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segunda-feira, abril 27, 2009

O mundo lá fora

Manuel António Pina deu uma entrevista à Pública desta semana, para dizer certas coisas com interesse, no meio da circunstância dos livros, papéis e gatos. Como escritor, lembra-se de coisas que o diabo esqueceu, com citações oportunas e fartas de significado dinâmico nas alusões estáticas.

Manuel António Pina, escritor de crónicas diárias, em dia se semana, no Jornal de Notícias, é leitura obrigatória para quem quiser ler uma súmula da espuma dos dias, olhada do lado de uma janela de computador, mas com portas abertas para a realidade circundante.

Em suma, sou suspeito porque muito aprecio o resumo depurado do pensamento sobre factos avulsos, escrito em poucas palavras e disso por vezes dou testemunho, aqui mesmo.

Porém, o que me traz aqui ao debate a solo, é outra coisa que lá vem, na entrevista e que se liga a estes tempos que passam e efemérides do que já foi.
Manuel António Pina confessa-se como se tivesse sido de Esquerda e crédulo, em tempos, do idealismo mais arrebatador que nem um amanhã a cantar poderia prometer fosse a quem fosse, incluindo os autores do estribilho utópico.

Diz assim, para justificar um desapontamento a propósito da sua confessada ligação breve e efémera, "à política":

"Foi a seguir ao 25 de Abril. Acreditei e envolvi-me mesmo. Eu não sou muito hipócrita, sou o suficiente para conseguir viver em sociedade. Acreditei que vinha aí o socialismo, que podia ser uma forma de felicidade colectiva. (...) Estava sinceramente convencido de que vinha aí o socialismo(...). A militância não foi só por causa de l´air du temps. Eu acreditava mesmo no poder popular. Tentei ser candidato duas vezes. A proximidade com a militância e com a política partidária revelou-me aspectos da natureza humana e das próprias organizações paartidárias revoltantes. De maneira que me afastei completamente."

Ora bem. Esta confissão de uma candura desarmante, já ouvi a outros e noutros lugares. Pessoas bem formadas, intelectualmente informadas e lidas; conhecedores de comidas e culturalmente evoluidas para além da faca e garfo de prata e copo de cristal, embarcaram em naves de sonhos utópicos, próximos da ficção científica em ladainhas de igualdade ao virar da esquina e promessas de grande felicidade ao fim de uma geração.

Estas pessoas de óptima índole e moral irrepreensível, lidos nos romances de cavalaria e versados em poemas de Rimbaud e Apollinaire, para não falar em Jorge de Burgos ou Alephs, tomaram à letra os ensinamentos de nomes impronunciáveis de recendência alemã ou de rosas luxemburguesas.

Já tenho perguntado noutros lados, a estes idealistas do sonho utópico, como foi possível tal caminho de nevoeiro, se era visível a todos, a sementeira de escolhos logo na partida e se adivinhavam as saídas cortadas logo à frente. E perguntei com surpresa e perplexidade, como foi possível andar muito tempo nessa senda perdida, depois de terem lido livros e livros que ensinam a todos, a vida e sentimentos básicos de todos os Homens de todas as épocas e latitudes.

Nunca encontrei resposta satisfatória e esta confissão de Manuel Pina, fica a dever mais explicações que não serão certamente singulares, perante um grupo de iludidos que conheço, afectados pelo mesmo síndroma.

Para isso, só pergunto como foi possível ignorar o que vinha lá de fora, das terras de França e dos anglo saxões, em modo de revistas de informação, antes de 25 de Abril de 1974 e que nos contavam por cá, sem censura de espécie alguma, tudo o que precisávamos de saber sobre as terras da utopia.
A Time e a Newsweek, vindas da América, não eram órgãos de informação da CIA, como nos quiseram fazer crer depois, os socialistas da utopia. A L´Express e Nouvel Observateur, escreviam livremente sobre as utopias comunistas, sem tergiversação alguma e mostravam o mundo escuro da cortina de ferro que muitos quiseram adoptar em nome desses amanhãs.

Perante esse panorama, só apetece perguntar em jeito de figura de estilo: Ó caríssimo Manuel Pina, então V. não lia estas coisas, estas revistas e jornais de época aqui apresentadas em capa e que comprei na altura - início dos anos setenta- que não eram censuradas, mas livremente apresentadas em escaparates públicos para toda a gente ler e nos contavam o mundo lá fora?
E não viu logo nessa altura, o logro dos que as denunciavam como instrumentos do capitalismo, a fim de passarem a mensagem do socialismo enganador?





18 comentários:

  1. Com Pina e com tantos, não há leitura que exclua a experiência. O grau de ingenuidade advém do excesso de leitura e do défice de experiência.

    Eu pessoalmente, desde os 4 anos, em 74, até à Queda do Muro, rodeado de todo o tipo de leituras, sempre rejeitei o Comunismo.

    Hoje sinto necessidade de qualquer coisa de nivelador, de criativo e modalizado de equilíbrios. Um verdadeiro pluralismo.

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  2. Mas ele não era propriamente uma criança na altura. Já tinha mais de 30 anos.

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  3. 30? Era uma criança sob um regime paternalista.

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  4. UAU!!! Com 4 anos rejeitar o comunismo!!! Isso é SER PRECOCE!!! Uma intelijumência em ciência política!!!

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  5. Vai começar mais um Prós & Prós, a excelsizar o 25A.

    Podiam convidar pessoas do contra, como Jaime Nogueira Pinto e J. Brandão Ferreira.

    Convidaram o Soares.

    A criatura que meteu o Socialismo na gaveta vem agora a exaltar o anti-liberalismo.

    Até o Sócrates agora se mostra como um antigo anti-liberal...

    Haja pudor.

    Estes escroques já se esqueceram do que se passou a seguir ao 25 de Abril, já se esqueceram a desgraça que foram os 10 anos seguintes, mesmo passando a viver à conta de empréstimos externos.

    Haja dignidade de não branquear o que se passou!...

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  6. Wegie, por que não opinas exclusivamente sobre a tua própria vagina?!

    Em 74, eu via muita televisão e interessava-me por debates e entrevistas com uma curiosidade vívida. Sou dono das minhas impressões e memórias. Em graus afectivos e sensitivos, recordo-me de muitos factos da minha infância.

    E pode-se rejeitar o Comunismo como se rejeita o lobo mau, ogres, papões, Wegies com propensão para uma sátira flácida e impotente.

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  7. joshua: Agradeço o conselho educado que me dás. Continuo a ter dúvidas que uma criança com 4 anos consiga ter opiniões políticas mesmo sendo sobredotada como tu. Talvez confundas na memória os debates com os desenhos animados da WB, Bugs Bunny e o Coiote...

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  8. Esta discussão sobre os motivos de escolha, já a tive com outro blogger do Incursões, o MCR que é um indivíduo que andou pelas mesmas águas que o Manuel Pina: MES.

    Já lhe fiz a mesma pergunta, porque o conheço e considero pessoa de bem e amigo.

    Incentivei-o a uma coisa simples que não passou muito disso: contar porque foi para o lado esquerdo quando outros ficaram a olhar que para que lado virar e outros viraram à direita e outros ainda andam nas margens para não se confundirem com o resto e outros mais tentam levitar para não se situarem em lado algum.

    Por mim, tento seguir pelo passeio de um dos lados. Geralmente o esquerdo do caminho direito.

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  9. Em 74-75 fiz parte de uma direcção de uma associação de colectividade local. Antes fazíamos teatro e "variedades", para as pessoas da freguesia, geralmente pelo Natal. Isso significava vários meses de ensaios, à noite e ao fim de semana.

    Foi uma óptima experiência.

    Depois do 25 de Abril, surgiram do nada uns tantos comunistas tão fanáticos que as discussões eram constantes.

    Até o símbolo da associação quiseram mudar para a foice e o martelo. A custo lá tentei convençer que era melhor uma rede de voleibol e já agora uma espiga porque estávamos no campo...

    As discussões rapidamente passaram aos temas do "comunismo científico" que os tipos engurgitaram na sede do partido.

    Foi difícil conviver com essa malta, nessa altura.

    Por isso fui sempre anti-comunista.

    Os socialistas de então, eram mal menor e democratas tolerantes. como hoje. Mas da Esquerda, na mesma. O PSD e o CDS eram partidos burgueses, para eles.

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  10. Durante os meus 70 anos não militei nem milito em nenhum partido. Convivi com todas as facções existentes e as "falidas". O argumentário, para mim, era desqualificado mas para o interlocutor era sempre de excelência. Ao longo dos anos cheguei à conclusão que só mudam quando levam nos "cornos" e os exemplos abundam.
    Nota:
    Excluo os oportunistas. Dão sempre a volta mesmo quando "enrabados"

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  11. Ah! E os mais aguerridos dessa altura, os que gritavam mais contra o fassismo, estão agora no...PSD. Olarila!

    Um deles, na altura do Crisma, celebrado por D. Francisco Maria da Silva, arcebispo de Braga e que foi vilipendidado no Verão quente, quando o arcebispo chegou ao adro da Igreja, gritou-lhe "Fascista! Devias estar em Caxias!".

    Tal e qual. Hoje é presidente da Junta, eleito pelo...PSD.

    Que tal?

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  12. Wegie, não era um conselho educado. Era só bem-humorado. Não espero resolver as tuas dúvidas sobre o facto de uma criança com 4 anos como eu tenha olhado para o Cunhal como um perigo e que mesmo sem opiniões políticas tivesse impressões intuitivas e afectivas, precisamente por ser sobredotada como eu.

    Na ordem das prioridades, não confundo o quanto me era mais precioso e prioritário os desenhos animados da WB, Bugs Bunny e o Coiote e, quando ao colo dos pais, vibrava por contágio os mais célebres e calorosos debates que o meu pai comentava como um árbitro, deixando à família um perfume de adesões a Sá-Carneiro e de rejeições a Cunhal/Soares.

    Sabes, recordo uma ida com o meu pai ao Aeroporto de Pedras Rubras para ver chegar Sá Carneiro. Fui a muitos comícios. A feromona da liberdade e da esperança andava no ar como o halo de amor no quarto dos meus pais onde eu também dormia.

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  13. vá... não é caso único, joshua. assistir na televisão ao duelo nixon-kennedy no principio dos anos 60 também mudou a vida daquele cujo nome não pode ser pronunciado.

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  14. joshua: Eu sabia que eras um sobredotado. Com essa educação carneirista e um blogue com pay-pal só podias ser.

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  15. cfr, isso de homologar-me ao Impronunciável Litigante, vade retro, satana!

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  16. Wegie, não se deve cuspir para o ar.

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  17. "proximidade com a militância e com a política partidária revelou-me aspectos da natureza humana e das próprias organizações paartidárias revoltantes. De maneira que me afastei completamente."

    é sem dúvida o caminho mais fácil, observar os problemas e deles fugir.

    mas não me parece que seja o mais indicado, porque é a política que nos governa e traça o nosso caminho.

    isso é precisamente o que eles, os militantes da causa, pretendem: que as pessoas andem alheadas da coisa para assim fazerem o que querem.

    se os observarmos a todos, e virmos neles o mal, devemos ir lá para os combater.

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  18. Apesar retórica, é uma pergunta bem pertinente, embora pesadamente injusta no plano afectivo (ie, como julgamento lapidar dos melhores da cultura Tuga de antanho). Creio que só se pode responder a ela com algum objectivismo, devolvendo a outra face da mesma moeda retórica: e poderia esperar-se dos melhores espíritos da cultura portuguesa outra coisa que não o fascínio pelo negativo dela própria, daquilo que era o cerne da mentalidade Tuga (e será sempre): a crença messiânica no advento da utopia social e moral conduzida a ferro ou a fogo pelo Condottieri de serviço, iluminado pela ortodoxia da Religião ou da Ideologia, seja este um D. João II, um Pombal, um Salazar ou mesmo um ou outro dos actuais vendedores mais energéticos do retalho nacionalista? Esperar outra coisa é não só irrealismo, mas fantasioso: o povo teria que ser outro, bem como outras as razões que mantiveram a Nação Tuga quietinha e intacta no seu canto ocidental de modo que esta seja orgulhosamente uma das mais velhas nações.

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