Páginas

quinta-feira, abril 23, 2009

A Visão revisionista


A revista Visão de hoje tenta fazer uma gracinha com a comemoração próxima do dia 25 de Abril, dia da Liberdade.
Para tal, transpõe para o Portugal de 2009 e para o modo como se escreve nessa revista, os critérios da censura ou exame prévio que se aplicavam aos media nos anos da ditadura, particularmente os de finais de sessenta, época em que o director daquela revista, Daniel Ricardo começou no jornalismo.
Este mesmo Daniel Ricardo que já vem das edições de O Jornal e que esteve nos jornais antes de 25 de Abril, esteve no programa de notícias da SIC, com Mário Crespo hoje à noite, a explicar a cacha da revista.

Toda a gente sabe que o regime anterior ao 25 de Abril de 74 era de ditadura, com censura e repressão de direitos políticos dos comunistas e compagnons de route, como socialistas.

Não havia democracia como a conhecemos actualmente e por isso, a censura era rigorosa com tudo aquilo que se entendia como "subversivo". Tal incluía referências noticiosas a acontecimentos que pudessem fazer perigar o regime, como incluía cortes de notícias que contendiam com regras e costumes sociais da época e que não eram exclusivos de Portugal, mas incluía países democráticos como a Inglaterra ou a França.
Em matéria de costumes não havia na Europa uma liberdade como hoje existe. Ponto. Mas o ponto nem é esse.

A questão com a Visão de hoje é mais subtil e soez. Apresenta a revista de 2009 à luz dos critérios de 1969. Como se. E sem contexto de. E parte de critérios tão ou mais subjectivos quanto os dos censores da época.
O exercício tem alguma graça até ao ponto em que roça o revisionismo e a falsificação histórica, levando os jovens de hoje a entender o Portugal de há 40 anos como uma caricatura e um país de atrasados mentais. Não se entende o interesse que isto tem, mas enfim.
Itálico
Para hoje fica apenas um exemplo que vem logo na capa da Visão.
A primeira frase "É um tributo à liberdade de expressão que este número censurado faz sentido". Aparece como supostamente riscada a azul de censura a expressão "liberdade de expressão", como se a mesma não pudesse ser de todo em todo pronunciada naquele tempo ou mesmo glosada na essência do que contém.

Nada mais falso como se prova por esta imagem e este texto da revista Vida Mundial de 13.12.1968. Vejam a imagem, ampliando com um clique e reparem na expressão em subtítulo da imagem de Galileo Galilei: " Todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão."
Isso, inserido numa reportagem de 16 páginas sobre o Ano Internacional dos Direitos do Homem, com a reprodução da declaração universal.

Repugna-me o jornalismo desta espécie que falsifica de modo grosseiro a História e condiciona o modo de ver a sociedade portuguesa apresentando uma visão de Esquerda revisionista.
Só pergunto onde estavam estes jornalistas no dia 11 de Março de 1975 e se nessa altura na URSS ou nos países de Leste seria possível uma revista com esta capa e esse número de páginas sobre o assunto...

Amanhã há mais, mas para hoje, vai outra capa e página da Vida Mundial: a de 19.11.1971 com a imagem do filme russo Ivan o Terrível e o cinema de Eisenstein em 14 páginas. Na página de texto, assinado por Borges Palma ( onde está?!), escreve-se assim: "A esta recusa do naturalismo ( e, assim da ideologia burguesa a ela inerente) faz Eisenstein corresponder a opção rovolucionária de uma prática cinematográfica materialista". Linguagem que seria cortada pela censura, segundo os critérios da Visão de...2009!

Só pergunto se hoje a Visão poderia fazer o mesmo...mas a questão é inútil: não o faria nunca porque o grau de vulgarização de conteúdos da revista é o que se vai lendo e decai semana a semana.
Pelos vistos , com este número, querem fazer dos leitores outros imbecis.




23 comentários:

  1. Excelente, José!
    Serviço público.

    ResponderEliminar
  2. Exacto. Uma país de atrasados mentais é o que se está a querer formar. E acrescento, com assinalável sucesso.
    É bom, mais que bom, fundamental, haver quem pense. -- JRF

    ResponderEliminar
  3. Concordo.

    Eu, vítima de Abril, mas o de 2007, estive preso 1 ano e 1 mês, suspeito de escrever no fórum nacional.

    Fui condenado por 1 crime, de escrever, acusado por uma subordinada ou amiga daquela que mais o marido em tempos gritava, e escrevia, "morte aos fássistas".

    O meu advogado fez parte daqueles grupos ligados ao PCP que levavam jornais e vinho aos presos comunistas, ainda assim diz que nunca tinha visto coisa assim.

    Ver esses gajos a falar de censura, liberdade de expressão, etc., causa-me náuseas, fico doente, mas não vou opinar senão ainda vou preso outra vez... agora, em Abril.

    ResponderEliminar
  4. No tempo da Censura tivemos a madrinha Cilinha, cujos afilhados queridos eram todos os soldados portugueses,Deus a abençoe pelas alegrias que lhes deu!No tempo da Democracia temos a madrinha Cândidinha que só tem um afilhado querido,protegido por ela com gargarejos ao microfone para desgraça de todos nós!

    ResponderEliminar
  5. Faço fé no que me afirma acerca da edição da Visão que ainda não tive tempo de ver. Mas, em memória dos meus dois avós (quer o paterno, quer o materno), que estiveram presos pela PIDE por delitos de consciência, é bom que daqui não se infira seja o que for, para outros domínios da realidade de então!

    ResponderEliminar
  6. Rebel:

    Não se deve inferir mais do que isto:

    A realidade anterior ao 25 de Abril de 1974 não pode reduzir-se ao panorama que a Esquerda comunista ou associada lhe querem imprimir, ou seja o de que se tratava de um regime concentracionário, típico de ditaduras sul-americanas ou semelhante sequer ás que os mesmos indivíduos de Esquerda defendiam então como modelo para o nosso país.

    Não vejo a coerência dos comunistas denunciarem a ditadura de Salazar/Caetano como fascista e apontando a falta de liberdade de expressão, reunião e associação, que era notória com a mesma falta de liberdade que existia nos países que os mesmos apontavam como modeles de organização político-social.


    É isso que pretendo dizer e ainda mais um pouco:

    A censura, antes de 25 de Abril não era como nos querem agora fazer crer. Ou seja, era estúpida e arbitrária, mas o mais importante passava e as pessoas sabiam.

    Vou tentar demonstrar isso mesmo hoje e amanhã, aqui.

    ResponderEliminar
  7. Nesse tempo, pertencer ao partido comunista ou fazer propaganda activa contra o regime, era crime.

    A legalidade era essa, como actualmente é ilegal fazer propaganda de ideologia nazi.

    Também dá prisão e isso é indesmentível. O caso de Mário Machado está aí para o comprovar.

    ResponderEliminar
  8. POdem vir dizer que o Mário Machado está preso por outros motivos e isso ser verdadeiro.

    Mas uma coisa também é certa: se não fosse de extrema direita não estava preso.

    ResponderEliminar
  9. Rebel, tem os exemplos dos seus avós, muito bem. Eu não pretendo branquear nada mas tenho o meu exemplo pessoal, no séc.XXI, visto que também fui detido por 'delito de consciência', mascarado na discriminação racial que acusavam numa (uma!) frase que escrevi. Se eu agredi alguém? Não. Se eu ofendi alguém? Não. Se eu ameacei alguém? Não. Se eu cometi algum 'crime de delito comum', ou conexos como lhes chamam os jornalistas? Não. Mas passei uma noite na Judiciária, um dia no TIC, e estive detido durante 1 ano e 1 mês em prisão domiciliária. Hoje, passados dois anos, (ainda) não posso sair da minha Freguesia. Acaso o Carlos Cruz esteve confinado à Freguesia? Não, esteve ao Concelho. Acaso os (grande parte dos) homicidas, pedófilos e violadores, ficam com pulseira e depois confinados à freguesia? Não, ficam com apresentações periódicas e proibição de contactar com as vítimas. Serve ou não chega? O meu pai, que fazia parte das famosas cooperativas, fez parte da UMAR e mais tarde do MES, foi várias vezes à PIDE. Perguntavam-lhe se era comunista, ele dizia que não, e vinha embora. Nunca esteve detido ou com grilhões. A mim perguntaram se eu era nazi, disse que não, mas fiquei. Um ano e um mês. Chega? Se quiser mais também se arranja.

    ResponderEliminar
  10. Será que a Visão incluiu isto no artigo sobre o 25, ou como foi depois já não conta? Ou, se calhar, o fogo que não era azul e não conta...

    "A seguir ao 25 de Abril, o Ministério da Educação e Cultura (MEC) ordenou a "destruição" de livros que fizessem lembrar o regime fascista. Trinta anos depois, o PÚBLICO reconstitui um dos "autos de destruição", em que se queimaram 51 livros e se arrancaram folhas a outros 41." - Público, Domingo 24 de Julho de 2005

    Ah, são 'excessos da revolução' já sei, tal como as FP-25, em plenos anos 80, ainda eram 'excessos da revolução', e o indulto, também foi um 'excesso de revolução', coitado.

    ResponderEliminar
  11. Sou testemunha desses autos de fé: numa Casa do Povo, de um dia para o outro, desapareceram os "livros fascistas", como por exemplo os volumes luxuosos em fotos de grande qualidade sobre os Planos de Fomento do Estado Novo.
    Presumo que nas restantes do país aconteceu o mesmo.
    Autores? Comunistas.

    Quem me dera ver esses dois volumes que tinham na capa a foto da ponte Salazar.

    ResponderEliminar
  12. A revista Sábado desta semana, um pouco em contraste com a Visão, traz Salazar na capa e artigo sobre as suas relações com altas figuras da finança portuguesa.

    Curiosamente, lendo o artigo, nota-se claramente a sua postura de austeridade, mas numa frase singular, enchouriçada a meio do texto, uma tal de Irene Pimentel emite logo a sentença: "era corrupto", o homem que mandou devolver uma amostra de ouro que lhe tinha sido enviada e proibiu os administradores de empresas de receberem vários vencimentos, entre outras que se contam no artigo.

    Num outro artigo, interessante apesar de não concordar na totalidade, na mesma Sábado, Rui Ramos explica "como o 25 de Abril fez um país de esquerda".

    Há dias na rádio, ouvi uma entrevista antiga de Salgueiro Maia, a explicar o motivo do cravo vermelho ter ficado como símbolo do 25. Dizia ele que vendiam-se cravos na rua, brancos ou vermelhos (tal como hoje se vendem rosas), e que as pessoas usavam de ambas as cores, mas que os jornalistas fotografaram apenas os vermelhos. Vá-se lá saber porquê.

    ResponderEliminar
  13. José,

    Mais inuteis do que os economistas são os Procuradores da República:

    ESTE TEXTO É VERIDICO. NÃO DEIXEM DE CARREGAR NO FUNDO DA PÁGINA EM “texto integral”, sendo imediatamente direccionados para a página oficial da PG, onde podem ler o texto na integra



    O protagonista é um Procurador da República adjunto, quando foi interceptado enquanto conduzia veículo automóvel e, em simultâneo, falava ao telemóvel. ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! !

    nº 1322 -Arquivamento de inquérito 01-04-2009 - Proc. nº 5/09.6TRLSB



    Denúncia contra Magistrado. Injúrias e ameaças. Inexistência de crime. Arquivamento do Inquérito



    I - Não incorre em prática de qualquer crime, designadamente o de injúrias ou de ameaças, aquele que, perante o agente de autoridade, em exercício de funções, no acto em que está a ser autuado (por eventual violação de regras de trânsito), a título de desabafo e sem que lhe dirija as palavras, se limita a expressar “Caralho! Já ando com problemas que cheguem… e o sr. ainda vai ouvir falar de mim” (sic).
    II – Com efeito, nem o vocábulo “caralho” encerra qualquer epíteto dirigido à autoridade nem o alerta de que “ainda vai ouvir falar de mim”, no contexto em que foi proferido, não contém a anunciação de um “mal futuro”, apto a causar “inquietação, medo ou prejudicar a liberdade”
    [João Manuel Parracho Tavares Coelho]


    http://www.pgdlisboa.pt/pgdl/interv/pec_ficha.php?nid_peca=1322&lista_resultados=1323,1322,1320,1315,1319&exacta=&stringbusca=

    ResponderEliminar
  14. Já li. Subscrevo o despacho do Parracho.

    A polícia por vezes também gosta de se armar aos cucos.

    Para além do desabafo, nada há mais a dizer. O procurador não pagou a coima? Tentou rodear o problema e demover o polícia de autuar?

    Pergunto apenas uma coisa: se fosse um superior hierárquico do polícia, havia matéria em auto?

    ResponderEliminar
  15. «se fosse um superior hierárquico do polícia, havia matéria em auto? »


    ahahahaha

    Se fosse superior hierárquico até ele o orientava para estacionar o carro em cima do passeio- como já foi publicado em reportagem fotográfica nos jornais.

    ResponderEliminar
  16. De leis pouco percebo mas tem piada que, e não querendo ser maçador mas, eu fui condenado a 1 ano e 8 meses de prisão em pena suspensa por um desabafo sem anunciação de um “mal futuro”, apto a causar “inquietação, medo ou prejudicar a liberdade”. Ah, e sem asneiras. Não procuro respostas nem confortos, apenas digo e volto a repetir estas coisas porque se não for eu a fazê-lo mais ninguém o fará por mim.

    ResponderEliminar
  17. E essa condenação não teve gravação de factos? Não teve recurso dessa matéria gravada?
    Não foi possível a um tribunal superior apreciar a respectiva validade objurgatória?

    Nós não somos bons juízes das nossas causas, mas também não somos os piores de todo: pelo menos sabemos como se passaram as coisas. Somos até aqueles que melhor sabem...

    Segundo li no despacho do Parracho, o polícia não apresentou queixa. Apenas participou...

    Gostaria de saber se no quartel, nunca ouviu nenhum superior a tratá-lo bem pior que isso e nem um pio se ouviu.

    De polícias percebo um bocado e não gosto, geralmente.

    ResponderEliminar
  18. Para mim, actualmente, a palavra de um polícia não tem maior valor que a de um qualquer cidadão.

    E sei do que falo.

    ResponderEliminar
  19. Está gravado, tenho aqui os DVD, e foi enviado recurso. Até hoje, largos meses depois, nem uma carta a dizer que aceitaram, ou que receberam, pelo menos. Tribunal da Relação? Bem, podia rir-me um pouco, se não fosse preocupante, mas não vou comentar senão posso cometer outro crime... e estamos em Abril, e foi nesse mês que vieram cá buscar livros e revistas, em 2007 não em 73, por isso calo-me.

    ResponderEliminar
  20. É melhor aguardar. A Justiça às vezes chega tarde, mas chega.

    ResponderEliminar
  21. Caros José e VML:
    Em primeiro lugar, quero pedir-vos desculpa por só agora vos estar a responder. É que saí há pouco do trabalho e estou sem net por lá.
    Lamento o que aconteceu ao VML e se achar que o posso ajudar nalguma coisa, pode contar comigo, pois estarei sempre ao lado do subjugado.
    Quanto à questão em apreço só concebo uma sociedade onde possamos livremente trocar ideias com a elevação que aqui se tem notado.
    A Vida e esta liberdade de vos estar a escrever, sem qualquer tipo de reservas, o mesmo podendo vocês fazer, é o que me move. Serei sempre contra qualquer arbitrariedade, ainda que ela possa ter cobertura legal.
    Em Portugal, como na URSS nos países da cortina de ferro, bem como na América do Sul (excepção feita à Argentina durante algum tempo), não existiu qualquer tipo de democracia, mas, sim, obscurantismo e abuso de poder. Lamento profundamente que tenha acontecido e luto todos os dias para que não volte a acontecer. E mesmo que estejamos em desacordo, lutarei para que possam proclamar publicamente a vossa dissidência. estando certo que o mesmo farão por mim.

    ResponderEliminar
  22. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderEliminar
  23. Já agora, aqui também se lembra o 25 de Abril, mas o de 2007:

    recordar-o-25-de-abril-de-2007

    ResponderEliminar

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.