O que se procura saber com uma investigação criminal?
Recolher um "corpo de delito" que é a reconstituição de um crime e a investigação da sua autoria com o estudo objectivo dos seus indícios e vestígios.
Como se escrevia dantes, qualquer actuação acarreta ao mundo exterior uma alteração peculiar de modo que ao ser analisada se torna visível a determinação da sua origem.
Para isso, faz-se a investigação que visa recompor em termos de visibilidade comum, o facto ocorrido e determinar a sua autoria.
Nem todos os crimes deixam vestígios susceptíveis de exame, mas na generalidade da criminalidade económico-financeira, como sejam os casos de corrupção, peculato, com falsificação ou através de outros crimes paralelos, como o abuso de poder ou a participação económica num negócio, os vestígios não desaparecem facilmente.
Importa é que haja alguém que os procure e tudo faça para os encontrar, respeitando a legalidade existente.
Neste tipo de crimes tornam-se importantes as recolhas de documentos existentes, em lugares conhecidos ou escondidos, assim como depoimentos de envolvidos que possam tornar-se esclarecedores em relação a eventuais indícios.
Assume particular importância nestes casos, a realização de buscas para descoberta e apreensão de documentos e provas indiciárias.
Para que tudo isso suceda com êxito finalístico de descoberta da autoria do crime e só dessa autoria, existem as regras do processo penal que estabelecem limites e balizas de actuação segundo princípios que decorrem de valores socialmente relevantes.
O direito à privacidade de cada um, impede a devassa sem regras dos espaços particulares e reservados bem como a verificação de papéis e objectos que não se tornem estritamente necessários à descoberta da verdade escondida.
As regras para se realizarem buscas domiciliárias e de outra ordem estão bem definidas e explicadas processualmente e tornam-se evidentemente um estorvo para uma Justiça célere e sumária porque carecem de autorizações variadas, policiais ou mesmo jurisdicionais depois de fundamentadas por quem as requer, mas não há alternativa numa sociedade que se quer respeitadora de liberdades fundamentais do indivíduo.
Do mesmo modo, a realização das buscas com a apreensão de papéis ou objectos torna-se importantíssima porque permitirá recolher esses elementos de prova se eles existirem e impossibilitará a sua ocultação, consequência mais que certa se não forem realizadas.
Os erros e cometidos nesta fase, no timing, na oportunidade de realização da diligência,na determinação dos locais e tempos de actuação tornam-se fulcrais para comprometer o sucesso do objectivo principal: a descoberta da verdade do crime e da sua autoria.
Tão importante como a oportunidade e acção de busca e apreensão é a validação dos documentos relevantes. Nem todos os documentos podem ser usados como prova e nem todos precisam de o ser.
Para tal, uma vez que a realização de tais diligências se afigura essencial , em boa parte dos casos de criminalidade económico-financeira, torna-se também importante saber onde as levar a efeito e quando, com que meios e com que finalidade bem definida e táctica a usar.
Para isso, pode concorrer outro instrumento de realização processual: as escutas do suspeito, através de telefonemas que faça ou receba, directamente. Saber a vida do suspeito e ligar factos conhecidos a outros que se podem presumir, inferir ou mesmo abduzir, torna-se essencial para o investigador.
Como deverá o mesmo actuar nos casos concretos? Através da análise dos vestígios do acto criminoso, em primeiro lugar.
Quais são os vestígios correntes nos crimes económico-financeiros? Pode ser a riqueza aparente dos suspeitos, aquela que não é compatível com os rendimentos conhecidos e declarados e pode ser determinada actuação particular que suscita reservas de credibilidade quanto à seriedade e honestidade. Como também pode ser a imputação concreta de factos apontados por conhecedores, geralmente anónimos, familiares, (ex)amigos e adversarios ou mesmo inimigos.
No caso dos políticos que nascem sem berço de ouro e passam de repente a uma estranha e fabulosa condição de pequenos midas, a circunstância é passível de levantar todas as suspeitas legítimas porque os ditados populares revelam sempre sabedorias ancestrais e quando se diz que quem cabritos vende e cabras não tem, por isso de algum lado lhe vêm, isso deve ser levado a sério como suspeita.
Portanto, qual o papel do investigador criminal perante uma suspeita escrita e minimamente fundamentada em denúncia particular com factos precisos e concretos que se tornam necessário reconstituir? Deve actuar com o máximo de cuidado e cautelas e formalmente tem de seguir as regras do código de processo penal e as estatutárias que lhe determinam as balizas da sua própria actuação institucional.
O que faz um investigador criminal quando recebe uma participação, mesmo anónima, relativa a factos que envolvem políticos no activo ou na reserva e que digam respeito a alterações dos seus deveres de isenção, imparcialidade e gestão de coisas públicas que impliquem apropriação indevida de dinheiro ou bens a que não tenham direito?
Tem o dever de analisar o escrito e ponderar uma actuação concreta e tempestiva. Normalmente as denúncias por este tipo de malfeitorias são apresentadas de modo anónimo e referem-se a factos ocorridos meses ou anos antes da participação.
O que deve fazer um investigador nesses casos? Ponderar uma estratégia de actuação, planeando um método de actuação concreto.
Para chegar aí, o investigador já parte com um parti-pris: a suspeita sobre o visado é sempre um factor a ponderar e isso condiciona logo um qualquer investigador que deve partir do princípio que uma coisa dessas pode ser ou não ser. Não na acepção shakespeareana, mas numa prosaica ponderação sobre motivações das denúncias e plausibilidade dos acontecimentos. É esse o fiel da isenção do investigador: colocar a hipótese de algo poder ser e poder não ser e situar-se no plano do detective que pretende investigar o facto.
Até que ponto deve permanecer esta dúvida metódica e de bom senso? Até ao ponto em que seja possível determinar se o facto ocorreu ou não ou pelo menos até ao ponto em que a convicção íntima do investigador, baseada em factos que conhece lhe permitam julgar desse modo, assim o consentir.
Ainda assim, não basta, como é natural, que o investigador esteja convencido da ocorrência de um facto, para que o mesmo seja reconhecido como tal por outra pessoa qualquer e muito menos pelas instâncias formais de controlo e julgamento.
A demonstração da ocorrência de um facto pode fazer-se através de vários métodos que todos utilizamos sempre que pretendemos provar um acontecimento: mostrar provas plausíveis, que todos aceitem como válidas. Mais difícil ou impossível, por vezes, se torna provar um não acontecimento...
Com uma circunstância importante: as provas admissíveis e reconhecidas em processo penal, não são as mesmas que usamos na vida corrente para comprovar perante terceiros os factos que relatamos.
(continua)
Recolher um "corpo de delito" que é a reconstituição de um crime e a investigação da sua autoria com o estudo objectivo dos seus indícios e vestígios.
Como se escrevia dantes, qualquer actuação acarreta ao mundo exterior uma alteração peculiar de modo que ao ser analisada se torna visível a determinação da sua origem.
Para isso, faz-se a investigação que visa recompor em termos de visibilidade comum, o facto ocorrido e determinar a sua autoria.
Nem todos os crimes deixam vestígios susceptíveis de exame, mas na generalidade da criminalidade económico-financeira, como sejam os casos de corrupção, peculato, com falsificação ou através de outros crimes paralelos, como o abuso de poder ou a participação económica num negócio, os vestígios não desaparecem facilmente.
Importa é que haja alguém que os procure e tudo faça para os encontrar, respeitando a legalidade existente.
Neste tipo de crimes tornam-se importantes as recolhas de documentos existentes, em lugares conhecidos ou escondidos, assim como depoimentos de envolvidos que possam tornar-se esclarecedores em relação a eventuais indícios.
Assume particular importância nestes casos, a realização de buscas para descoberta e apreensão de documentos e provas indiciárias.
Para que tudo isso suceda com êxito finalístico de descoberta da autoria do crime e só dessa autoria, existem as regras do processo penal que estabelecem limites e balizas de actuação segundo princípios que decorrem de valores socialmente relevantes.
O direito à privacidade de cada um, impede a devassa sem regras dos espaços particulares e reservados bem como a verificação de papéis e objectos que não se tornem estritamente necessários à descoberta da verdade escondida.
As regras para se realizarem buscas domiciliárias e de outra ordem estão bem definidas e explicadas processualmente e tornam-se evidentemente um estorvo para uma Justiça célere e sumária porque carecem de autorizações variadas, policiais ou mesmo jurisdicionais depois de fundamentadas por quem as requer, mas não há alternativa numa sociedade que se quer respeitadora de liberdades fundamentais do indivíduo.
Do mesmo modo, a realização das buscas com a apreensão de papéis ou objectos torna-se importantíssima porque permitirá recolher esses elementos de prova se eles existirem e impossibilitará a sua ocultação, consequência mais que certa se não forem realizadas.
Os erros e cometidos nesta fase, no timing, na oportunidade de realização da diligência,na determinação dos locais e tempos de actuação tornam-se fulcrais para comprometer o sucesso do objectivo principal: a descoberta da verdade do crime e da sua autoria.
Tão importante como a oportunidade e acção de busca e apreensão é a validação dos documentos relevantes. Nem todos os documentos podem ser usados como prova e nem todos precisam de o ser.
Para tal, uma vez que a realização de tais diligências se afigura essencial , em boa parte dos casos de criminalidade económico-financeira, torna-se também importante saber onde as levar a efeito e quando, com que meios e com que finalidade bem definida e táctica a usar.
Para isso, pode concorrer outro instrumento de realização processual: as escutas do suspeito, através de telefonemas que faça ou receba, directamente. Saber a vida do suspeito e ligar factos conhecidos a outros que se podem presumir, inferir ou mesmo abduzir, torna-se essencial para o investigador.
Como deverá o mesmo actuar nos casos concretos? Através da análise dos vestígios do acto criminoso, em primeiro lugar.
Quais são os vestígios correntes nos crimes económico-financeiros? Pode ser a riqueza aparente dos suspeitos, aquela que não é compatível com os rendimentos conhecidos e declarados e pode ser determinada actuação particular que suscita reservas de credibilidade quanto à seriedade e honestidade. Como também pode ser a imputação concreta de factos apontados por conhecedores, geralmente anónimos, familiares, (ex)amigos e adversarios ou mesmo inimigos.
No caso dos políticos que nascem sem berço de ouro e passam de repente a uma estranha e fabulosa condição de pequenos midas, a circunstância é passível de levantar todas as suspeitas legítimas porque os ditados populares revelam sempre sabedorias ancestrais e quando se diz que quem cabritos vende e cabras não tem, por isso de algum lado lhe vêm, isso deve ser levado a sério como suspeita.
Portanto, qual o papel do investigador criminal perante uma suspeita escrita e minimamente fundamentada em denúncia particular com factos precisos e concretos que se tornam necessário reconstituir? Deve actuar com o máximo de cuidado e cautelas e formalmente tem de seguir as regras do código de processo penal e as estatutárias que lhe determinam as balizas da sua própria actuação institucional.
O que faz um investigador criminal quando recebe uma participação, mesmo anónima, relativa a factos que envolvem políticos no activo ou na reserva e que digam respeito a alterações dos seus deveres de isenção, imparcialidade e gestão de coisas públicas que impliquem apropriação indevida de dinheiro ou bens a que não tenham direito?
Tem o dever de analisar o escrito e ponderar uma actuação concreta e tempestiva. Normalmente as denúncias por este tipo de malfeitorias são apresentadas de modo anónimo e referem-se a factos ocorridos meses ou anos antes da participação.
O que deve fazer um investigador nesses casos? Ponderar uma estratégia de actuação, planeando um método de actuação concreto.
Para chegar aí, o investigador já parte com um parti-pris: a suspeita sobre o visado é sempre um factor a ponderar e isso condiciona logo um qualquer investigador que deve partir do princípio que uma coisa dessas pode ser ou não ser. Não na acepção shakespeareana, mas numa prosaica ponderação sobre motivações das denúncias e plausibilidade dos acontecimentos. É esse o fiel da isenção do investigador: colocar a hipótese de algo poder ser e poder não ser e situar-se no plano do detective que pretende investigar o facto.
Até que ponto deve permanecer esta dúvida metódica e de bom senso? Até ao ponto em que seja possível determinar se o facto ocorreu ou não ou pelo menos até ao ponto em que a convicção íntima do investigador, baseada em factos que conhece lhe permitam julgar desse modo, assim o consentir.
Ainda assim, não basta, como é natural, que o investigador esteja convencido da ocorrência de um facto, para que o mesmo seja reconhecido como tal por outra pessoa qualquer e muito menos pelas instâncias formais de controlo e julgamento.
A demonstração da ocorrência de um facto pode fazer-se através de vários métodos que todos utilizamos sempre que pretendemos provar um acontecimento: mostrar provas plausíveis, que todos aceitem como válidas. Mais difícil ou impossível, por vezes, se torna provar um não acontecimento...
Com uma circunstância importante: as provas admissíveis e reconhecidas em processo penal, não são as mesmas que usamos na vida corrente para comprovar perante terceiros os factos que relatamos.
(continua)
José: Os meus parabéns!Suspeito que na sequência se completará um post de antologia.
ResponderEliminar«Os erros e cometidos nesta fase, no timing, na oportunidade de realização da diligência,na determinação dos locais e tempos de actuação tornam-se fulcrais para comprometer o sucesso do objectivo principal: a descoberta da verdade do crime e da sua autoria.» BINGO!
ResponderEliminarE como se faz isso? Lavro um despacho, envio para a equipa de investigação, que o recebe 48h depois, olha para ele passadas 72h, procura os agentes a quem deve entregar o caso, descobre que não os tem, fica à espera de melhores dias e, quando estes chegam, já passaram quantos dias?
Depois, é preciso esperar o resultado dessas diligências para as articular com outras, mas entretanto...
Pois...isso e outras coisas, mas o meu objectivo com este texto não
ResponderEliminaré contar as misérias mas outra coisa que amanhã, se puder, completo.
Acho que vale a pena dizê-lo em público.
Claro que vale a pena, ainda por cima dito desta forma cristalina!
ResponderEliminarContinue!
Excelente!
ResponderEliminarmuito bom José.
ResponderEliminarImporta é que haja alguém que os procure e tudo faça para os encontrar
ResponderEliminarE que saiba, que tenha jeito e seja determinado, sem receio de sabujos e tiranetes logo acima...
Onde se vê isso muito bem é na série The Wire (A Escuta), a melhor que já vi na minha vida (a quarta época também mostra as misérias da educação, que vão ser as nossas em breve, algumas já são). A quinta, o jornalismo... -- JRF
Onde é que isso passa?
ResponderEliminarNão passa. Sairam as duas primeiras por cá, esqueceram-se das outras, mas os DVDs ingleses ou franceses (se não me engano) têm legendas em português. -- JRF
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