Numa das caixas de comentários abaixo, um comentário assinado por Mirza, diz assim para me vituperar:
Há tempos um amigo
disse-me para espreitar a portadaloja, que era um caso de escola:
"Tens lá tudo:
extrema-direita de província saudosista (nota pessoal: nada contra),
catolicismo integralista, magistratura "justiceira" com uma agenda
política, cheia de auto-justificações para os excessos, que acha que as regras
são para os outros, tudo coisas de fazer lamber os beiços ao Le Pen. E, cereja
em cima do bolo, tens o equivalente ao Aguiadois do Expresso, um tal
Floribundus que, mal é publicado um post, se precipita a debitar umas
raivas."
Pois tenho vindo a
observar, a comentar, a apreciar, e sobretudo a confirmar a justeza das
apreciações. A descrição é exacta, e é dispensável continuar.
Adoro este tipo de desafios não solicitados mas encomendados
pelos preconceitos de quem escreve.
Descortiquemos:
Em primeiro lugar o que será isso de “extrema-direita de
província saudosista” ? Indefinível, inenarrável a um espectador comprometido
seja com que ideologia for, passa tal afirmação pela habitual reguada ideológica
de uma esquerda sem sentido de orientação e que se define em oposição a
fantasmas de um passado que nunca entenderam.
O que é a extrema-direita, no caso concreto que me assiste?
Algo assimilável a um Maurras, a um Brasillach ou a um Primo de Rivera? Nem
tanto. A Esquerda bem –pensante e dominante não precisa de armas tão pesadas
para abater quem não lhe apara o jogo ideológico com cartas marcadas há dezenas
de anos, em Portugal.
Basta-lhe tão só apelidar alguém de “fassista” para lograr
todos os objectivos incluídos. Até há
alguns anos apelidar alguém de “direita”, mesmo a torto e a direito, tinha o
mesmíssimo efeito deletério e dissolvente.
Agora carece de outro qualificativo mais contundente: “extrema”, já
serve, se hifenizado a “direita”.
Assim, alguém que recorde o passado não muito distante mas
acantonado à “longa noite fascista” e à ditadura e ainda à repressão e também
ao analfabetismo e à pobreza e à emigração e à mortalidade infantil elevada é
muito naturalmente um indivíduo de “extrema-direita”. Nada mais lhe assenta
senão essa fatiota de recorte neo-realista.
Se ainda por cima tal perigoso extremista se afadiga a
tentar demonstrar a singeleza anacrónica
de uma esquerda enquistada em paradigmas fossilizados e protegidos pelo ar do
tempo mediático, leva em cima do qualificativo outro ainda mais soturno: “ de
província” e redundado de saudosismo.
O saudosismo de valores vindos do tempo do tal “fascismo” com
algumas décadas e já obliterado na memória colectiva, sobrepõe-se como ideologicamente indigno do outro saudosismo em que vicejam e refocilam, vindo das calendas do séc. XIX
em que as massas se oporiam à burguesia para vencerem a batalha da luta de
classes, em cujo campo abandonado ainda se revêem.
É por mor da antiguidade que o posto do saudosismo
esquerdistas tem preponderância sobre os demais, que por isso mesmo são relegados
para o sítio odioso da “província”,
lugar de ancestral atraso na evolução ideológica e sítio de atavismos
garantidos.
Depois dessa primeira abordagem epistemológica surge uma
outra típica do raciocínio integralmente
jacobino em corolário de uma
esquerda desorientada no tempo e no espaço: “catolicismo integralista”.
Defender Bento XVI com maior simpatia do
que João Paulo II, por exemplo, é sinal inequívoco de seguidismo a LeFebvre e
em sequência semântica e territorial , a Le Pen. Não há volta a dar:
catolicismo integralista é LePen no bolso ideológico, como consequência
religiosa inevitável da defesa da missa em latim, paradigma dos
integristas e só falta dar o passo seguinte
que por distracção ficou olvidado: fundamentalismo.
Temperados estes ingredientes- extrema-direita integrista,
provinciana e saudosista- resta cozinhar a receita caricatural: “magistratura
justiceira com uma agenda política”. “Cheia
de justificações para os excessos” .
Esta cereja no bolo aziumado carece de maior atenção porque
não tipifica apenas ideologia esquerdista requentada e de laxismo assegurado.
Os esquerdistas acicatados costumam ser, aliás, os
principais agentes do desprezo da legalidade sempre que ficam em causa os seus
interesses e conveniências. Como se sabe há muito, “ estão a cagar-se” para
essas coisas, tipo segredo de justiça, se esta lhes chega ao rabo, por vezes
literalmente.
Portanto, o que esta descarga aleivosa pretende dizer não é
sério. “magistratura justiceira” não conheço a não ser em países como a Itália
em que um punhado de magistrados de fibra e até de esquerda puseram fim a um
regime de corrupção com décadas de moratória.
É essa pulsão que
apelidam de justiceira que esta esquerda fingida pretende capar a todo o
custo. Qualquer veleidade
investigatória, dentro da maior legalidade processual, se for contrária aos
interesses dessa camarilha específica leva logo troco mediático. Ou porque é “justiceira”; ou porque é persecutória e dá
curso a cabalas ou porque não respeita
princípios tão sagrados quando o segredo de justiça em assuntos de interesse
público gritante mas que deveriam ficar sempre escondidos dos eleitores, para
que estes nunca viessem a saber o que andam a tramar nas suas costas.
Na ausência de um desses motivos de arremesso específico, o
outro toma o seu lugar mediático com uma importância e valor elevados à enésima
potência da deslegitimação do poder judicial. Na falta de todos, entra em vigor o princípio
geral do “justicialismo”, das “auto-justificações dos excessos” , dos “princípios
que são para os outros”, etc etc.
Tudo isso comporta porém uma excepção: se os visados foram os
adversários políticos, aí, já nenhum destes epítetos toma lugar de relevo
mediático. Aí, os assuntos passam a ser todos “casos de polícia”, com a polícia
a poder fazer o que muito bem entender porque tal se justificará plenamente.
Já chamei a esta gente “farsante”. Acrescento mais um
qualificativo: pobres de espírito.