 1969, com óculos de 2009. Óculos revisionistas e com ópticas usadas desde o tempo da revolução.

Estes exemplos concretos que seguem permitem ver como era na verdade. É caso para dizer que deveriam contar-nos como foi, com a verdade. Toda e não apenas a parcial que o revisionismo prefere.

Na primeira imagem, da Vida Mundial de 10.10.1969, aparece na capa o irmão do ministro da Educação de então, José Hermano Saraiva. O tal que foi interpelado em Coimbra, por um Alberto Martins que hoje defende no Parlamento as ideias políticas do PS. António José Saraiva era da oposição ao regime de Salazar/Caetano. Notoriamente. Segundo a lógica da Visão nunca teria uma capa nem entrevista sequer.



Do mesmo modo, um comunista conhecido e escritor de renome e valor reconhecido também, tinha direito a capa e entrevista na Vida Mundial de 29.6.1973. A Visão acharia estranho, muito estranho e distracção do censor, certamente.


Nesta imagem seguinte do Díário Popular de 9.11.1971 ( clicando, lê-se), há duas notícias do mundo judiciário de então: o julgamento da herança Sommer, onde um Proença principiante foi aprendendo e ao lado, a notícia de um julgamento nos temíveis tribunais plenários. Reparem nos nomes e nos factos imputados e no modo de relato da notícia.



Nesta imagem do Diário de Lisboa de 10.1.1974, aparece a imagem de Mikis Theodorakis, o comunista grego que fala em "resistência armada", na Grécia para derrubar os "ditadores da Grécia" de então. Ao lado escreve-se "Ferroviários em greve", na Inglaterra. Segundo os critérios da Visão estas notícias nunca existiriam.




Nestas duas imagens, da revista Cinéfilo, mostra-se o Portugal cultural em finais de 1973, início de 1974, pouco tempo antes de 25 de Abril. À esquerda, uma imagem de um acontecimento fundamental na música popular portuguesa desse ano: todos os cantores de intervenção com a excepção de dois ou três ( José Mário Branco e Sérgio Godinho, ausentes em França por terem escapado da tropa e Luís Cìlia que cantava Pátria, lugar de exílio). No entanto, José Afonso, Manuel Freire, Adriando Correia de Oliveira, Fausto, Vitorino etc etc, todos de Esquerda comunista, puderam cantar no Coliseu de Lisboa.Não cantaram todas as canções que queriam nem disseram tudo o que pretendiam, porque o Regime não tolerava o comunismo. Mas cantaram. Na mesma altura, na URSS, não havia oposição que se pudesse sequer comparar nem liberdade que se pudesse apresentar pelo menos assim. Os ditos nunca se incomodaram com isso. Nem hoje.

Ao lado, uma entrevista a outro comunista, Mário Castrim, cujas críticas diárias de tv, no Diário de Lisboa, eram um must da época, pela boa escrita e pelas ideias que passavam em entrelinhas.
Na imagem, atrás de Mário Castrim, um quadro de João Abel Manta, representando o "nacional-cançonetismo", termo cunhado por João Paulo Guerra, salvo o erro, e que foi proibido pela censura. Mas aparece ali, à vista de quem o quiser ver e em 1973.


























Finalmente, esta imagem do Diário de Lisboa, de 17.1.1974, dá-nos uma ideia do modo como as pessoas pensavam sobre isto tudo.
A uma pergunta do jornal, sobre se se consideravam bem informadas, as pessoas diziam que...não. Não, no que se referia aos acontecimentos nacionais. E sim, nos internacionais. As pessoas não são estúpidas como certos jornalistas podem querer fazer-nos crer.

As pessoas sabiam bem que não lhes diziam tudo o que era preciso e que a Censura era estúpida, mas inevitável. Não podiam dizer abertamente "abaixo a Censura", mas diziam-no de modo implícito. E se o sabiam, também era por causa da ineficácia da mesma. Como se prova pelos exemplos acima.
A Visão actual não pode por isso mesmo, cortar as imagens que passavam apresentando um panorama mais negro do que realmente era. Esse foi o retrato que durou quase 50 anos, mas não foi suficiente para esbater a esperteza e inteligência autóctone. Mesmo que a Esquerda o pretenda.



17 comentários:

  1. Trabalho excelente, José.

    Ouviu agora o VPV a continuar aquele mito que o Otelo quis meter pessoas no Campo Pequeno?

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  2. Ouvi. Acho triste. Porque replica o mito do que não existiu.

    O Otelo não é nenhum herói e se há alguém que lhe pode genuinamente querer mal, é o filho do Castelo Branco que tem um blog e já escreveu sobre isso.

    Perante estas coisas, paro. O Otelo devia estar calado, quieto e com vergonha: morreram 17 pessoas por acção das FP25 que ele moralmente sancionou.

    Isso basta para desfazer uma vida, porque desfez a vida de dezenas de outras, inutilmente, sem qualquer interesse social e de modo cruel.
    Estúpido. Criminoso.

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  3. Também agradeço a oportunidade de ter acesso a essas revistas, e comentários, que a censura de hoje, institucionalizada e privada, não deixa passar.

    Aproveito para fazer uma pergunta: onde posso pesquisar ou consultar a legislação em vigor na altura, a tal que era aplicada pelo tribunal plenário?

    Uma outra pergunta, se alguém puder ajudar: os juízes desse tribunal, eram nomeados pelo poder político?

    Estava a pensar no Tribunal Constitucional, por exemplo, porque disseram-me que eram nomeados pelo poder político, mas claro que eu não acreditei porque hoje há separação de poderes, como é óbvio.

    Obrigado desde já pela possível ajuda na minha tentativa de compreender um pouco destas coisas.

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  4. A nomeação dos juizes, incluindo os do tribunal plenário que funcionava numa secção na BOa-Hora, estava prevista no Estatuto Judiciário de então e que vigorou até algum tempo depois do 25 de Abril.

    Já escrevi algures sobre esse Estatuto. Vou procurar. Aliás, tenho-o aqui.

    Os juízes tinham algumas vantagens, mas a maioria dos juízes, tal como acontece nas ditaduras, eram muito conformes ao regime e à legalidade.

    Eles não gostam que se diga isto, mas é a verdade pura e simples: os juízes costumam acomodar-se ao poder que está.

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  5. O Código de Processo Penal era o mesmo desde 1892. O de Penal era o mesmo desde 1886.

    Havia algumas leis avulsas, claro, mas a estrutura básica do direito penal era do séc. XIX. E funcionava.

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  6. Até 1982 a filosofia era essa. Depois apareceu Figueiredo Dias e as ideias de Maio de 68, para simplificar.

    Vê-se onde nos conduziram...

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  7. Estou a procurar na net e já agora encontrei esta biblioteca:

    http://www.fd.unl.pt/ConteudosAreasDetalhe.asp?ID=42&Titulo=Biblioteca%20Digital&Area=BibliotecaDigital#

    Quanto ao CP de 1886 penso que seja este, certo?

    http://www.fd.unl.pt/Anexos/Investigacao/1274.pdf

    Era, portanto, este o CP aplicável até 1974, no tal tribunal plenário?

    Tenho interesse em comparar as leis de censura política da altura com as de agora.

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  8. Ah, peço desculpa, isso já não existe, já me esquecia, como escreveu o Vital Moreira no seu blog em Janeiro de 2004. As minhas desculpas, portanto.

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  9. Bem, os arquivos do José parecem a Torre do Tombo ...
    Ainda bem que assim é para ver se estes "jornalistas" de aviário têm mais atenção e rigor naquilo que escrevem.
    Hoje em dia parece que as palavras "pesquisa" e "investigação" não são do agrado de grande parte da comunicação social (vá-se lá saber porquê...)
    Parabéns pelos exemplos apresentados que contrariam claramente o modelo de censura que a Visão tentou passar para a opinião pública.

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  10. Vi qualquer coisa sobre processo de querela / Código de Processo Penal de 1929.

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  11. no tempo do fascismo pelo menos a imprensa era livre - cada um podia comprar o jornal que queria

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  12. Desculpe o lapso: o Código de Processo Penal era de 1929, de facto. Com alterações pontuais em 1945 ( DL 35007) e em 1975 ( o DL 605/75 que estabeleceu o modelo de inquerito preliminar, o que é hoje o Inquérito mais ou menos).

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  13. Colmeal:

    Tenho aqui vários jornais de época que desmentem a visão da Visão.

    Irrita-me e indigna-me este jornalismo.

    Tomam as pessoas por estúpidas e imbecis.

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  14. A imprensa no Estado Novo até 25 de Abril de 74 não era livre. Não se publicavam certas notícias porque a censura cortava.

    Mas não era o que nos querem fazer acreditar e havia a imprensa estrangeira que era livre. A maior parte.

    Infelizmente não apareciam certas revistas que em 73-74 começaram a interessar-me: Playboy, Lui e assim.

    Tal como não se viam por cá certos filmes como O Último Tango em Paris ou O Decameron e outros.

    Quando apareceu A Piscina com a Romy Schneider foi uma corrida aos cinemas. Ou um filme inócuo chamado Helga ou o segredo da maternidade. Era sobre isso mesmo, mas como tinha nudez feminina era procurado. Verdade.

    Mas havia revistas como a Plateia que trazia já "gajas nuas". E havia outras em que os costumes estavam a liberalizar-se, como era o caso do Mundo Moderno.

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  15. Em Portugal, antes de 1974 havia dois ou três jornais que eram anti-regime claramente: Diário de Lisboa, Capital, Diário Popular até.

    O Século e o Diário de Notícias eram como hoje este é: fretes ao poder.E as pessoas sabiam disso muito bem e liam com isso em mente.

    No Porto havia o Comércio do Porto, Primeiro de Janeiro e Jornal de Notícias.

    Não se sabiam certas notícias mas sabia-se o essencial.

    E no aspecto cultural os jornais eram muito, mas muito melhor que hoje.

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  16. Serviço público, José, para os desmiolados. parabéns pelo sótão! Safa, é preciso pachorra. Tive colecções de coisinhas desses tempos e nem sei explicar o sumiço que levaram. Há tempos a minha cachopada encontrou um expresso e um diário de lisboa de '75 a forrar um velho armário e foi uma festa.

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  17. Tenho centenas, milhares talvez, de jornais e revistas dos anos setenta, os meus preferidos. E também dos sessenta.

    Sempre fui grande consumidor de jornais e revistas, desde o tempo de liceu no início dos anos setenta.

    Nacionais e estrangeiras. Estas então, como eram caras, nem pensar em deitar fora.

    Aos jornais guardei-os sempre nem sei bem porquê. Nas mudanças de casas, desfiz-me de alguns, sempre com a ideia que iria arrepender-me como de facto me arrependo.

    Mas pesam muito e ocupam muito espaço.

    Mesmo assim, quando leio estes tipos com pouca memória, procuro reavivá-la.


    Muitos primeiros números ( O Jornal, Observador, Opção, Grande Reportagem dos oitenta, e estrangeiras como a Marianne e de banda desenhada e música) .

    Um dia destes vou pensar em digitalizar tudo.

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