quarta-feira, dezembro 19, 2012

A complexidade dos sistemas simples de entender

 No outro dia, na TVI24, no programa Olhos nos Olhos que tem como comentador habitual Medina Carreira, compareceu o presidente do conselho de administração do hospital de S. João, António Ferreira. O que ele disse ao longo do programa é simplesmente interessante e raro num indivíduo como é um administrador de Hospital público.
O soundbite mais relevante foi o de que "cada cirurgião faz em média 1 cirurgia por semana». E outra: «No Hospital de São João, 30 cirurgiões nunca foram ao bloco operatório».
Tais declarações desencadearam a reacção corporativa habitual, designadamente do presidente do sindicato dos médicos que apareceu logo a defender a honra do convento: "As declarações do presidente do Conselho de Administração do São João deixaram “perplexo e indignado” o líder da Ordem dos Médicos, que desafia António Ferreira a explicar porque razão isto acontece em vez de estigmatizar os médicos."

Independentemente do facto de a razão assistir ao Administrador do S. João ou aos médicos visados, a verdade é que esta situação aparenta-se a uma outra que frequentemente aparece nos media: as críticas avulsas ao sistema de Justiça, com  particularização nos seus operadores, mormente magistrados e funcionários.

Este caso que atinge um hospital público, e eventualmente os demais,  porque António Ferreira desafiou outros hospitais públicos a revelarem estatísticas, tem um paralelo curioso com aqueloutro.

Sempre que aparece um qualquer especialista em coisa nenhuma e que costuma ser um sabe-tudo, tipo Sousa Tavares, a criticar a Justiça, normalmente as críticas são desfasadas da realidade, visam pessoas ou um pequeno organismo, em vez de um sistema que por si mesmo é complexo e lida com assuntos complexos.
Tal como no caso do hospital de S. João, logo que o administrador apareceu a comentar fenómenos que aparentemente serão incontestáveis, apareceu logo um explicador na pessoa do presidente do sindicato dos médicos, a dizer que não era nada assim e que o administrador aldrabou os números e os factos, também nos casos em que a Justiça é visada aparecem comentadores a justificar muitas vezes coisas que dificilmente se explicam.

Até por aqui, neste blog, por vezes se tenta explicar algo no sistema de justiça que dificilmente se compreenderá se não houver alguma boa vontade para tal.
Os sistemas complexos ( mas não tanto assim...) como são o da saúde pública e o da justiça carecem de explicações pormenorizadas e contextualizadas que não se compadecem com aproximações diletantes e de quem não os conhece.
Muitas vezes o que se diz do sistema de Justiça ou da Saúde pode muito bem não ser o mais correcto e adequado, por não se explicarem devidamente todos os factos que contendem com os assuntos que se tentam explicar e assim as pessoas são desinformadas e muitas vezes manipuladas.
O sistema de Justiça e particularmente os magistrados, em sondagens recentes, têm uma imagem fortemente negativa, eventualmente fruto de uma constante erosão dessa imagem promovida por comentadores que apreciam os factos noticiados segundo uma lógica explicativa que muitas vezes é errada e portanto, no caso, difamatória.
Segundo o presidente do sindicato dos médicos, também a opinião do administrador do S. João se insere num contexto desinformativo porque não integraria a explicação para os factos relatados que segundo aquele sindicalista tal informação careceria. Tal e qual acontece em alguns assuntos judiciários.

Como lidar com este problema?
Em primeiro lugar, tomar consciência da complexidade dos problemas que surgem, seja no caso do segredo de justiça, seja no caso da morosidade do sistema em responder às solicitações, seja no caso do funcionamento da máquina judiciária.
Para alguém compreender devidamente este tipo de problemas carece de conhecer o sistema por dentro e não basta ter trabalhado ou ter informação esparsa de quem lá trabalha, para pretender ajuizar os problemas concretos que surgem neste ou naquele caso concreto.
Depois dessa atitude de humildade primacial, deverá ainda obter informação dos vários intervenientes do sistema, no caso concreto em análise e mesmo assim, o tratamento dessa informação depende do conhecimento dos demais factores intervenientes.
Para explicar a complexidade destes assuntos costumava comentar com alguns colegas de profissão que por vezes quem trabalhava em gabinetes a alguns metros uns dos outros não entende completamente o que se passa no gabinete ao lado. Não é apenas o desconhecimento dos factos concretos mas o desconhecimento das circunstâncias que podem explicar as ocorrências.

Mesmo para quem conhece minimamente o funcionamento do sistema torna-se por vezes difícil diagnosticar o mau funcionamento de um sector ou subsistema.
Por exemplo, é sabido que nos tribunais tributários deste país os atrasos na resolução das acções de impugnação e oposição que os contribuintes propõem contra a adminstração tributária, é endémico de há vários anos para cá.
Os motivos para tal podem ser simples de expor: as entradas de processos são superiores às "saídas".  Entram todos os meses mais processos do que aqueles que se acabam no mesmo período.
Quando alguém procura saber a razão exacta e não apenas aproximada de tal fenómeno começam os problemas que os próprios agentes de justiça nesses mesmos tribunais não conseguem explicar.
Parece  um caso diabólico, mas não é.
Os casos simples, como seja a discrepância entre entradas e conclusões de processos não precisam de explicações complexas, bastando saber que não há resposta adequada de quem tem obrigação de a dar. Os magistrados judiciais nesses tribunais não conseguem dar vazão ao número de processos que têm em mãos diariamente. É portanto esse o problema a resolver.
Quando se passa ao momento de análise seguinte e que é o de saber por que razões tal acontece, surge a questão magna: quem sabe?
Poucos o sabem e quem alvitra opiniões pode muito bem estar enganado.
Na facilidade dos opinadores tipo sabe-tudo, a questão não tem espinhas: a culpa é dos magistrados que não trabalham ou que não organizam o trabalho ou seja o que for que lhe possa ser assacado. E por aí se ficam.
Mas...quem sabe mesmo a real razão?
Extrapolando para outros sistemas como o de Saúde, temo que os problemas e a análise dos mesmos sofra do mesmo mal...



Questuber! Mais um escândalo!