Poucas vezes vou ao cinema e ontem fui ver o último de Quentin Tarantino, com o título de Bastardos sem Lei, tradução do original Inglorious Basterds que os brasileiros acharam por bem, titular, com a originalidade visível, como Bastardos Inglórios.
De Tarantino conhecia Pulp Fiction, com destaque para a cena de dança entre Travolta e Uma Thurman, ao som de uma música de Chuck Berry, a lembrar Saturday Night Fever.
Desta vez, os bastardos sem glória, fazem lembrar outros filmes, segundo se escreve por aí, mas como não sou cinéfilo não sei apontar.
Logo na primeira cena do filme, porém, lembro-me das paisagens alpinas de Música no Coração, cruzadas com a série televisiva de Uma Casa na Pradaria e nesse “primeiro capítulo” de uma série de cinco, ao longo de mais de duas horas que se vêem muito bem, reside, a meu ver, o segredo do sucesso do filme.
Numa França ocupada pelas tropas alemãs, num lugar retirado algures na montanha, um pai e três filhas adolescentes, vêem chegar “os alemães”, num carro descapotável com batedores armados, de moto e side –car, BMW pela certa.
Dentro do carro sai um oficial de SS, de casaco comprido de cabedal, tal como se espera ver num filme, um oficial alemão de elite.
Dirige-se ao dono do casarão de madeira na montanha, que tinha já mandado as filhas para dentro e a partir daí, a representação do austríaco Christoph Waltz, na pele do nazi Hans Landa, é simplesmente cativante e de grande luxo teatral.
Com uma atitude que lembra os detectives de séries televisivas como Columbo, McCloud, Sherlock Holmes ou mesmo Poirot, o recorte psicológico que o actor Waltz empresta à personagem Landa é fantástico e vale o filme só por si. Reside aí, aliás, o segredo do filme porque toda a trama ( imaginada pelo próprio Tarantino) tem como pivot essa personagem charneira que encarna o oficial nazi das informações, como um típico “pide” disfarçado num charme de conversa sempre pronta e adequada ao momento. A conversa de Landa, sempre instrumental e com objectivo subjacente, é feita de pequenos rodeios, à maneira de um Columbo nos anos setenta ou de um Poirot que para obterem a informação necessária, empatizam com o interlocutor e interagem nas próprias idiossincrasias, conduzindo-os à escorregadela involuntária e fatal e que os torna implacáveis nesse método. Não será por acaso que no fim, a personagem Hans Landa, perante o epíteto que lhe colaram de "caçador de judeus", adianta que é apenas "um detective"...
Essa maneira de construir uma personagem, no caso do filme de Tarentino, pode nem ser original, porque outras do mesmo género se encontram no cinema. Pode nem ser particularmente genial, porque disso há pouco. Mas é de uma eficácia narrativa e cativa sem reservas o espectador que se diverte no jogo de palavras e atitudes, sabendo de antemão que por trás da aparência simpática reside a monstruosidade da violência sem paralelo.
Os restantes capítulos do filme dão expressão narrativa à historieta alternativa sobre o fim da Segunda Guerra Mundial. Tem um interesse relativo e a verosimilhança, neste caso, é secundária.
O filme, no seu discurso narrativo e ritmo de cinéfilo é de grande categoria, a meu ver. As inúmeras referências cinéfilas, no interior do próprio filme, à semelhança de um Salteadores da Arca Perdida , serão um bónus para connoisseurs e a intriga própria de cada capítulo, resolve-se bem e com algumas surpresas suplementares, dignas de um Hitchcock ( por exemplo, numa cena já perto do final, na cabine de projecção no cinema, quando a projectista improvisada encontra o “herói” do filme que projecta).
Segundo a revista Lire deste mês, em 1995, havia 25 mil livros escritos sobre o assunto da Segunda Guerra Mundial; em 2000 havia já 37 mil e em 2010 provavelmente, haverá o dobro deste número.
No entanto, se o filme vale alguma coisa como documento sobre a Segunda Guerra Mundial, é na apresentação e representação de pormenores que se desconhece serão fidedignos ou apenas fruto de representações já ficcionadas anteriormente.
Seja como for, a personagem Landa, é de uma dimensão psicológica a tomar em conta, porque é mais um “apport” sobre a natureza perversa de um regime totalitário.
Tem piada, José, v. fazer esta crítica.
ResponderEliminarE sabe porquê?
Porque eu vi a apresentação em Londres e fiquei de tal modo mal impressionado que até recusei convite de amigos para ir ver.
E isto apenas por me parecer disparatado e sem piada.
Depois, para ficar com alguma ideia se era mania minha, infundada, fui à procura do que dizia o Eurico de Barros, por achar que esse nunca dá baldas.
E ele diz mal e apontou os mesmos receios que eu tive pela apresentação- o disparate inverosímil.
Mas agora o José troca as voltas e fiquei com curiosidade
Mas pode ser que o Eurico se tenha deixado levar por outra coisa...
ResponderEliminarNão sei. Eu apenas achei que pela apresentação aquilo era desbocado.
Se assim não é, trata-se de um caso de um péssimo trailer.
Li a crítica do Eurico de Barros e fiquei com a pulga atrás da orelha.
ResponderEliminarA minha filha foi ver e disse-me que gostou e ainda mais fiquei.
Depois li as propagandas habituais dos que escrevem por frete e para pagar fretes.
Fui ver. E gostei. O Eurico de Barros refere-se a algo que o filme não pretende dar: uma visão séria ou em modo sério.
Não é bem assim, mas acho bem que não seja. Os filmes não devem ser isso sempre. Sendo ficção só por alusão ou por efeito genial conseguirão ser isso. E mesmo esse efeito se pode obter através de um filme de "chachada", como o Eurico de Barros classifica.
A personagem Landa consegue esse efeito perverso com a maior das simpatias e o recurso ao "detective" se for bem explorado funciona sempre bem, porque cria no espectador ( tal como o leitor nos livros de Eco) a ilusão que é inteligente...
Esse efeito funciona muito bem no filme.
O trailer não presta, acho. A figura do actor Brad Pitt até fica bem no filme porque dá a imagem do americano típico saído das berças do Alabama. E é esse retrato que transparece na personagem Aldo.
ResponderEliminarOs diálogos entre a personagem Landa e Aldo, no cinema e depois no cativeiro, são exemplares disso mesmo. Mostram a diferença entre a subtileza e o terra a terra do comedor de amendoins que acaba por levar a melhor.
Imagino que no Iraque, os americanos tenham feito a mesmíssima figura e será essa uma das razões pelas quais não compreendem o mundo e se aventuram em terras de tradições milenares e manhosice até mais não.
Fizeram-na no Vietnam, no Afganistão e no Iraque. E não querem parar.
Ai o josé viu depois de ler o Eurico?
ResponderEliminarTem piada que eu achei que não ia ver sem sequer saber do que se tratava.
Apenas pelo trailer que dá uma péssima ideia de falta de piada.
E depois li o Eurico e fiquei na dúvida- ou tinha acertado no problema que o trailer me despertara ou havia ali mais um niquinho de paranóia do Eurico acerca do que todos sabemos.
Ele é das raras pessoas em quem confio na apreciação de um filme, mas tem as suas pancadas nada isentas.
Acho que vou ver mas estou engripada
Espero que não seja a dos porcos
":O)))))
Eu vi praticamente tudo do Tarantino, excepto o primeiro Kill Bill e, de um modo geral, gosto.
ResponderEliminarMas até gostei menos do Kill Bill depois do genial Pulp Fiction.
Ele é bom no pastiche e sabe usar muito bem os actores e a música.
Concordo. O Hans Landa é uma personagem fabulosa. O primeiro dálogo com Lapaditte é genial.
ResponderEliminarGrande abraço!
Eu ainda não vi, mas vou ver,adoro Tarantino e muitas vezes acho a critica portuguesa um bocado arrevesada !
ResponderEliminarAs melhoras zazie :-)
É um grande filme.
ResponderEliminarA parte ficcional é desde o início ressalvada pelo próprio Tarantino ao utilizar o "Once upon a time" logo no título do 1º capítulo.
Landa é também um dos meus preferidos (ganhou o prémio de melhor actor em Cannes este ano por esta interpretação), lado a lado com a personagem do Tenente Archie Hicox, encarnada pelo magistral Michael Fassbender (que teve o papel de uma vida em "Hunger" do estreante Steve MAcQueen).
Referências são inúmeras, desde o cinema alemão da época de 3º Reich com Riefenstahl ao clássico americano "The dirty dozen" ou em português "Doze indomáveis patifes", para além de auto-referências a filmes anteriores como "Kill Bill", por exemplo na cena do "mexican stand-up" no bar alemão entre Pitt, Krugger e o soldado alemão q festejava o nascimento do filho.
É uma ficção que muitos judeus por esse Mundo fora gostariam que fosse realizada, pelo menos na parte da vingança...se todos tivessem deixado a marca distintiva nos nazis como Aldo Raines fez, talvez hj a justiça tivesse em seu poder todos os responsáveis pelo genocídio do povo hebreu.
Mas isso são outros 500 :)
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