"Esse juiz perdeu a credibilidade para julgar"- Cândido.
"Se juiz for punido não é por ter atirado uma criança para a desgraça mas sim porque falou"- Marta.
" Que mal fez a menina para merecer tal cruz?" - Isabel Costa.
"A lei tem de mudar. As crianças têm direito à sua vontade! Inclusive a defenderem-se de juizes incompetentes".- Inês Pereira.
" O juiz deve pedir desculpas publicamente a Alexandra". Maria
"Espero que este juiz tenha um castigo exemplar". - João Abreu.
Todos estes comentários ressumam a indignação pela decisão " do juiz", no sentido de devolver uma filha à sua mãe. Todos denotam um conhecimento dos factos suficiente para afirmações definitivas acerca da indignidade dessa mãe em ter a filha à sua guarda. Todos entendem a decisão judicial de entrega como errada e responsabilizadora de quem a tomou.
Porque é que isto acontece? Simples, a meu ver: a manipulação mediática, neste como noutros casos, foi quase total. Nem mesmo com as declarações públicas do juiz desembargador, terminou, o que deveria ser motivo de séria reflexão, para os magistrados que decidam falar e explicar as decisões. Já tinha acontecido tal coisa, num caso que passou no STJ e envolveu o Conselheiro Artur Costa. As suas declarações indignadas, em vez de esclarecerem, contribuiram para mais ruído e desentendimento.
Como é que os media manipulam a opinião pública, em casos semelhantes? De vários modos e nem todos eles dolosos, digamos assim.
A notícia, aparentemente chocante, chega a uma redacção, vinda dos modos mais esquisitos, incluindo o método Freeport, tipo cozinhado, no dizer de Marinho Pinto.
Neste caso da Alexandra, seria preciso saber quem a fez chegar à primeira redacção e ao primeiro jornalista que a publicou. Saber quem lha enviou e quem a apresentou. Foi da parte da "família idónea"? Saber se houve o cuidado da análise profissional e temperada com os enso comum sobre o interesse de quem comunica. Saber , por isso, quem a tomou em conta, peso e medida e redigiu a primeira notícia e em que termos o fez.
Toda a manipulação jornalística, parte daqui, deste primeiro fenómeno: o de quem redige a primeira notícia sobre o assunto e o destaque que lhe dá.
Se o caso se apresentar suficientemente chocante, o que é garantido sempre que envolve crianças, então pode esperar-se o efeito de repetição, de ondulação, de réplica mediática. A TSF pega no assunto e começa todos os noticiários com o caso, durante umas horas; a Antena Um replica o efeito e amplifica a audiência e à noite a SIC ou a TVI mostram imagens e convidam comentadores, aliás sempre os mesmos e com tendências de uniformização de opinião.
Nessa altura, já a notícia foi comentada por dezenas, centenas, possivelmente milhares de internautas que escrevem comentários "on-line" do tipo dos apresentados.
Está feito um caso mediático e consoante a sua expansão no interesse público, assim se transformará ou não em telenovela sintética e reality show de prime time, para usar termos estrangeiros e bem conhecidos dos operadores mediáticos.
O que falha neste fenómeno? O essencial, falha quase sempre: o panorama completo do assunto e caso real apresentado. Normalmente, apresenta-se uma versão do facto. Ou a do ofendido, ou a dos prejudicados, ou a da polícia ou a de interesses turvos, nem sempre identificados. Raramente, para não dizer nunca, é apresentada a versão dos factos, completa e abrangendo as diversas partes e lados do problema social ou pessoal transposto mediaticamente.
O resultado disto é fácil de entender: populismo rompante, desinformação, má opinião pública, igronância replicada e repetição de um atavismo que nos atrai: o atraso civilizacional endémico.Jornalismo de sarjeta, como diria um certo pigmeu político.
No caso concreto da Alexandra, ficam por explicar as razões da mãe ou família materna da Alexandra do modo que estas saberiam explicar; ficam por explicar os modos como estes processos surgem nos tribunais ou na Segurança Social, quem lida com eles, o modo como lidam e resolvem os problemas; as exactas tramitações processuais e responsabilidades institucionais dos intervenientes e o modo como se decidem, os prazos para o efeito e toda uma plétora de saberes e conhecimentos que são e foram cilindrados, para apresentar uma verdade jornalística tomada como indiscutível: a menor devia ter ficado com a "família afectiva".
Por que sucede tudo isto, nos jornais ( e repito que só o i, foi um pouco mais longe nos critérios jornalísticos de qualidade estatutária e profissional) ?
Porque também a ignorância dos jornalistas é elevadíssima e reajem como se fosse o povo comentador on-line: julgam pelas aparências e não descolam da versão que lhes impingiram ou entendem ser a mais certa. Cegos de razões, guiam depois outros cegos de entendimentos.
O facto de o jornal Correio da Manhã ter dado destaque, na edição de hoje, a essa meia dúzia de comentários, diz tudo dos critérios jornalísticos da direcção do jornal e da pobreza profissional que os orienta.
Por outro lado, ninguém lhes denuncia publicamente essa incompetência, porque os media são eles e nenhum dos outros cospe na sopa que pode vir a ter de comer.
Por isso, "o juiz" é o culpado, mesmo que não se saiba bem se foi um juiz ou vários a decidir; se houve um processo em que esse juiz "só viu papéis" ou se poderia ter visto e ouvido as pessoas concretas do processo em causa. A facilidade de explicação e o bode expiatório ideal, fazem o resto, ao dar largas às frustrações por causa de famigerada "crise na justiça".
Neste jornalismo de equívocos em que avulta a necessidade de vender jornais para fugir à crise, vale quase tudo o que sirva para desacreditar certas instituições que não se compreendem e uma mãe cheia de comentadores encartados na má-língua politicamente correcta encomendam diária, semanal ou mensalmente nesses media: a desinformação e manipulação noticiosa erigida em valor supremo do jornalismo nacional.