Conta-se que Jesus convidou para cear doze juízes. No dia seguinte, um colega perguntou a um dos 12 eleitos que tal tinha corrido a ceia. Só génios, éramos doze, disse ele com simplicidade.
De acordo com o Relatório Anual do Conselho Superior da Magistratura, noticiado pelo PÚBLICO, em 2011 foram atribuídas 389 classificações, havendo 110 "Muito Bom", 135 "Bom com Distinção", 77 "Bom", 14 "Suficiente" e 2 "Medíocre". O presidente da Associação Sindical dos Juízes considera que a percentagem de juízes com as duas classificações máximas (63%) representa "um bom sinal". Mas não é. Uma classificação é sempre relativa. Primeiro, em função do que é e de quem é avaliado. Depois, em função das diferenças de desempenho que importa distinguir.
No fundo, a validade de uma classificação depende da sua capacidade de distinguir através de um número maior ou menor de graduações (1 a 20, muito bom, bom, suficiente, medíocre e mau, etc.) o que merece ser premiado (o desempenho excelente e superior à média, apenas alcançado pelos melhores) e o que merece ser penalizado (o fraco desempenho, inferior à média, alcançado pelos piores).
Entre o melhor e o pior fica a mediania, o desempenho positivo, mas que não merece ser premiado.
As classificações atribuídas pelo CSM não satisfazem este critério de validade. Por isso não são verdadeiras. Faltando à verdade, são injustas em todos os escalões.
A começar pelo primeiro. Só por ignorância ou má-fé se pode negar que há excelentes desempenhos nas fileiras dessa magistratura. Fruto de uma selecção exigente na admissão e de um investimento considerável na formação, a preparação jurídica dos juízes é, em média, claramente superior à dos advogados (penalizada pela degradação de licenciaturas em Direito e pela debilidade do estágio). Superior à dos advogados em geral, porque alguns deles, sobretudo desde que se tornou mais frequente a prática da advocacia por docentes das faculdades de Direito (não confundir com as impropriamente ditas faculdades de Direito), são causídicos notáveis.
Seja como for, quando à sólida preparação jurídica de um juiz se unem a dedicação, o sentido da equidade e o bom senso, temos magistrado. Com base no contacto que mantenho com juízes há três décadas, não me surpreende que no universo de 389 classificados haja uns 20 que não deixariam de merecer a nota máxima se o critério de classificação fosse válido e credível, se houvesse verdade na classificação. Mas não há, como atesta o facto de se igualar com a nota máxima 110 magistrados num universo de 389. Por outras palavras, no amplo universo de 110 "Muito Bom" (28% do total), haverá juízes francamente melhores do que muitos outros com igual classificação.
Uns tantos "Muito Bom" são, na verdade, mais "Muito Bom" que os outros. Mas a classificação não lhes reconhece nem engrandece o mérito de serem realmente os melhores entre os seus pares. Diminui-lhes esse mérito, vulgarizando uma classificação que devia atribuir apenas ao mais elevado valor profissional. É por isso uma classificação injusta para quantos verdadeiramente a merecem. E sem vantagem para os demais. Porque a vulgarização do "Muito Bom" desvaloriza a própria nota. O prémio de ter "Muito Bom" é diminuído pela banalidade da sua atribuição.
O fenómeno repete-se no segundo e no terceiro escalões, mas com maior perversidade. Houve 135 notas "Bom com Distinção" (35% do total) e 77 "Bom" 20% do total. Esta simples proporção entre a atribuição das duas notas sugere que "Bom" é "Bom sem Distinção", isto é, que o "Bom" normal, para o CSM, é "com distinção". O outro é uma espécie de "Bom menos". No fundo, uma nota relativamente fraca, o que contraria o vocábulo bom.
Também aqui me parece que nas 389 avaliações feitas, se o critério fosse válido e credível, haveria lugar a três ou quatro dezenas de notas "Bom com Distinção".
Sem me alongar mais, diria que a falha principal desta classificação, da qual decorre a injustiça, a escassa utilidade e a falta de credibilidade, é a perda do significado próprio das notas, a sua manifesta discrepância com a realidade avaliada.
O efeito que tem internamente não pode ser bom. A ausência de verdade e justiça nas avaliações dos juízes é a pior pedagogia possível dirigida a quem por dever de ofício não deve pactuar com a negação desses valores. Na perspectiva da prestação de contas à sociedade por parte do poder judicial, materializada no Relatório de Actividades entregue à Assembleia da República pelo CSM, o efeito é negativo, transmite uma ideia de complacência, auto-satisfação e falta de discernimento da magistratura. Ainda aqui, ideia muito injusta, que não corresponde à realidade de tantas e de tantos magistrados.
Rui Machado, Advogado | Público | 09-08-2012
Comentário:
Comentário:
Este artigo parte de um equívoco parecido com aquele que perdura acerca da avaliação dos professores. Quem escreve sobre "avaliação" tem quase sempre uma ideia muito própria e definitiva sobre o conceito, geralmente tirada do senso comum e sindicada a um putativo significado que abrange a "apreciação da competência de alguém".
Ora no caso dos magistrados não é isso que significa a avaliação decorrente de uma inspecção ao serviço dos mesmos e a correspondente classificação desse serviço e do mérito de quem o executa.
Uma avaliação de um magistrado é feita por várias entidades e pessoas. Em primeiro lugar diria até que é feita pelos próprios advogados do foro respectivo e afere-se ao sentimento geral, particularizado em cada um que ajuíza, sobre a competência técnica, a adequação à função, a personalidade e idiossincrasia no exercício da mesma de cada magistrado em concreto.
Geralmente os advogados, tal como os alunos em relação aos professores sabem muito bem o que vale ou não vale um magistrado. Sabem exactamente o que esperar de cada um daqueles com quem lidam e actuam muitas vezes em conformidade com a tal idiossincrasia de cada um no exercício do múnus e em função do poder concreto que os mesmos detêm sobre um processo.
Confundir isto com a avaliação decorrente de inspecção ao serviço é um erro. Essa avaliação obedece também a outros critérios, sedimentados ao longo dos anos e que os inspectores conhecem muito bem, aplicando-os em sede de justiça relativa aferida a cada um dos magistrados inspeccionados e avaliados.
Nessa tarefa, os inspectores colhem elementos concretos nos processos a cargo desse/a magistrado/a ao longo do período em análise, por vezes vários anos e observam nos processos se o magistrado cumpriu a função em acordo com as regras processuais e por vezes substantivas. Diga-se, o que aliás o advogado do artigo parece olvidar, que um inspector não sindica o conteúdo das decisões judiciais para aferir a sua correcção jurídica, in totum. Poderá avaliar essa adequação em função da qualidade de escrita do magistrado, do sucesso das suas decisões perante a comunidade ( a justiça é constitucionalmente aplicada em nome do povo) mas não vai sindicar em concreto a correcção jurídica da decisão.
Vai em primeiro lugar verificar se o magistrado cumpre os prazos, se o puder fazer; se desenvolve bem os processos, dentro das regras processuais adequadas e se decide de acordo com essas regras.
Em complemento, o inspector informa-se a latere e em conversas informais, até com os próprios advogados, sobre o perfil e o conceito que o magistrado goza no meio. Em meios grandes e difusos, tal verificação é meramente ilusória. Em meios pequenos, determinante, por vezes.
Portanto, os parâmetros para avaliação de um magistrado em função, são relativamente apertados e não contendem necessariamente com aquela "apreciação da competência de alguém", embora nela assentem.
Neste contexto, escrever coisas como o advogado em causa escreve, é sintoma de retórica sem grande sentido prático, porque a avaliação não se afere a esses parâmetros equivocados mas a determinadas regras que podem sustentar uma atribuição de classificação superior e de mérito a um magistrado que se limita a cumprir prazos, decide em conformidade com as regras processuais, não comete erros palmares e tem o serviço em dia, como se costuma dizer. Um magistrado aureolado de aurea mediocritas merecerá por isso mesmo um muito bom e é bom que assim seja.
Por uma ou duas razões:
A primeira porque é justo que um magistrado cumpridor, mesmo que não seja muito brilhante tecnicamente, ao fim de alguns anos, possa ser promovido por mérito ( classificação superior a bom com distinção); depois porque a rotina das classificações derivadas de inspecção têm um mérito em si mesma: permitir que o magistrado tenha a noção de que vai ser avaliado no serviço que presta. Só isso é suficiente para controlar internamente a magistratura.
O controlo externo, esse, é realizado pelos destinatários das decisões judiciais: as pessoas, incluindo os advogados.
Tomara que estes fossem avaliados da mesma forma...
qualquer avaliação é sempre imperfeita,mas umas são mais que outras.
ResponderEliminaro avaliador tem preferências como todos nós. tudo é falível.
um juíz meu amigo, excelente criatura, teve cerca de 8 mil processos em atraso e chegou a desembargador há cerca de 25 anos.
"A primeira porque é justo que um magistrado cumpridor, mesmo que não seja muito brilhante tecnicamente, ao fim de alguns anos, possa ser promovido por mérito ( classificação superior a bom com distinção)(...)"
ResponderEliminarComo disse?
Todo o sistema de avaliação é injusto. Ponto.
Promovido por mérito, porque cumpre o que deve? Onde está o mérito?
Acho que o cerne do escrito pelo advogado está correcto - entre os de "muito bom" haverá várias gradações, o mesmo se passa no escalão do "bom com distinção" e idem aspas aspas por aí abaixo. Quanto mais escalões mais difícil se torna avaliar mas mais justa se tornará a distinção. No extremo oposto configuraríamos apenas duas situações: apto (ou cumpre) e não apto (não cumpre).
ResponderEliminarAcho que não expliquei bem, mas tentarei da próxima.
ResponderEliminarA questão não é o mérito embora o seja. O paradoxo explica-se da seguinte forma: o significado de mérito, aqui, nas avaliações de magistrados, não é o significado comum, mas sim um outro a que se dá relevo para classificar de bom com distinção até muito bom ( dois graus). É isso que se chama classificação de mérito.
Quem tem apenas Bom, também tem mérito, mas não é esse a que se refere a classificação e avaliação de magistrados.
Por outro lado, quem cumpre o dever e é classificado por isso que valoração pode ter? Não é meritório, no sentido comum da expressão, que assim seja considerado?
As classificações e avaliações dos magistrados, tal como a dos professores não serve para escolher os melhores. Serve para...os manter com rédea curta, apenas.
Os professores nem isso. Não serve para rigorosamente nada, porque para o que deveria servir, ou seja, para separar o trigo dos bons professores ( em sentido comum) dos maus ( também nesse sentido e que os alunos conhecem bem) não serve. Então para que serve?
Caro José:
ResponderEliminarMuitas outras profissões das carreiras especiais, são, em termos práticos, que não formais, avaliados por terceiros. Eco que "nunca" chega à organização. E, talvez saiba, que qualquer que seja a avaliação (a menos que seja "insuficiente" e por isso desencadeante de um processo de averiguações), não serve para nada. Está tudo congelado. De que serve ter relevante ou excelente? ... Nada. Mas adiante.
A questão é que não concordo com promoções por antiguidade.
Essa é outra questão. Mas...a antiguidade na profissão confere mais saber de experiência feito. E isso deve relevar para valorização profissional.
ResponderEliminarÉ o espírito de Bolonha...
Como sou pré-Bolonha e o que vejo é o mais antigos encostados a isso mesmo.... não,muito obrigada.
ResponderEliminarPlenamente de acordo. Agora querem arrivismo por mérito de aviário.
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