sábado, agosto 29, 2009

Os bastardos de Tarentino


Poucas vezes vou ao cinema e ontem fui ver o último de Quentin Tarantino, com o título de Bastardos sem Lei, tradução do original Inglorious Basterds que os brasileiros acharam por bem, titular, com a originalidade visível, como Bastardos Inglórios.

De Tarantino conhecia Pulp Fiction, com destaque para a cena de dança entre Travolta e Uma Thurman, ao som de uma música de Chuck Berry, a lembrar Saturday Night Fever.

Desta vez, os bastardos sem glória, fazem lembrar outros filmes, segundo se escreve por aí, mas como não sou cinéfilo não sei apontar.

Logo na primeira cena do filme, porém, lembro-me das paisagens alpinas de Música no Coração, cruzadas com a série televisiva de Uma Casa na Pradaria e nesse “primeiro capítulo” de uma série de cinco, ao longo de mais de duas horas que se vêem muito bem, reside, a meu ver, o segredo do sucesso do filme.

Numa França ocupada pelas tropas alemãs, num lugar retirado algures na montanha, um pai e três filhas adolescentes, vêem chegar “os alemães”, num carro descapotável com batedores armados, de moto e side –car, BMW pela certa.

Dentro do carro sai um oficial de SS, de casaco comprido de cabedal, tal como se espera ver num filme, um oficial alemão de elite.

Dirige-se ao dono do casarão de madeira na montanha, que tinha já mandado as filhas para dentro e a partir daí, a representação do austríaco Christoph Waltz, na pele do nazi Hans Landa, é simplesmente cativante e de grande luxo teatral.

Com uma atitude que lembra os detectives de séries televisivas como Columbo, McCloud, Sherlock Holmes ou mesmo Poirot, o recorte psicológico que o actor Waltz empresta à personagem Landa é fantástico e vale o filme só por si. Reside aí, aliás, o segredo do filme porque toda a trama ( imaginada pelo próprio Tarantino) tem como pivot essa personagem charneira que encarna o oficial nazi das informações, como um típico “pide” disfarçado num charme de conversa sempre pronta e adequada ao momento. A conversa de Landa, sempre instrumental e com objectivo subjacente, é feita de pequenos rodeios, à maneira de um Columbo nos anos setenta ou de um Poirot que para obterem a informação necessária, empatizam com o interlocutor e interagem nas próprias idiossincrasias, conduzindo-os à escorregadela involuntária e fatal e que os torna implacáveis nesse método. Não será por acaso que no fim, a personagem Hans Landa, perante o epíteto que lhe colaram de "caçador de judeus", adianta que é apenas "um detective"...

Essa maneira de construir uma personagem, no caso do filme de Tarentino, pode nem ser original, porque outras do mesmo género se encontram no cinema. Pode nem ser particularmente genial, porque disso há pouco. Mas é de uma eficácia narrativa e cativa sem reservas o espectador que se diverte no jogo de palavras e atitudes, sabendo de antemão que por trás da aparência simpática reside a monstruosidade da violência sem paralelo.

Os restantes capítulos do filme dão expressão narrativa à historieta alternativa sobre o fim da Segunda Guerra Mundial. Tem um interesse relativo e a verosimilhança, neste caso, é secundária.

O filme, no seu discurso narrativo e ritmo de cinéfilo é de grande categoria, a meu ver. As inúmeras referências cinéfilas, no interior do próprio filme, à semelhança de um Salteadores da Arca Perdida , serão um bónus para connoisseurs e a intriga própria de cada capítulo, resolve-se bem e com algumas surpresas suplementares, dignas de um Hitchcock ( por exemplo, numa cena já perto do final, na cabine de projecção no cinema, quando a projectista improvisada encontra o “herói” do filme que projecta).

Segundo a revista Lire deste mês, em 1995, havia 25 mil livros escritos sobre o assunto da Segunda Guerra Mundial; em 2000 havia já 37 mil e em 2010 provavelmente, haverá o dobro deste número.

No entanto, se o filme vale alguma coisa como documento sobre a Segunda Guerra Mundial, é na apresentação e representação de pormenores que se desconhece serão fidedignos ou apenas fruto de representações já ficcionadas anteriormente.

Seja como for, a personagem Landa, é de uma dimensão psicológica a tomar em conta, porque é mais um “apport” sobre a natureza perversa de um regime totalitário.

Questuber! Mais um escândalo!