domingo, setembro 24, 2023

O Ministério Público é uno...mas os seus magistrados obedecem à legalidade e objectividade


Este artigo de opinião, no Observador,  de um jurista sobre o Ministério Público e os seus magistrados, em processo penal, coloca questões interessantes e enganadoras. a meu ver. 

 



 




O ponto de vista do autor do artigo é o de que as acusações deduzidas por um Ministério Público uno, ou seja, interligado na respectiva hierarquia, e cujas decisões individuais o comprometem num todo, deviam ser sustentadas nas diversas fases processuais, mormente na última e principal fase, a de julgamento, por aqueles magistrados que a deduziram efectivamente. 

A justificação para tal reside na circunstância de nos processos mais complexos e com milhares de páginas, ser relativamente mais fácil o acompanhamento até ao fim do processo de quem trabalhou inicialmente no inquérito e deduziu a acusação. 
Efectivamente assim será, como é evidente. Porém, há outros factores a ter em conta na dificuldade em realizar tal desiderato. 
Não se trata apenas da diversidade estrutural do MºPº nos diversos departamentos, desde a fase de inquérito, passando pela instrução e terminando na de julgamento. Seria difícil conciliar tarefas diversificadas nessas fases, entregando-as ao mesmo magistrado quando este se encontra em departamento diferente daquele para o qual transita o processo. Se tal suceder, fatalmente haverá disfunção operacional nos respectivos departamentos e tal não é questão de somenos. O quadro de magistrados do MºPº, em todas as instâncias atinge neste momento um número um pouco superior a 1500, em efectividade de funções. Ou seja, há escritórios de advogados que congregam quase um quinto de profissionais totais do MºPº...
Por outro lado e para mim essa é a questão mais importante, o papel do magistrado que dirige o inquérito é  fundamental na recolha dos elementos factuais e na sintetização dos mesmos numa peça acusatória, que pode ser isso mesmo, sintética qb e capaz de abarcar tudo o que um inquérito contém de relevante para a definição do objecto da acusação, assim definida. No entanto, após tal tarefa de sintetização, o mais importante é perceber em relação a cada facto, onde está a prova do mesmo, em documentos ou depoimentos prestados ou a prestar. 
E isso, o magistrado que investigou saberá melhor à partida onde procurar, porque sabe onde encontrar. Porém, o o estudo processual do magistrado que representará o MºPº no julgamento será sempre necessário e não se afigura susceptível de justificar aquela alteração na estrutura organizativa do MºPº, salvo casos muito contados e de complexidade para além do normal. 
Por outro lado, há uma circunstância muito importante que permite outro efeito não referido no artigo do jurista: nem todos os magistrados do MºPº têm ou devem ter um entendimento uniforme acerca do mesmo assunto jurídico e mormente relacionado com os factos em julgamento. 
Seria preferível que assim fosse, ou seja, que houvesse sintonia entre a posição jurídica do magistrado que investigou e acusou e aquele que está no julgamento, mas isso nem sempre sucede desse modo. 
E tal acontece porque quem investiga e deduz acusações pode cometer mais facilmente um pecado fatal para a justiça concreta: assumir o MºPº como parte interessada em determinado desfecho, mormente o de eventual condenação, esquecendo, mesmo involuntariamente, a obrigação estrita de obediência ao princípio da objectividade, para já não falar da legalidade. 

O MºPº, sendo uno, não deve ser unificado num entendimento jurídico relativamente aos factos da vida real, tendencialmente distorcido nesse dever de objectividade e tal acontece frequentemente, a meu ver. Daí as tais absolvições a que o artigo se refere.  
A lei processual penal define o que deve pautar uma acusação criminal: conter factos, indícios e provas que constituam um acervo suficiente para se entender que existe pelo menos, uma probabilidade mais forte de condenação do que de absolvição. 
Este entendimento é por vezes demasiado subjectivo e inquinado por práticas processuais que deixam os princípios de direito penal a ver alguns navios distantes, porque há uma rotina de procedimentos no MºPº que tal encoraja e justifica, mormente as inspecções. 
É muito mais fácil, barato em termos de tempo e esforço e rende muito mais mérito ao magistrado, acusar do que arquivar processos em que os indícios dos crimes sejam de algum modo duvidosos. Na dúvida, acusa-se...e por isso, perante as dúvidas consolidadas em julgamento, os juízes absolvem. 
Os magistrados do MºPº que assim actuam, e a meu ver serão mesmo a maioria esmagadora, esquecem aqueles princípios e pautam-se pela facilidade que lhes garante mais resultados profissionais, olvidando de caminho o que significa para um acusado algo que pode não ser justo. Quando tal acontece em termos claros, o abuso de poder não anda longe. 
É este, para mim, um dos pontos fundamentais do MºPº actual que temos em Portugal: a rotina e a ausência de verdadeira personalidade dos magistrados que na maioria dos casos se tornam apenas carreiristas, porque não têm nenhuma vantagem em não o ser...

Daí que um magistrado de julgamento, diferente do que efectuou a investigação criminal em inquérito possa efectivamente constituir uma maior garantia de objectividade e de aplicação da justiça como deve ser: a de dar a cada um aquilo que merece. 
E sobre este fenómeno não vejo ninguém a escrever. Ou sequer a falar no assunto...

sábado, setembro 23, 2023

A igualdade de todos perante a lei, é isto?

 Público de hoje:


Há uma frase final  neste escrito que impressiona e é terrível:

"O povo português não é ninguém. É uma entidade difusa num país com poucos princípios e uma cultura institucional miserável. António Costa, pelo contrário, não é nada difuso. Tem muita carne e muito osso e mete medo a quem já tem um talento natural para ser medroso, como a actual procuradora-geral da República"

Quem não entende isto, exercendo cargos de responsabilidade, deixa entrever que a separação de poderes em Portugal fica muito próxima do que sucede, por exemplo, em Angola. E deixa entrever que a autonomia externa do MºPº, ou mesmo a interna, em Portugal, é um mito. E por isso mesmo, o poder Executivo tem uma influência determinante sobre uma instância de controlo desse mesmo poder que é a PGR e o Ministério Público no seu todo. 

Uma situação destas equivale a um atentado ao Estado de Direito. Nem mais. Nem menos.


Como o SMMP costuma pronunciar-se sobre estes assuntos, aliás candentes, o que vai fazer desta vez?

 

quarta-feira, setembro 20, 2023

Who is it? Eu conto...

 O grupo britânico de rock, The Who, publicou entre o final dos anos sessenta e a primeira metade da década seguinte pelo menos três discos de antologia da música popular de expressão anglo-saxónica. 

Os discos são estes, na sua versão original, em prensagem da época em que saíram:



O primeiro, chamado Tommy, saiu na Primavera de 1969 e era uma espécie de opera-rock, seja lá isso o que for. 

Contava a história de um miúdo traumatizado na infância por diversas desventuras e que se tornara cego, surdo e mudo, criando uma habilidade táctil acima da média, para jogar "pinball". Bizarro, no mínimo.

As letras giram à volta da história da sua vida logo no pós-guerra britânico, reflectindo a geração do seu autor, Pete Townshend.

Quando ouvi este disco pela primeira vez já tinham passados anos dele ter saído, pois em 1975, quando tal sucedeu, o tema do disco e as músicas foram adaptadas ao cinema por Ken Russel, tornando-se a respectiva banda sonora, um êxito porventura superior ao disco original. 

Assim foi apenas em 1975 que ouvi pela primeira vez e na voz de outros artistas como Tina Turner ou Elton John canções como Pinball Wizzard, este um tema do disco que na versão original não tem a mesma força expressiva.

Ao mesmo tempo surgia no rádio de vez em quando a repetição de temas do disco original que tem outra estrutura musical e artística que actualmente me agrada muito mais do que a versão da banda sonora. 

O disco foi justamente considerado um dos melhores desse ano, em que saíram outros igualmente marcantes e fundamentais de tal tipo de música.

Basta olhar a capa da revista americana Guitar World de Junho de 1999:



 As fotos mostram Pete Townshend com umas "botas de deserto", originalmente da marca Clarks, em couro macio e crepe na sola, muito em moda na época e que por cá também eram apreciadas. Tanto que só descansei quanto arranjei umas parecidas. No caso, da Campeão Português e uma simples imitação porque o crepe original da sola era substituído por outro material mais sintético e plastificado do que a borracha do crepe. Enfim, pormenores de que agora me lembro. Ainda hoje tenho umas botas dessas, embora do modelo original e agora de marca italiana. 

Em 1971 surgira o disco Who´s Next que trazia alguns temas antológicos da música dos The Who, como sejam Baba O´Riley e principalmente Won´t get fooled again, ambos pequenas maravilhas da música rock

O disco teve sucesso na época e passados estes anos todos vai ser reeditado em várias versões, incluindo uma versão que deveria ser a original e tinha então o nome de Lifehouse, tendo sido substituída pelo disco editado e dando azo a mitos sobre a pretensa qualidade superior do mesmo que foram perdurando ao longo do tempo, por ser mais um dos discos perdidos da música rock, como por exemplo o Chrome Dreams de Neil Young, aliás também reeditado recentemente.

É um disco com uma capa original relativamente simples e graficamente pobre,  ao contrário da música, excelente e do melhor que o grupo jamais produziu. 

Em 1973, há quase 50 anos, em Outubro,  começou a ouvir-se nos rádios, insistentemente, um tema novo dos The Who, chamado 5:15. Lembra-me porque se assemelhava a Baba O´Reily, dois anos antes. 

O álbum Quadrophenia que incluía tal tema, já passava integralmente em alguns programas de rádio da noite, inseridos na programação do Espaço 3P do Rádio Clube Português. 

Era novamente um disco duplo, à semelhança de Tommy e tal como este, com um conceito geral, o dos "mods", uma moda jovem da época dos sessenta e totalmente composto por Pete Townshend. Desta vez, Tommy chama-se Jimmy e os problemas pessoais são mais comuns e menos bizarros, mas igualmente perturbadores. 

Parece-me um disco musicalmente mais interessante do que Tommy e que se ouve muito melhor que este, passadas as décadas. 

Curiosamente, este ano, por ocasião do 50º aniversário, o contemplado com reedição de luxo é afinal o disco de 1971...e não este que merecia outro relevo.

Dos três discos apontados é o que mais gosto de ouvir na integralidade.


terça-feira, setembro 19, 2023

Morreu Jacques Julliard

Jacques Juillard tinha 90 anos e morreu no passado dia 8 de Setembro. Era articulista principal na revista Marianne, desde 2010 e enfileirava na linha dos intelectuais franceses da estirpe de um Raymond Aron ou Jean-François Revel.

A revista desta semana faz naturalmente o seu obituário desenvolvido, assim:


 








Muitas vezes citei e coloquei aqui cópias dos seus editoriais, na Marianne, ao longo desta dúzia de anos passados. 

A escrita de Juillard denunciava frequentemente a esquerda que abandonara os assuntos da escola, da segurança, da nacionalidade, entre outros e por isso era apelidado por vezes de reaccionário, por essa mesma esquerda. 
Agradava-me ler o que escrevia principalmente por isso...e também porque se definia como "socialista religioso" que acreditava que não haveria terra para viver sem um céu para venerar.
Jacques Julliard era um esquerdista mas do género que aprecio, não sectário, não radical e que duvidava de si mesmo e que dizia sentir-se de esquerda mas não se reconhecer naquela que existe em França. Ou seja, alguém de esquerda que já não se identifica com tal linha e que rejeita de igual forma a direita que vai existindo.

segunda-feira, setembro 18, 2023

Venham mais cinco: há uma formiga no carreiro!

 O Cm de hoje publicou duas páginas, assinadas por Octávio Lopes,  para dar conta da saída de um disco, no final de 1973 que se tornou um dos mais importantes da música popular portuguesa. 

É de José Afonso e chama-se Venham mais cinco, saído em Novembro ou Dezembro de 1973 mesmo a tempo do Natal desse ano, porque era nessa altura que se poderiam vender mais exemplares, como prendas de sapatinho. 

José Afonso era um dos artistas que se opunha ao regime, então de Estado Social, de Marcello Caetano e fazia-o no quadro ideológico marxista, comunista, clandestinamente, tendo sido preso por isso durante alguns meses, digo alguns dias "que muito o marcaram".
A história resumida conta-se no livro biográfico de Joaquim Vieira, publicado há uns anos pela Círculo de Leitores:



Tal não o impediu de participar em Abril de 1973 num congresso da Oposição Democrática e então equacionar a possibilidade de apoio a uma "luta armada" à maneira dos terroristas do PRP-BR e apoiar os esquerdistas radicais que apareciam. 
José Afonso era já um ícone da esquerda utópica quando ocorreu o golpe militar em 1974 e por isso nem é de admirar que uma canção da sua autoria- Grândola, vila morena-  servisse de santo e senha para o arranque golpista. 
Não obstante, a música de José Afonso que poderia ter sido usada para o efeito, em vez dessa, era precisamente a do disco Venham mais cinco, que era o mais recente e era um disco de sucesso relativo, passando no rádio, com algumas restrições censórias. 
Lembro-me de ouvir ainda nesse ano um ou outro tema do disco, particularmente o título tema e A formiga no carreiro que achava ainda mais interessante musicalmente. 
Nesse ano saíra na mesma altura um single de Fernando Tordo, com o título singelo de O Café, com letra em parceria com José Carlos Ary dos Santos e que era uma música muito bem gravada e de sucesso radiofónico garantido pela passagem frequente. 
Aliás, em 1973 a música popular portuguesa estava muito bem representada por estes autores, todos na margem do que um dos esquerdistas militantes- João Paulo Guerra, radialista- denominou então de "nacional-cançonetismo".
Aqui estão alguns desses discos que para mim reunem o supra-sumo da música popular portuguesa de sempre, com destaque para o de Luiz Rego e o de Fausto. 


Musicalmente o single O Café, destacava-se pelo primor técnico da gravação, efectuada em Espanha, nos estúdios Audifilm, de Madrid e sob orientação musical de José Calvário. 
Na revista Cinéfilo, aparecida uns meses antes, em 3.1.1974 dava-se conta do disco de Tordo-Ary:



Para mim, na época, o tema foi um estrondo musical, uma inovação a que se seguiu a do disco de José Afonso, Venham mais cinco, este também gravado no estrangeiro, em Paris no estúdio Aquarium, em 16 pistas, durante o mês de Outubro de 1973. 
Ambos foram publicados em Portugal pela Arnaldo Trindade, do Porto. Quanto ao Venham mais cinco há  exemplares produzidos com o rótulo "Made in England" e outros com a inscrição "Made in Portugal". Escusado será dizer que prefiro os primeiros...

O Venham mais cinco, com o tema da Formiga no Carreiro, e a sua orquestração singular com harpa, quena e pandeiretas, era um sucesso para mim. Uma pequena maravilha sonora daquele tempo e que não perdeu uma nota só, no interesse musical e na qualidade sonora evidenciada pela gravação aprimorada para o tempo. 
O ano de 1974 afigurava-se promissor e não era apenas a música estrangeira, anglo-saxónica que merecia atenção radiofónica e dos ouvintes. Esses dois discos, para mim inauguraram uma época nova na mpp, associada aliás a música cantada em português, vinda do Brasil, com o primeiro lp dos Secos & Molhados e o single de Raul Seixas Ouro de Tolo

Por cá e na altura o disco de José Afonso mereceu referências elogiosas e nem tanto.

O jornal ( novo) Musicalíssimo, semanal e das poucas publicações musicais portuguesas dedicadas à música popular, aparecido em 1972, dedicou no número de 30.11.1973, um artigo ao disco:

( imagem tirada daqui)
 
A contrastar com esta crítica elogiosa, a R&T tinha uma escriba que agora é professora numa essas universidades que há em Lisboa. Teresa Botelho que então lia muito bem a imprensa estrangeira e escrevia de cátedra depois de saber o que diziam os críticos lá de fora, considerava que afinal o disco de José Afonso era assim a modos que equívoco e pouco claro nos desideratos líricos...
Já agora, veja-se os discos que a mesma recomenda em vez dos citados: todos esquerdistas, radicais e comunistas. Antes de 25 de Abril de 1974.



O disco de José Afonso é assim e quanto a mim, um marco importante no panorama musical português dos anos setenta, com um destaque particular para a qualidade sonora da gravação e também a apresentação gráfica da capa que nada ficava a dever aos melhores, vindos lá do estrangeiro. 




Merecia por isso outra atenção, para além do depoimento do cantor Vitorino, fonte principal da informação recolhida pelo artigo do CM de hoje. 
A imagem que figura no artigo nem sequer é a do disco original, tal como se mostra acima.

Quanto a José Afonso não é a primeira vez que é tema neste blog, nomeadamente por causa da história hilariante e triste de uma fruteira misteriosa e também a propósito das reedições dos discos.


quinta-feira, setembro 14, 2023

A Educação: soluções à vista!

 Na edição desta semana, a revista Marianne dedica algumas páginas ao problema escolar em França. 

Como os problemas são similares com os dos portugueses aqui fica uma proposta de jornalistas franceses para reformar o ensino como deve ser, segundo o que entendo.

Por cá, propostas destas, nem vê-las! E la nave va...









E até um professor, crítico do separatismo escolar entre pobres e ricos, avança propostas que por cá seriam consideradas inviáveis e até relegadas em anátema de escândalo, para o reaccionarismo do tempo do obscurantismo...


Tolerância zero nos estabelecimentos de ensino, através de regulamentos internos e estritos. Roupas decentes, proibição de portáteis, conselhos de disciplina à primeira transgressão, multiplicação de exercícios escritos, deveres para casa e repartição dos alunos em função do seu nível ( de conhecimento por supuesto).
Voilà! Não custa nada imitar e ver como dá. 

segunda-feira, setembro 11, 2023

Informação-de-formação sobre o Chile, 1973

 Faz hoje 50 anos que Salvador Allende morreu no Chile, na sequência de um golpe de Estado militar que instaurou um regime de ditadura militar que substituiu um regime que se queria socialista.

Allende tinha conquistado o poder presidencial através de eleições que à quarta vez lhe deram 36 por cento dos votos, com uma vantagem de pouco mais de um por cento sobre o directo opositor, o conservador Jorge Alessandri. 

Com esse apoio tentou tornar o Chile naquilo que em Portugal se tentou durante o PREC, nacionalizando indústrias, "imbuído de ideologia marxista" e com os "estandartes do fracasso", como o do "controlo da produção por parte da classe trabalhadora", tornando o país uma espécie de democracia popular que o golpe de 11 de Setembro de 1973 liquidou.

Durante o tempo do governo marxista de Allende os problemas económicos agravaram-se de tal modo que o golpe não foi uma grande surpresa, devido às contradições que se foram avolumando no interior do regime, com uma extrema-esquerda do M.I.R a pretender ir mais longe e a relativa moderação marxista de Allende a tentar conter os ânimos políticos mais exaltados, como aliás sucedeu cá, em Portugal, um ano depois. 

As notícias que se conheciam sobre o regime, na época eram veiculadas pelas agências noticiosas, como esta de 16.10.1972, do então cripto-comunista Diário de Lisboa:


A declaração de guerra não se explicava, a não ser no seu contexto político. Em 10 de Outubro de 1972, o mesmo jornal dava a notícia de um apoio a Allende e contra uma "multinacional" americana.  

Típico. Por cá, durante o Verão de 1974 inventaram-se conspirações da CIA e de companhias americanas para derrubarem o prec nascente.


E como se noticiou o golpe militar contra Allende? Assim, no Diário de Lisboa de 13.9.1973:


Seguido de outras notícias sobre o assunto, assim, em 27-9-1973:


No Diário Popular de 14.9.1973, o relato dos acontecimentos, assim:


E no dia 27.9.1973:


À míngua de imagens, comprei a Stern alemã, da semana a seguir, com uma foto de capa:


Ao camionistas em greve...nos dias anteriores. Faltou mostrar as mulheres chilenas a bater nas panelas em manifestação devido à escassez de produtos do maravilhoso sistema socialista...já em marcha acelerada para a miséria garantida a todos:



Em Portugal, porém, quem quisesse estar um pouco melhor informado, para além das notícias dos jornais esquerdistas, como o Diário de Lisboa e os sem posição definida, como o Diário Popular, tinha a Observador, por exemplo.

Em 21 de Setembro de 1973, logo a abrir com uma imagem de "uma manifestação feminista contra o governo socialista":




E o artigo no número da semana seguinte que explicava o que os jornais esquerdistas evitavam e evitam mencionar: bancarrota e o falhanço socialista habitual...


Esta perspectiva dos acontecimentos era acompanhada por depoimentos de pessoas que então olhavam a realidade com olhos diferentes dos que dirigem as madrassas do jornalismo, até hoje, como por exemplo este artigo, de 21.9.1973,  sobre Champalimaud, regressado a Portugal:


Por isso no número de 5.10.1973 a revista procurou informar um pouco mais:







E em 12 de Outubro dois artigos de opinião, um de António Lopes Ribeiro e outro de Raymond Arin, completavam o quadro para se entender melhor o que sucedeu no Chile, de 1970 a 1973...e que por cá os esquerdistas nunca explicam.









Por cá, passados 50 anos a informação que temos para explicar o golpe militar no Chile é esta, vinda no Público de hoje e proveniente do jornalismo das madrassas que orientam por aqui a "informação-de-formação". 

Repare-se na obscenidade da expressão "sonho popular" como se tudo no Chile da época fosse o mar-de-rosas do socialismo nascente e pujante de êxitos sociais e económicos, abafado pelo maléfico Pinochet, a mando das multinacionais ( ITT, por exemplo) e dos americanos da CIA ( até há pouco tempo era a versão corrente da História)...
Pergunto-me quem é este jornalista António Rodrigues que deve ter revisto a prosa como um dâmaso salcede fazia nos Maias...









Pinochet, o chefe da junta militar que governou depois o Chile mais de uma dúzia de anos, tentou acabar com esta mentalidade, usando métodos de terror, julgando que era assim que se combatia a mesma. 
Estava enganado, mas a seu crédito tem o facto de o extremismo que pretendeu exterminar, usaria métodos ainda piores para acabar com a mentalidade que se lhe opunha...
E por cá, só não medrou porque as circunstâncias eram outras e Portugal não era o Chile...senão, teríamos os otolos todos a mandar num manicómio que quase instauraram e muitos, como os jornalistas do Público, gostariam de repetir, porque sentem muitas saudados desse tempo de "sonhos populares", em que tudo era possível. Para uns tantos, claro está... 

ADITAMENTO:

O jornal francês Le 1, de 6 de Setembro também dá o seu contributo para o assunto do Chile, Allende e Pinochet.
De um modo semelhante ao do Público, apontando as maravilhas do tempo de Allende e os horrores do tempo de Pinochet, mais o malfadado neoliberalismo fatal que corrói os espíritos jornalísticos formados em madrassas de esquerda, neste caso vindos directamente de Maio de 1968, em França, actualmente com feudos seguros na social-democracia dos países ricos que têm empresas suficientes para sustentar o Estado social...

É assim:







Como se pode ler na entrevista ao cineasta (?) que acompanhou os últimos momentos de Salvador Allende, a nostalgia do passado do governo da Unidade Popular é grande e a inteligência para compreender o que se passou ficou no passado, uma vez que nem entende a razão pela qual os chilenos da actualidade rejeitaram uma constituição mais "progressista", deixando como está a que Pinochet fez aprovar. 
Por outro lado, os lamentos tipicamente esquerdistas do cientista político, da estirpe de um prof. Buonaventura, Damien Larrouqué também mostram que nada esqueceram e pouco aprenderam. O neo-liberalismo, essencialmente definido como um sistema de controlo orçamental rígido, grande liberdade económica privada e intervenção mínima do Estado, é o mal a combater. Preferivelmente através de uma neo-marxização da economia, precisamente o que conduziu ao golpe militar de 1973. 
As dificuldades populares da época, no abastecimento de produtos alimentares replicavam afinal o que acontecia nos países de Leste, motivo principal para a respectiva derrocada do comunismo. Pois nem assim aprendem a lição! 
E por isso escondem tais razões ou justificam-nas com a ladainha habitual da sabotagem económica de empresários privados que julgam estarem sempre imbuídos do espírito maléfico de se apoderarem das sagradas mais-valias que pertencem aos trabalhadores. 
Como se os trabalhadores tivessem trabalho...sem que houvesse empresas bem geridas! Como se os trabalhadores fossem uma classe autónoma e independente das empresas que produzem riqueza! Como se os trabalhadores fossem heróis populares perante os carrascos que exploram recursos económicos segundo os princípios da livre iniciativa privada e riscos inerentes. 
O marxismo continua vivo e actuante, neste caso no Le 1 e no jornalismo em geral. Seja sob a forma de leninismo; seja sob o mais suave trostkismo. PCP ou BE, conforme também temos por cá e fez sempre grande escola nas madrassas de comunicação social...

Num dos jornais acima mostrados, o DL de 27.9.1973 aparece uma publicidade à Escola Superior de Meios de Comunicação Social, solicitando candidatos à frequência de cursos de jornalismo e que já ia na terceira fornada. Exigências curriculares: 7º ano do liceu; aulas à noite, durante três anos. E apareciam os dr.s da mula russa do jornalismo. 
Há por aí às dúzias! A dar opinião e a vender prosápia marxista, claro.