
Este artigo colunoso de Henrique Raposo no Expresso de ontem, seria uma pequena infâmia se não denotasse apenas uma palermice. O resumo da tese colunista é simples: o Ministério Público é quem manda no regime político português.
Vai a ler-se o porquê e saltam da toca argumentos deste novo Teodorico, aparentando-se à personagem de Eça na Relíquia. Também este Raposo, sem perceber o mundo próximo que o rodeia, atira para o que lhe parece ser óbvio, concluindo que “ a nossa democracia está hipotecada e quem contola a hipoteca é um conjunto de procuradores que domina o espaço público através das fugas de informação.” ( sic).
Ainda mais : “ a nebulosa composta por procuradores que não prestam contas a ninguém conseguiu o que pretendia: através do caso Freeport , o MP está a dominar, de forma silenciosa, a atmosfera política; a campanha eleitoral está a ser conduzida dentro dos limites impostos pelo MP.”
Portanto, a tese Raposo é essa- a de a democracia estar hipotecada ao MP por causa das fugas de informação.
Passando por cima a infâmia do "não prestam contas a ninguém" , apetece ainda acrescentar que não são os factos que lhe interessam; não são os protagonistas de relevo quem o incomodam; não são os entraves que se apresentam que o perturbam nem são as desinformações e dificuldades objectivas que o indignam. Nada disso. O que incomoda o Raposo são as “fugas de informação”, no caso particular, do Freeport.
Para não ir mais além neste retrato objectivo de uma república de palermas que o Raposo nos oferece de bandeja colunista, poderia perguntar-se a estoutro Teodorico quem será a tia que lhe encomenda este sermão e porque razão lhe oferece esta prenda. Contudo, não seria suficiente, a resposta, por uma razão prosaica que não almeja: as fugas de informação só valem se forem publicadas. E a publicação depende de outra república: a dos vários raposões que abundam na praça dos media que furam a lei do sigilo processual, sem medo ou sanção. Depois, o Raposo nem se interessa muito em saber de onde virão exactamente as informações em fuga. Estando no processo, só podem vir de quem o dirige, parece-lhe, sem querer saber quem e quantos têm acesso efectivo à informação. Isso nada lhe interessa, aparentemente, porque desvirtuaria a sua tese exposta.
Portanto, quem começou o caso Freeport nos jornais? Quem o lançou para a praça pública e o alimentou a conta-gotas? Foram os vários raposões dos media, não foi o MP certamente.
Quem publicou a primeira notícia sobre o Freeport e com informação de quem, afinal?
Relembremos a este novo Raposão: foi o semanário Sol, num fim de semana de Janeiro de 2009 e só dizia que havia um ex-ministro de Guterres que era suspeito de ter recebido luvas no caso Freeport. Depois, foi o que se soube e os demais raposões publicaram. O MP, nisto, onde pára? No DCIAP de Cândida de Almeida? Só mesmo um Raposo para acreditar.
Se alguma coisa houve, para indemonstrar a putativa hipoteca, foi precisamente a de se iluminar , pela negativa, quem detém verdadeiramente os cordelinhos do poder em Portugal e toda a gente já percebeu isso, menos o Raposão do Expresso.
A hipoteca da república está dependente de quem, afinal? Da ( des) informação. Qualquer verdadeiro Raposão o sabe de ginjeira. É essa república que devora bananas, ananazes e gambuzinos que tem um controlo mitigado da hipoteca. Como outros têm e devem ter. O Raposo, pelos vistos, não entende assim e pode por isso perguntar-se se pretende que a única legitimidade venha apenas dos votos. Será assim? Se for, é uma visão curta da democracia. Uma visão de toca escura.
Em Itália, no início dos anos noventa, a operação ManiPulite destapou o esquema generalizado de corrupção política, através da mostra ao público das ligações entre políticos, negócios e até mafiosos.
A partir de determinada altura a onda de corrupção e os tentáculos dos vários polvos que nela se acoitavam eram tão extensos que os magistrados encarregados não tinham mãos a medir. Por isso foram difamados, vilipendiados e tal como agora por cá e aqui, alvo de infâmias. Também na Itália se falou amplamente de uma república de juizes e a expressão frutificou entre os políticos com medo de ceder quota de poder que pretendem exclusivo.
Mas a infâmia, na Itália, não partia geralmente dos colunosos da imprensa. Estes apoiavam a tal república nascente, por causa dos efeitos da que tinham. Os ataques partiam por issso, dos implicados e envolvidos...
Daí a perplexidade que estes raposões provocam sempre que escrevem a citar exemplos alheios totalmente despropositados, ainda por cima. Estranho. Mais estranho ainda quando é notório que denunciando uma putativa república de magistrados, sempre com o exemplo italiano mal estudado e pior digerido, o que acabam mesmo por mostrar é a república de palermas em que nos querem transformar.
Resta saber se de propósito ou por simples estupidez.