No outro dia, na TVI24, no programa Olhos nos Olhos que tem como comentador habitual Medina Carreira, compareceu o presidente do conselho de administração do hospital de S. João, António Ferreira. O que ele disse ao longo do programa é simplesmente interessante e raro num indivíduo como é um administrador de Hospital público.
O soundbite mais relevante foi o de que "cada cirurgião faz em média 1 cirurgia por semana». E outra: «No Hospital de São João, 30 cirurgiões nunca
foram ao bloco operatório».
Tais declarações desencadearam a reacção corporativa habitual, designadamente do presidente do sindicato dos médicos que apareceu logo a defender a honra do convento: "As declarações do presidente do Conselho de Administração do São João
deixaram “perplexo e indignado” o líder da Ordem dos Médicos, que
desafia António Ferreira a explicar porque razão isto acontece em vez de
estigmatizar os médicos."
Independentemente do facto de a razão assistir ao Administrador do S. João ou aos médicos visados, a verdade é que esta situação aparenta-se a uma outra que frequentemente aparece nos media: as críticas avulsas ao sistema de Justiça, com particularização nos seus operadores, mormente magistrados e funcionários.
Este caso que atinge um hospital público, e eventualmente os demais, porque António Ferreira desafiou outros hospitais públicos a revelarem estatísticas, tem um paralelo curioso com aqueloutro.
Sempre que aparece um qualquer especialista em coisa nenhuma e que costuma ser um sabe-tudo, tipo Sousa Tavares, a criticar a Justiça, normalmente as críticas são desfasadas da realidade, visam pessoas ou um pequeno organismo, em vez de um sistema que por si mesmo é complexo e lida com assuntos complexos.
Tal como no caso do hospital de S. João, logo que o administrador apareceu a comentar fenómenos que aparentemente serão incontestáveis, apareceu logo um explicador na pessoa do presidente do sindicato dos médicos, a dizer que não era nada assim e que o administrador aldrabou os números e os factos, também nos casos em que a Justiça é visada aparecem comentadores a justificar muitas vezes coisas que dificilmente se explicam.
Até por aqui, neste blog, por vezes se tenta explicar algo no sistema de justiça que dificilmente se compreenderá se não houver alguma boa vontade para tal.
Os sistemas complexos ( mas não tanto assim...) como são o da saúde pública e o da justiça carecem de explicações pormenorizadas e contextualizadas que não se compadecem com aproximações diletantes e de quem não os conhece.
Muitas vezes o que se diz do sistema de Justiça ou da Saúde pode muito bem não ser o mais correcto e adequado, por não se explicarem devidamente todos os factos que contendem com os assuntos que se tentam explicar e assim as pessoas são desinformadas e muitas vezes manipuladas.
O sistema de Justiça e particularmente os magistrados, em sondagens recentes, têm uma imagem fortemente negativa, eventualmente fruto de uma constante erosão dessa imagem promovida por comentadores que apreciam os factos noticiados segundo uma lógica explicativa que muitas vezes é errada e portanto, no caso, difamatória.
Segundo o presidente do sindicato dos médicos, também a opinião do administrador do S. João se insere num contexto desinformativo porque não integraria a explicação para os factos relatados que segundo aquele sindicalista tal informação careceria. Tal e qual acontece em alguns assuntos judiciários.
Como lidar com este problema?
Em primeiro lugar, tomar consciência da complexidade dos problemas que surgem, seja no caso do segredo de justiça, seja no caso da morosidade do sistema em responder às solicitações, seja no caso do funcionamento da máquina judiciária.
Para alguém compreender devidamente este tipo de problemas carece de conhecer o sistema por dentro e não basta ter trabalhado ou ter informação esparsa de quem lá trabalha, para pretender ajuizar os problemas concretos que surgem neste ou naquele caso concreto.
Depois dessa atitude de humildade primacial, deverá ainda obter informação dos vários intervenientes do sistema, no caso concreto em análise e mesmo assim, o tratamento dessa informação depende do conhecimento dos demais factores intervenientes.
Para explicar a complexidade destes assuntos costumava comentar com alguns colegas de profissão que por vezes quem trabalhava em gabinetes a alguns metros uns dos outros não entende completamente o que se passa no gabinete ao lado. Não é apenas o desconhecimento dos factos concretos mas o desconhecimento das circunstâncias que podem explicar as ocorrências.
Mesmo para quem conhece minimamente o funcionamento do sistema torna-se por vezes difícil diagnosticar o mau funcionamento de um sector ou subsistema.
Por exemplo, é sabido que nos tribunais tributários deste país os atrasos na resolução das acções de impugnação e oposição que os contribuintes propõem contra a adminstração tributária, é endémico de há vários anos para cá.
Os motivos para tal podem ser simples de expor: as entradas de processos são superiores às "saídas". Entram todos os meses mais processos do que aqueles que se acabam no mesmo período.
Quando alguém procura saber a razão exacta e não apenas aproximada de tal fenómeno começam os problemas que os próprios agentes de justiça nesses mesmos tribunais não conseguem explicar.
Parece um caso diabólico, mas não é.
Os casos simples, como seja a discrepância entre entradas e conclusões de processos não precisam de explicações complexas, bastando saber que não há resposta adequada de quem tem obrigação de a dar. Os magistrados judiciais nesses tribunais não conseguem dar vazão ao número de processos que têm em mãos diariamente. É portanto esse o problema a resolver.
Quando se passa ao momento de análise seguinte e que é o de saber por que razões tal acontece, surge a questão magna: quem sabe?
Poucos o sabem e quem alvitra opiniões pode muito bem estar enganado.
Na facilidade dos opinadores tipo sabe-tudo, a questão não tem espinhas: a culpa é dos magistrados que não trabalham ou que não organizam o trabalho ou seja o que for que lhe possa ser assacado. E por aí se ficam.
Mas...quem sabe mesmo a real razão?
Extrapolando para outros sistemas como o de Saúde, temo que os problemas e a análise dos mesmos sofra do mesmo mal...
o HOMEM do 'Son Juon' tem coragem invulgar para enfrentar a quadrilha habitual
ResponderEliminarnesta republiqueta corporativa os deuses da medicina são intocáveis para as anedotas que os representam.
a culpa é sempre dos outros
dá vontade de dizer aos sindicalistas e bastonário (devia levar com o bastão na lombeira)
'-cala a boca murcon!'
O absurdo da questão é que este Sr. é quem está à frente da gestão do estabelecimento cujos profissionais denuncia...
ResponderEliminarMas ele mesmo explicou que os sindicatos dos médicos e dos enfermeiros e do pessoal auxiliar é quem manda...e ninguém se atreve a contriar tais organismos. Que o digam Leonor Beleza, Paulo Mendo, Campos e os demais. Todos falharam no objectivo comum de reduzir gastos.
ResponderEliminarCaso para dizer que estamos perante um sistema corporativo típico.
nunca nenhum governante conseguiu meter na ordem a malandragem da saúde. cilindraram Leonor Beleza e agora lambem-lhe as solas dos sapatos.
ResponderEliminarditado alentejano
'só conhece o bicho quem o monta'
O que diz é de facto o que ouço a dúzias de magistrados e de médicos, alguns até de família e que vivem comigo sob o mesmo tecto. Mesmo assim, há um problema que também conheço por eles e por experiência própria: o espírito corporativo que nestas duas profissões é exarcebado, há que dizê-lo, pela discrepância entre a preparação moral e técnica de muitos e a alta função que desempenham. Esse corporativismo, só ultrapassado pelo dos jornalistas, tapa, oculta, mascara o maior problema desses dois sistemas: a enorme diferença na qualidade e na quantidade do trabalho produzido entre os membros da classe tendo uns e outros, os bons profissionais e os péssimos, as mesmas compensações. Há de facto muito médicos maus, horríveis, tanto na falta de preparação científica como na falta da mais elementar educação. Há de facto muitos médicos que vivem para o lucro que actuam contra a lei e que deviam ser punidos e até expulsos da ordem e não são. Conheço muitos casos desses e nada lhes acontece. Entre os magistrados passa-se o mesmo. há juízes que trabalham como moiros e outros que não fazem ponta de um corno. O problema dos sitemas complicados é ninguém estar interessado em torná-los simples. São sistemas mais complicados do que complexos. E a complicação interessa a muita gente. Apesar de tudo, já foi pior.
ResponderEliminarBoa imagem garantida, em Portugal, só pretos,ciganos e romenos.
ResponderEliminarMas a causa do desastre nacional no fundo é mesmo a de em todos os organismos se terem promovido a "general" sem tropa por baixo...em especial no que respeitava a "produzir" qualquer coisa vendável.
Por isso é que estamos no reino dos céus dos "colectivos"e do "socialismo".A melhor forma de desresponsabilização, de apresentar mérito e avaliar o custo/eficácia...
Desde que se diga que é para salvar o planeta está logo tudo bem...
Caro José,
ResponderEliminarEstou habituado a ler as suas análises, objectivas, escorreitas, contundentes até na sua clareza. Neste caso porém, assumiu um discurso nebuloso, redondo, recorrendo com frequência a adjectivos da família complexo, para, pareceu-me, tentar justificar o injustificável. Não sei se a sua analogia faz sentido, nem se os dois sistemas por si comparados apresentam similaridades no seu funcionamento para que o José o tenha feito. Sintetizando a ideia, se eu sou padeiro e não produzo pão, a culpa é de todo o sistema de produção de pão, que por ser muito complexo, não permite demonstrar quantitativamente um bom desempenho da minha parte, como padeiro, ou então, nem sequer é correcto pretenderem quantificar/avaliar o meu desempenho. Peço desculpa pela minha franqueza, mas desta vez não posso, de todo estar de acordo com o que escreve. Provavelmente farei parte da imensa minoria que não estando por dentro do assunto, ajuízo mal sobre ele, não tendo por isso o direito de considerar a minha própria opinião como válida para o efeito.
Ljubljana:
ResponderEliminarÉ de facto um discurso um bocado redondo mas o essencial julgo ter escrito, ou seja aquilo que hajapachorra refere: o corporativismo das duas classe e porventura de outras assemelha-se no fundamental.
E por uma razão plausíve que pretendo esmiuçar mais noutra altura propícia: normalmente as críticas que se fazem ao funcionamento dos dois sistemas passam muitas vezes ao lado do que seria relevante dizer, para se fixarem nos aspectos mais evidenciados, nos momentos críticos.
Se há violações do segredo de justiça, por exemplo, as críticas são frequentemente dirigidas aos magistrados que as não contém e evitam, como se isso fosse tão simples.
De resto pode fazer-se crítica genérica pelos resultados aparentes e que contendem por exemplo com os atrasos endémicos do sistema em alguns campos, como o tributário e administrativo.
Porém, para fazer essas críticas com um fundamento sério e razoável é preciso conhecer a problemática toda e geralmente nem os próprios envolvidos a conhecem. Foi apenas isso que quis dizer.
O seu exemplo do padeiro é por isso exemplar do mau exemplo. Fazer pão depende dos produtos, das máquinas e das fábricas que nisso laboram.
Se um pão não presta por aí além pode ir-se a outro lado comprar um melhor. Na Justiça não é assim.
Se esse pão não é bom e não há outro lado para ir comprar ( como acontece nos regimes sem concorrência, como havia no Leste antes dos anos noventa) então a situação assemelha-se e torna-se complexa para explicar por que coloca em causa todo o sistema.
Na Justiça e Saúde é um pouco isso que sucede: é o sistema que temos que gera as disfuncionalidades que se vêem e não adianta acusar apenas alguns elementos do sistema para encontrar a explicação.
Eu só sei que, algo está mal e algo tem que ser feito.
ResponderEliminarUm administrador de um Hospital que se vem queixar que entre os seus cirugiões, apenas se realiza uma consulta por semana, algo está profundamente errado.
O sindicato para se manifestar assim, algo existe e o mesmo exige que sejam dadas as razões para que isto aconteça.
Faço uma pergunta antes de tudo.
Quais são as razões do sindicato para que tal aconteça?
È que assim, só conheço uma parte da equação.
Não esqueçer que os Sindicatos operam dentro da legislação e se os mesmos (os médicos )se recusam a fazer ou seu trabalho, só há duas razões.
Ou Por negligência das suas funções e como tal a Lei não permite que assim seja ou porque estão escudados na Lei e como tal, exigem-lhes algo que é contraditório aos seus contrtos de prestação de serviço.
Das duas uma.
Ou alteram as leis ou deixam de tentar que as pessoas dentro das suas profissões (aqui é todas )sejam obrigadas a fazer aquilo que excede os seus contratos.
Isto ara mim é elementar...senão não se justificava sindicatos para nada.
José,
ResponderEliminarOs 30 cirurgiões que não "cirurgiam" é, na minha opinião" milho para pardais. Os pardais andam entretidos.
Veja, antes o tal Sr tinha dito que o seu hospital era o melhor por causa dos seus excelentes profissionais.
Não se deixem enganar por afirmações deste tipo. O Sr da ordem foi atrás, reagindo, e não devia. Foi atrás do "milho".
Há cirurgiões que estão em lugares de gestão e por isso não vão ao bloco. Outros não têm tempos distribuidos pelos "chefes" no bloco. Isso antes ainda erá pior devido à pior desorganização. A responsabilidade não é dos acusados. Então o próprio sr diretr é médico e como administra não faz consultas como parece normal.
Se são 30 isso é pouco desperdício comparado com o passado. O importante é ter cautela nas nomeações para alguns serviços de especialistas que podem ser melhor rentabilizados na área da sua profissão-cirurgias.
Não se deixem iludir por estas afirmações que não sendo mentira, não querem dizer que as coisas estejam erradas e que os maus sejam os cirurgiões. Qualse todos estão com responsabildades atribuidas por quem neles manda e que nada têm a ver com as suas carreiras.
Um tipo atira "milho" para a praça e logo vão todos atrás do milho.
Aquilo foi jogo de poder...
Mais não digo..
Pedro Pinguela :
ResponderEliminarNão fui atrás de milho algum e até abrandei o passo, para não atropelar os que foram.
Tenho para mim e foi por isso que escrevi o que escrevi que as coisas nos sistemas complexos carecem de explicações ou complexas ou simples, mas neste caso por que sabe prestá-las.
E não é fácil prestar explicações simples de sistemas complexos.
É preciso muito saber e experiência e por isso desconfio sempre de quem se julga sabedor de tudo como o compadre do banqueiro, o tal Sousa Tavares.
A jactância na escrita e no falar desse pobre diabo aflige ouvir e ler. Ler já não leio, mas infelizmente por vezes ouço. E é aflitivo.
ResponderEliminarÉ ele e o Marinho e Pinto, outro cevado da palavra fácil e ignorante.
José,
ResponderEliminarNão pretendi incluí-lo.
Peço desculpa.
Mas pode incluir porque a reflexão que ficou foi uma especulação. Pode ser e não ser. A mim parece-me que. A outros não...
ResponderEliminarEm minha opinião a culpa é de quem dirige o Hspital.
ResponderEliminarExistem muitos "responsáveis" do Estado que têm medo de tudo e então deixa a andar.
E quem quizer corrigir estes medos é atacado pelos sindicatos, pela ordem e pela comunicação social cujos directores enfermam do mesmo mal. Aqueles os cirurgiões têm medo do sangue a comunicação "vive do der sangue"