Carlos Alexandre já manifestou em privado a ideia de que, num cenário desses, a sua opção seria bater com a porta. A hipótese de o Conselho Superior de Magistratura (CSM) nomear um segundo juiz para o Ticão está a ser encarada pelo único titular do tribunal como uma tentativa de condicionarem a sua capacidade de acção, uma vez que essa nomeação nunca foi requisitada por si nem considerada necessária."
O juiz Carlos Alexandre ganhou notoriedade nos últimos meses, por motivos óbvios: tem a seu cargo, em virtude de funções que exerce num tribunal de instrução criminal central e ocupado com processos de importância mediática como o Portucale, Universidade Independente, BPN, Submarinos, Furacão, Freeport.
Processos transversais a toda a classe política portuguesa e cujos factos em investigação no outro organismo central- o DCIAP- passam pelo tribunal de instrução, por causa da lei processual que temos. O DCIAP é dirigido por Cândida de Almeida, ( durante mais três anos, pelo menos) e nenhum processo do juiz Carlos Alexandre, evita a investigação desse departamento do MP. O juiz de instrução, intervém, nos termos da lei, nesses processos dirigidos pelo MP, neste caso, pelo departamento de Cândida de Almeida.
O juiz Carlos Alexandre, não é apenas o "juiz das garantias" nesses casos, porque é também o juiz que determina, em sede de instrução, quem deve ser submetido a julgamento, em função da existência de indícios suficientes para tal, coforme a lei prevê.
O TCIC foi criado há menos de dez anos para prover a necessidades práticas de funcionamento célere e competente, da justiça. A ideia básica foi a de criar um local e um tribunal específico, especializado, para os casos complexos e cuja lógica tinha já determinado a criação do DCIAP, no MP.
Não obstante, é necessário ententer que a instrução de processos, com fase processual, foi considerada pelo legislador ( Figueiredo Dias à cabeça) como residual e excepcional, pois que o lugar de relevo e a ênfase legislativa foi colocada na fase de julgamento.
No início do CPP de 1987, a instrução era encarada como mera circunstância de apreciação extraordinária de excrescências processuais e julgava-se que teria pouco relevo em quantidade ou qualidade.
Enganaram-se os que assim pensaram e legislaram, porque depressa se descobriu que o Direito permite as "aldrabices" do costume através das interpretações mais arrevezadas a que muitos dão acolhimento e por isso, a instrução passou a fase processual de relevo inusitado para entalados excelentíssimos que assim procuraram escapar ao julgamento vexatório. O caso mais exemplar é o do sangue contaminado, em que foi arguida Leonor Beleza. Sempre mostrou disposição para ser julgada e sempre tudo fez para o não ser, até que chegou ao T.Constitucional ( o que Figueiredo Dias nunca imaginou, pela certa) e o juiz Bravo Serra, que se apresta a concorrer ao CSM, relatou um acórdão ( colectivo e com dois votos de vencido) que a livrou de julgamento, declarando a prescrição processual.
Neste ambiente, apareceu o TCIC e o juiz Carlos Alexandre foi o seu titular. E está sozinho. E não tem nada atrasado. E é trabalhador, competente, esforçado, nada podendo apontar-se-lhe profissionalmente. Não reivindica companhia ou auxiliares por causa do trabalho e não se mostra agastado psicologicamente com o mesmo.
Mas...de há uns meses a esta parte, Carlos Alexandre tem sido apontado nos media como " o
juiz mais poderoso", o
"juiz que manda nos processos mais importantes do país " e coisas do mesmo jaez, saido de intervenções televisivas do tipo que Ricardo Costa, da SIC , gosta de assumir como exemplo jornalístico.
Estes apartes ocasionais e intervenções "oportunas" e de grande relevo mediático, ajudaram a construir um perfil individualizado para o "superjuiz", como o apelidam no Expresso e na SIC, com influência do tal Ricardo Costa, um personagem cuja cretinice assume foros de susto, por vezes, mas cujo objectivo se torna cada vez mais claro e evidente.
É por isso que surgem perfis do género
deste, elaborado na Sábado. É por isso que Carlos Alexandre, na condição de juiz, mesmo sem o poder ser, aceitou dar uma entrevista ao
Correio da Manhã, recentemente e já aqui relatada, por altura de o terem considerado " a figura do ano". Uma entrevista com quase nada de relevante, a não ser a projecção do relevo do
superjuiz, com um efeito óbvio - a alimentação da curiosidade- e outro escondido e eventualmente involuntário- a criação do clima de descrédito, associado à mentalidade nacional de destruir depois de levantar o pedestal.
E agora, aparece isto. Isto é a notícia do Expresso de Ricardo Costa, com ressumância a outras mais breves, já lançadas anteriormente.
A essência da manobra é simples de explicar: o juiz Carlos Alexandre é agora, um real "protagonista", um dos pecados capitais que a corporação entende como irremissível. Só por isso se explica a incompreensível e surpreendente atitude de alguns pares. Nada mais se lhe aponta e nem isso se aponta, porque o problema parece residir numa circunstância que nunca incomodou: ser o único juiz do TCIC. Talvez o incómodo, para alguns pares, resulte da circunstância de o
superjuiz, dizer não às polícias e MP, mas em sentido contrário ao pretendido: agravar a condição dos arguidos, já protegidos generosamente por uma caterva de direitos, liberdades e garantias gizados para a imunidade prática.
Perante tal ofensa ao estatuto, cimentada em certas decisões pontuais de exercício de direitos, liberdades e garantias, relativamente a alguns arguidos, cujo teor não afiança muita tranquilidade em determinadas superestruturas, o juiz Carlos Alexandre, passou muito simplesmente de
superjuiz a juiz a abater ou mesmo a
überjuiz. E rapidamente, que o tempo processual urge.
E como se vai resolver um problema tão sério que contende com um princípio ainda mais sério e fundamental como é o da inamovibilidade dos juízes, como garantia das pessoas em geral e princípio fundamental da democracia e independência do poder judicial?
Bem, se não se pode mudar o juiz, mudam-se as regras para obter o efeito desejado: subtrair ao juiz natural o que naturalmente não pode ser decidido por ele...
E vai daí, afigura-se já como provável a alteração da lei orgânica do TCIC, da lei de funcionamento dos tribunais e coisas que tais. Tal como se fazia no tempo da ditadura salazarista, sem tirar nem pôr, a não ser uns deputados eleitos em listas partidárias.
Não pode haver outra leitura das notícias que o Expresso ressuma este fim de semana.
Se não, vejamos como o problema é encarado no seio do CSM, onde ponderam administrativamente os conselheiros que gerem as carreiras dos juizes que paradoxalmente se querem independentes e inamovíveis, para garantia geral: Ferreira Girão, vice, disse ao Expresso que "
a alteração da lei orgânica dependerá inevitavelmente de uma aprovação pelo Parlamento".
Já vamos aqui... e o presidente, Noronha Nascimento, cujo despacho de arquivamento no expediente das escutas no Face Oculta, ainda não foi devidamente esclarecido, quanto ao valor real e jurídico, já disse nada ter a responder aos costumes.
Ora, tal é facílimo de resolver: basta que as "forças vivas", entaladas, e ainda as de clube secreto, dêem o devido assentimento senão mesmo as instruções.
E como é que isso se faz, afinal?
O próprio Girão dá a instrução: (...)
"por exemplo, por uma discussão pública nos órgãos de comunicação social".Já começou.