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quarta-feira, janeiro 19, 2011

O costume do jornalismo português

SIC:

O sindicalista José Manuel Marques, detido esta terça-feira em Lisboa junto à residência oficial do primeiro-ministro, irá sentar-se no banco dos réus no dia 31 de Janeiro. O tribunal decidiu levar a julgamento este sindicalista, acusado de desobediência à autoridade.
Esta notícia suscita várias perplexidades formais. A primeira é a menção a "tribunal decidiu levar a julgamento", na sequência da anterior que mencionava expressamente o papel do juiz nessa decisão.
Ora o que aconteceu e desenrolou segundo as regras do processo penal que temos parece-me outra coisa.
Em primeiro lugar, ontem ocorreu uma detenção, efectuada pela polícia, em flagrante delito por crime de desobediência, segundo se noticiou, mas que deve ser um pouco mais que isso. Ou seja, talvez a coacção sobre agentes policiais esteja no lote dos factos, mas não sei.
Continuando. Logo após essa detenção é obrigação processual da polícia comunicar imediatamente ao MºPº a detenção. A comunicação não é ao juiz nem é ao tribunal stricto sensu, porque tribunal em sentido técnico é aquele que julga, presidido por um juiz. O Ministério Público nesse sentido estrito, não é tribunal algum, embora alguns entendam que pode fazer parte do tribunal em sentido lato, como fazem os advogados e os funcionários ( Vital Moreira assim entendia mas deixou de entender há uns anos a esta parte, desde que passou a depender do PS).
Logo, houve certamente uma comunicação por fax ( é assim que se continua a fazer, segundo julgo) para o magistrado do MºPº de serviço de turno. Este magistrado tomou conta do facto noticiado e das duas uma: ou procedeu a um interrogatório sumário, explicando ao arguido constituido e assistido por um advogado que poderia beneficiar de suspensão provisória do processo se o requeresse e estivesse em condições de beneficiar; ou não interrogou e procedeu ao encaminhamento processual do arguido para um julgamento em processo sumário pelo crime de desobediência, conforme li.
Agora sim: depois desse requerimento formal em que se imputa um crime concreto ao arguido e se apresenta a prova do mesmo, tarefas que um juiz não pode realizar porque a lei a tal o impede, o processo sumário, já assim classificado vai ser apresentado a um juiz. E é este juiz do tribunal que vai marcar a data da audiência que pode ser adiada por alguns dias, para "preparação da defesa do arguido".
Terá sido isto que ocorreu? E se foi porque é que o jornalismo da SIC confunde tudo e todos?
Porque são competentes? Porque tanto faz que digam assim ou assado que o público engole tudo? Porque não tem brio profissional em fazer o trabalho bem feito?
Que responda quem souber. Este jornalismo, a mim, interessa-me pouco. Um jornalismo de meia bola e força nestes assuntos permite entender que os outros são tratados da mesma forma ou pior ainda.
ADITAMENTO em 20.1.11:
Hoje no jornal i, o assunto é noticiado assim: "O julgamento do dirigente do Sindicato dos Trabalhadores da Administração Local, ontem acusado de desobediência na sequência de uma manifestação à porta da residência oficial do primeiro-ministro, foi marcado para 31 de Janeiro.
O adiamento surge porque os arguidos não tinham conhecimento de todas as acusações de que são alvo.
O outro sindicalista ouvido ontem em tribunal, Marco Rosa ( Fenprof), disse que ainda não foi acusado. A nova audiência ficou marcada para o dia 2 de Fevereiro."
Nesta pequena notícia concentra-se toda uma série de equívocos que derivam do desconhecimento básico das regras de funcionamento processual e institucional nestas matérias.
Pode dizer-se que o assunto é caso menor porque se compreende o que a notícia quer dizer e escrever-se tribunal em modo antonomásico é suficiente.
Não é. O rigor nas notícias não respeita apenas aos factos mas também à relação desses factos com a realidade institucional e processual porque é disso que se trata.
Um julgamento crime pode ser em processo comum, especial, sumário ou sumaríssimo. Não se escreve que julgamento é esse.
Um julgamento não pode começar sem uma acusação prévia. Não se diz que acusação é essa, para além da "desobediência".
Uma acusação não pode ser redigida ou apresentada verbalmente por um juiz, mas sim pelo Ministério Público, detentor exclusivo da acção penal. Não se escreve nada sobre o papel do MºPº neste caso.
Um julgamento não pode continuar sem que algumas destas realidades seja apresentada e por isso a notícia do i está errada do princípio ao fim, nesses aspectos que julgo essenciais para se obter uma boa informação. Não digo óptima; digo apenas boa.
Esta notícia e outras do género contribuem para desinformação e o desconhecimento das pessoas e quem as escreve, presumivelmente jornalistas, não sabem o que andam a fazer, porque eventualmente não tiveram formação para tanto.
Repito: o jornalismo português, na actualidade, está pior do que há quarenta anos e nessa alturam não havia Judites de Sousa a ensinar nem sei o quê.
Talvez seja por isso mesmo que esta miséria e mediocridade perduram. E talvez seja por isso mesmo que os jornais em Portugal vendem quase nada, fazendo da profissão de jornalista uma actividade quase proletária. Excepto para a dita Judite e seus companheiros de tv que por apresentarem notícias do mesmo calibre não incomodam ninguém isso. Precisamente o que o poder quer e por isso mesmo paga o frete.
Triste país o nosso.

5 comentários:

  1. Qualquer assunto de que o próprio perceba uns rudimentos básicos, permite concluir que o jornalismo é uma miséria sem explicação. -- JRF

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  2. Tanta coisa só por o jornalista ter escrito "O tribunal decidiu levar a julgamento...".
    Parece que tudo estaria bem se escrevesse "O tribunal em sentido lato decidiu levar a julgamento..."
    .
    O mecânico de automóveis onde costumo ir também me chamou estúpido, aqui há dias, quando eu disse que "o carro avariou". Que não, o carro estava perfeito, só não andava porque "tinha o injector entupido", o carro não tinha avaria nenhuma.

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  3. aquelas gajas de microfone na mão a fazer perguntas parvas
    parece um bando de putas com um caralho das Caldas na mão.

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  4. Dias Santos:

    Não é só por isso, mas...se não sabe porque pergunta?

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  5. José,

    Eu não perguntei, apenas levantei a questão. Portanto, só em sentido lato terei perguntado. Está a cair no mesmo erro do vilipendiado jornalista.

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