Daqui, InVerbis, a croniqueta de Fernanda Palma no Correio da Manhã de Domingo:
(...) Objecções como as do Tribunal Constitucional, em nome da presunção de inocência e contra a inversão do ónus da prova, fornecem bons argumentos contra certas investigações e violações do segredo de justiça que põem em causa o bom-nome das pessoas. Isto tem acontecido repetidamente (e até a defensores da criminalização do enriquecimento ilícito).
A divulgação das buscas é muito grave dada a afectação da credibilidade da pessoa visada e do próprio processo. A investigação deve ser secreta, obrigando ao silêncio os investigadores e os alvos. A mediatização dos processos é contrária à atitude do famoso detective Colombo, da série televisiva, que cercava o suspeito, sem que ele o percebesse, até à estocada final.
Não sabemos, em cada situação, a quem se deve a divulgação pública das buscas ou de outras diligências. Por isso, não podemos lançar a primeira pedra contra ninguém. Seja como for, a investigação transforma-se numa trapalhada. Toda a suspeita e, muitas vezes, toda a defesa são apresentadas na comunicação social, subvertendo o processo penal.
A professora de Direito Penal, Fernanda Palma que já foi juiza do tribunal Constitucional e através de Rui Pereira, seu marido, pôde in illo tempore ( designadamente como ministro que autorizou o disparo mortal do sniper contra os bandidos que sequestraram pessoas num assalto a um banco) aperceber-se de outras particularidades que contendem com esta problemática do segredo de justiça, continua a dar na burrinha e ela a fugir cada vez mais. Acresce que aquele mesmo Rui Pereira, antes de ser ministro ainda foi membro de comissão de revisão do CPP, e portanto aquela devia pensar melhor sobre esta matéria de segredo de justiça.
Indigna-se por escrito pelo facto de a divulgação de diligências de busca a casas de pessoas colocarem em causa o bom nome dessas pessoas.
Como Fernanda Palma sabe muitíssimo bem, a raison d´être do segredo de justiça processual não é apenas essa e nem sequer é essa a mais importante. Nunca vi alguém que se indignasse pela violação de segredo de justiça em casos mediáticos, fazê-lo pelo verdadeiro motivo que o sustenta processualmente e que é garantir a eficácia da investigação, impedindo que suspeitos fiquem a saber previamente que o são e que irão ser alvo de providências para determinar se o continuam a ser. E digo assim porque Fernanda Palma também sabe muitíssimo bem que a investigação também pode assumir essa vertente de "limpar" o nome de alguém que por qualquer motivo acabou nas bocas do mundo. É uma investigação à charge e à décharge. Contra o suspeito mas também a favor se tal se justificar. Tal sucedeu no caso recente de Medina Carreira em que este violou expressamente esse segredo de justiça para efectivamente limpar o seu bom nome. E fez bem, como já aqui escrevi, ponderando dois interesses em conflito.
Aliás, em sede de julgamento repete-se essa faceta embora noutra vertente, porque o MºPº em Portugal não é estritamente uma parte no processo, com a incumbência de defender uma versão dos factos que se lhe impõem pela acusação. Pode chegar a conclusão diversa e pedir a absolvição daquele que acusou.
Há desde logo motivos de desconfiança e suspeita acrescidos para ajuizar estas preocupações garantísticas a propósito do tal "bom nome" de buscados ou suspeitos ou escutados ou alvo de diligências. Um desses motivos evidentes é a circunstância de os defensores desse bom nome só o fazerem quando ficam expostos na praça pública os nomes de pessoas que de algum modo lhes são afectos, por motivos de índole diversa, incluindo pessoal, de amizade ou de afinidade político-partidária. São essas as razões quase exclusivas que justificam escritos como os de Fernanda Palma, embora apareçam muito bem disfarçadas.
Nunca se preocupam ou exteriorizam indignação pela violação de segredo de justiça em crimes mais comuns à populaça e relatados profusamente em jornais populares tipo Correio da Manhã, campeão presuntivo dessas violações sistemáticas e onde Fernanda Palma escreve todos os Domingos, convivendo assim muito bem com escritos deste teor, ao mesmo tempo que na página ao lado ou até na mesma se pratica com todo o esmero o que é vituperado.
Nenhuma atitude coerente é tomada nesses casos pela cronista ou outros preocupados, para afirmar um protesto que não se afigure tão hipócrita como por vezes aparenta.
Por outro lado avulta o lado prático desta questão que dá o recorte claro da hipocrisia que afirmo.
Uma diligência de busca ou de escuta telefónica que a precedeu, no caso do processo penal português têm características próprias que as modificações legais introduzidas em tempos relativamente recentes ( até pelo próprio Rui Pereira) tornam quase surreais e que se efectuaram em nome de ainda mais garantias.
Hoje em dia, qualquer busca na habitação tem que ser devidamente justificada e com factos que se tornam quase uma acusação preliminar ao suspeito ou pelo menos uma explicação detalhada e factual dos motivos por que se realiza tal diligência. Entre esses motivos ficam a constar, no papel que se entrega ao buscado, os indícios e motivos da prática de crimes que se evidenciam ainda em modo indiciário mas já suficientemente plausíveis para a justificar.
Esses motivos factuais acompanhados das razões legais constam por vezes de páginas e páginas, como acontece geralmente nos casos mais mediáticos e que envolvem personagens da vida pública que assim se tornam alvo da curiosidade mediática, aliás compreensivelmente.
Como dizia em tempos Germano Marques da Silva, um dos penalistas que consagrou estas soluções processuais, seria impossível e até insensato manter segredo de justiça estrito, em casos que tais porque as pessoas e o público em geral não o entenderiam.
Portanto, tenho para mim e Fernanda Palma no fundo também assim o entenderá que é impossível manter o segredo de justiça nestas circunstâncias conjugadas: interesse público evidente no conhecimento do que se passa nos casos mediáticos que envolvem políticos, por exemplo; e oportunidade concedida pelas leis processuais em permitir a ampla especulação jornalística derivada da leitura dos longos justificativos para as diligências realizadas.
Pretender subtrair ao conhecimento da opinião pública tais "mandados" e respectivo teor, depois de terem sido distribuídos e entregues aos visados, com base no princípio da não violação de segredo de justiça é manifestamente irrazoável, atentas as exigências democráticas de conhecimento público de actos imputáveis a representantes do mesmo público, ou povo. É um direito que lhes assiste; é por isso que se garante a liberdade de informação e expressão e pretender coarctar esses direitos redunda em soluções não democráticas, com a censura, por exemplo.
A Censura no tempo do Estado Novo e do Estado Social de Marcelo Caetano justificava-se para além do mais nisso mesmo: na garantia de não ofensa do bom nome das pessoas, caso se permitisse a divulgação de tudo o que presumivelmente interessasse a quem publica notícias.
Portanto, pretender como Fernanda Palma faz, esconder certos factos conhecidos por dúzias de pessoas, como no caso recente das buscas no processo Monte Branco, da maioria das demais pessoas que nisso têm interesse em saber torna-se incompreensível neste contexto.
Aliás só se compreende naqueloutro entendimento que comporta a tal hipocrisia: como são pessoas das nossas relações de amizade, familiar ou política, já se justifica toda a censura, mesmo sob a capa de "segredo de justiça", inviolável nestes casos mas noutros de portas escancaradas e sem uma onça de indignação.
5 comentários:
neste ex-cavacado rectângulo há bufos 'por todos os lados menos por um chamado istmo'.
a esta gentinha da política de esquerda volver, recordava uma quadra já velha no meu tempo de Coimbra
'do pai que é general
tem o retrato na sala:
mas da puta que o pariu
não tem retrato ... nem fala'
"Aliás, em sede de julgamento repete-se essa faceta embora noutra vertente, porque o MºPº em Portugal não é estritamente uma parte no processo, com a incumbência de defender uma versão dos factos que se lhe impõem pela acusação. Pode chegar a conclusão diversa e pedir a absolvição daquele que acusou."
Isto além de bestial dá para tudo...uma verdadeira "festa"!
Caro josé, creio-o jurista e por isso perceberá perfeitamente o que quero dizer: uma coisa, pacífica, é o segredo de investigação: não se compreenderia que se soubesse que se ia proceder, por exemplo, a uma busca e, muito menos que um jornal publicitasse tal intenção - o que nunca aconteceu, aliás. Feita a busca, porém,não há motivo para que não se saiba. É assim na Alemanha, ou nos Estados Unidos ou na Grã-Bretanha. O "segredo de justiça" tal como foi desenhado é incompatível com uma democracia moderna.
CM. Claro que é assim embora pudesse ser diferente.
Mas o curioso é que os indignados da violação do segredo são-no apenas depois das diligências realizadas. Preferiam que nada se soubesse como antes de 25 de Abril efectivamente não se sabia à escala que hoje é possível.
Evidentemente que para tal suceder só mesmo com Censura prévia, como existia.
Por outro lado a lei processual acolhe tal posição censória e como para o republicanismo laico a ética corresponde à lei, temos que é por isso que se manifestam. Têm a leizinha que os protege e agarram-se a ela com unhas e dentes.
Enviar um comentário