Na revista InVerbis, um artigo de Miguel Real, advogado ,sobre os problemas reais relativos às aldrabices dos que nos governam, denota um sentimento de revolta que atinge quem se sente enganado pelo poder político, ao mesmo tempo que descobre que os sacrifícios não só não são para todos, como parece que descobriram os alvos preferenciais para castigar certos indivíduos que são, em número, muito menos que os apaniguados que este Governo indica para as empresas e institutos públicos que controla e cujos rendimentos vão de vento em popa.
É esse sentimento difuso que vai ganhando corpo à medida que se tornam conhecidas certas medidas orçamentais e não só. Alguém vai ter de explicar este assalto ao bolso da classe média e não é com explicações tipo "o orçamento mais importante dos últimos vinte e cinco anos" que vamos lá. Vai ser preciso muito mais para parar a revolta nascente.
É ler:
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Uma visita ao portal base-contratos online abre-nos os olhos para um espetáculo dantesco de administração danosa. Desde os ministérios às câmaras municipais, passando pelos institutos públicos são milhões gastos em despesas sumptuárias que poderiam evitar-se, a benefício da saúde financeira do país. Muitas delas reportam-se a áreas de intervenção claramente fora do quadro de competências das instituições. Outras parecem esquecer – ou menorizar – o papel dos funcionários da própria administração, marginalizados por contratações de serviços, pagas por valores principescos.
Antigamente, as grandes questões jurídicas do Estado eram estudadas e vertidas em pareceres pelo corpo de auditores públicos ou pelos juristas da Procuradoria Geral da República. Hoje são tratadas, sem que se saiba se com a mesma dignidade ou não, porque os pareceres deixaram de ser públicos, por firmas de advogados que faturam milhões, geralmente contratadas por ajuste direto. Pode verificá-lo na base, consultando, por exemplo advogados, assistência jurídica, apoio jurídico, serviços jurídicos. A falta de regras de classificação, não permite sequer ter uma ideia de conjunto de cada classe de serviços, o que não nos parece ser inocente.
Se se ligarem as instituições às pessoas, constata-se que estes negócios são, por regra, feitos com empresas de que são sócios ou políticos ou ex-políticos, em que pauta, com peso muito especial oProf. Sérvulo Correia, antigo deputado do PSD.
O que se passa na área da Justiça é um escândalo, pela exorbitância dos desperdícios, dos valores pagos e da duplicação de encomendas. Vejam-se, só a titulo de exemplo as pesquisas relativas em nome do próprio Ministério e as relativas ao Instituto dos Registos e do Notariado, que aparece também como IRN ou do Instituto para as Tecnologias da Justiça, que tem outra lista sob a sigla ITIJ.
O que se vê nesta base de dados é uma complexa teia de interesses, em que se jogam milhões e milhões de euros em aquisições de bens e serviços por valores principescos, muito superiores aos correntes no mercado, porque a generalidade destas contratações foram operadas por ajuste direto.
Esta situação exigiria uma cuidadosa auditoria para a verificação da sua (i)razoabilidade, que, obviamente, ninguém tem condições para fazer. Ficarmos todos parados é, porém, atitude semelhante à da não reação perante o carteirista que nos rouba no metro e foge…
Todos temos o direito de conhecer os documentos contratuais e os que se reportam aos seus resultados. É altura de o exercermos.
Para além disso, todos temos o direito de denunciar ao Ministério Público todos os atos que indiciem administração danosa, nos termos do disposto no artº 235º do Código Penal, onde se dispõe que «quem, infringindo intencionalmente normas de controlo ou regras económicas de uma gestão racional, provocar dano patrimonial importante em unidade económica do setor público ou cooperativo é punido com pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias. »
Mais do que as pessoas, é altura de as empresas lesadas pela perturbação da concorrência recorrerem aos tribunais para exigir a punição criminal de quem, por via de esquemas de favorecimento, beneficia os seus concorrentes, adquirindo-lhes bens ou serviços por preços que ofendem todas as regras da gestão racional.
É que a continuação destas práticas põe em causa a nossa própria sobrevivência.
Miguel Reis (Advogado) | Lawrei Newsletter | 16.10.2010"