Entrevista de Jaime Nogueira Pinto ao jornal i de hoje. JNP é um dos poucos que fala sobre o nosso passado histórico, anterior a 25 de Abril de 1974 de um ponto de vista crítico da visão que a Esquerda nos deu ao longo de décadas.
Na entrevista, aliás, repete uma ideia que tenho procurado passar por aqui, no que escrevo: "no fim do Estado Novo a batalha cultural já estava ganha pela esquerda, toda esta gente já era resistente há muito tempo, parecia que tinha o poder."
Imagem da revista Cinéfilo de 6.4.1974
Exactamente. Imediatamente antes de 25 de Abril de 1974 houve um concerto no Coliseu que juntou alguns lídimos esquerdistas da canção popular portuguesa, os então chamados "baladeiros", como Manuel Freire e os comunistas encartados já nessa altura, misturados com os syrizas avant la lettre, como um José Afonso e Fausto. Só faltou um outro, José Mário Branco , fugido em Paris e mais outro, Sérgio Godinho, mas mesma situação. Meses depois cantavam já o poder popular...
Quase já em cima de 25 de Abril de 1974 a Esquerda já dominava efectivamente o palco das ideias gerais. O que se passou a seguir, nos meses e anos que vieram, foi apenas a consolidação da ideologia difusa da igualdade, da luta política ideologicamente marcada pela Esquerda, com a aceitação geral de ideia de democracia que admite uma extrema-esquerda totalitária e simultaneamente a rejeição figadal de uma extrema-direita, diabolizada e proscrita.
Esse fenómeno é o exemplo mais relevante dessa ideia particular de democracia que hoje subsiste e é exclusivamente uma contribuição da Esquerda, tal como o foi a promessa constitucional que vigorou durante mais de dez anos de que éramos um país a caminho de uma sociedade sem classes.
A Esquerda conseguiu de tal modo dominar o discurso vigente que passamos a designar como "colónias" o que dantes era apenas conhecido como "províncias ultramarinas" e "guerra colonial" o que era apresentado naturalmente, na única tv, como "guerra do ultramar". Foram essas algumas das expressões que conseguiram permanecer incólumes até ao 25 de Abril, porém logo mudadas no dia seguinte, por influência dessa mesma Esquerda vencedora.
Não obstante, em Janeiro de 1974 as pessoas em geral sabiam bem o que havia para saber e já desconfiavam abertamente que o que a imprensa e media em geral lhes dizia sobre a situação interna em Portugal devia ser visto, ouvido e lido com reservas. Os portugueses não são estúpidos mas foram terrivelmente ingénuos com as ideias de Esquerda que nos desgraçaram durante as últimas décadas e com promessas firmes de continuarem na mesma senda.
A entrevista de JNP dá conta disse e de muito mais e vale a pena ler.
Nacionalista convicto, Jaime Nogueira Pinto aparece preocupado com os
destinos do país. A perda de soberania começou a incomodá-lo logo em 75,
com o fim do império, mas hoje em dia continua a sofrer com a
“desnacionalização política e até empresarial”. Professor, investigador,
escritor, advogado de formação e empresário com negócios em África,
Jaime Nogueira Pinto recebe o i no seu escritório na Baixa de
Lisboa, sobretudo para falar do seu novo livro, “Novembro”. O primeiro
romance do escritor que nem assim consegue fugir à análise da história. O
mês é o de 75, que Nogueira Pinto acredita ter sido decisivo até para o
Portugal que hoje conhecemos. “Desapareceram dois projectos em menos de
duas semanas”, diz. O seu cunho pessoal corre o livro através dos
protagonistas.
Esta sua primeira ficção acaba por ser uma autobiografia romanceada?
Também não é bem assim. Quer dizer, num certo sentido... Nos primeiros
escritos não há ninguém que não meta um bocado de si na ficção, como é
normal. É a nossa experiência do mundo, directa ou indirecta, mas depois
usamos os mecanismos dos personagens. Mas há ali situações históricas,
familiares e até psicológicas que são próximas ou paralelas. Mas isso é a
massa de que se faz a ficção.
Mas aquela decepção com o fim do império era a sua.
Há uma parte histórica que é geracional. É mais do que eu, é a minha
geração política e intelectual. Todo aquele grupo dos miúdos do bunker é
uma repetição de grupos que existiam em Coimbra, Lisboa e Porto. É o
outro lado da medalha, com que muitas pessoas ficaram surpreendidas
porque não sabiam que existia, e passaram por eles milhares de pessoas
entre os anos 60 e 74. Aquilo que chamávamos “nacionalismo
revolucionário” e que outros, ou os próprios, chamavam “fascismo” ou
“neofascismo”. Mas era relativamente pouco conhecido, porque é uma
metade da história que não foi contada.
Por que razão não se ouviu tanto a versão do outro lado da luta?
Porque perdeu. Durante algum tempo fica a cozer a derrota, a lamber as
feridas. Mas, mais do que isso, depois psicologicamente há um sentido de
culpa nos vencidos que é muito curioso. Os vencedores transmitem aos
vencidos esse sentimento. A linguagem para tratar determinadas coisas.
Por exemplo, há três forma de dizer guerra de África: guerra do
Ultramar, colonial ou guerra de África. Há amigos meus, dessa geração,
que dizem guerra colonial e depois corrigem... são vencidos... E em
Portugal ainda mais.
Porquê?
Pelo facto de o poder ter ciclos de longa duração (a Primeira República
durou 16 anos, o Estado Novo 48 e este vai em 38). Por exemplo, no fim
do Estado Novo a batalha cultural já estava ganha pela esquerda, toda
esta gente já era resistente há muito tempo, parecia que tinha o poder.
Bom, mas não sei. Podia ter havido mais gente a escrever, mas não. Olhe,
escrevi eu, paciência.
De certa maneira até nesse lado houve ali a assunção de que alguma coisa tinha de mudar?
Havia. No livro, o Henrique é uma espécie de pós-consciência e tem a
noção disso. Diz uma coisa que eu sempre achei: que o regime tal como
estava funcionava com Salazar e não podia funcionar com mais ninguém,
tinha instituições mas eram personalizadas.
No final, outro personagem, o Eduardo, diz que perderam a todos.
De facto perdemos, se fizermos um rapport à actualidade...
Mas um dos lados ganhou claramente e impôs uma ideologia.
Houve uns que ganharam e tomaram conta disto estes anos todos, são os
antifascistas. A cultura política portuguesa vive muito do anti. A força
da Primeira República era serem contra uma coisa que as pessoas também
já achavam fragilizada (sobretudo perante a questão dos ingleses e o
Ultimato). Os republicanos dominam, de facto, e o Afonso Costa faz uma
lei eleitoral à medida, tirou o voto aos analfabetos e as cidades
dominaram o resto. Depois fizeram tantas ou tão poucas que veio o 28 de
Maio. E depois veio o Salazar, que era bastante popular no princípio.
Como?
É uma coisa curiosa que vale a pena lembrar nesta altura por causa das
medidas financeiras. Salazar a governar em ditadura apoiado pelo
exército explicava tudo o que estava a fazer.
Isso hoje não acontece?
Hoje não vejo explicar muito. Quer dizer... ele explicava tudo e dava
contas para que serve, ao que se deve, ao que está, ao que vai custar. É
uma coisa interessante.
Mas nessa altura a informação era escassa. Agora essa prestação de contas continua a impor-se da mesma forma?
Claro que sim. Portugal é uma nação muito antiga. Às vezes parece um
melting pot de gente primitiva, mas não. É uma nação muito antiga, em
que as pessoas têm consciência da razoabilidade das coisas conhecidas a
tempo e horas. Se lhes forem explicadas as razões, as pessoas reagem de
outra forma, em vez de serem tratadas como uma espécie de spoiled
children, em que as coisas sérias não lhe são ditas.
Informadas ou não, o que é certo é que há uma reacção de pessoas na rua.
As pessoas estão revoltadas e com uma certa razão, porque foi tudo
feito num clima em que lhes foi prometido que era sempre tudo melhor. O
problema do descontentamento é o gap entre as expectativas e as
realidades. Se não fosse assim, as sociedades tradicionais tinham-se
revoltado muito mais cedo. Os que faziam pirâmides para os faraós não
eram tão estúpidos como isso, mas não tinham mais expectativa que
aquilo.
Mas hoje a expectativa é simplesmente negativa. Só mais austeridade.
Mas eles não tinham nenhuma. A revolta surge quando as pessoas ganham
consciência de uma situação real ou imaginária de injustiça ou
iniquidade. Mas depois tem de haver um grupo político, se não a
indignação não serve para nada. E há outra coisa: as pessoas estão
revoltadas, mas depois vão para que lado? Para o PS outra vez? Ou para o
Bloco de Esquerda?
Mas tem de continuar a ser pela via dos partidos?
Em democracia pode ser através de quê? Os movimentos cívicos são
modelos de rebeldia. São os rebeldes. Estão autonomizados da revolução,
que tinha uma consciência alternativa, um comando político e uma ideia
de sociedade futura. Os rebeldes revoltam-se contra o que está. Não têm
plano alternativo. E também já temos consciência histórica disto:
tiramos estes de lá para quê? Para pôr o Seguro? Ou pôr movimentos
inspirados por figuras da República já na reforma? É essa perplexidade
que as nossas sociedades vivem.
Há um bloqueio então?
A indignação leva a algum lado, mas também ninguém quer a indignação
dos tipos que queimam caixotes do lixo... Há uma retórica anti-sistema
que hoje é um bocadinho patética porque não é nova. Já vimos os 68
todos, os surrealistas todos. Há, de facto, um bloqueio. Mas há um
problema mais vasto, de profunda decadência da Europa. Portugal tem a
dupla: a decadência da Europa e a sua própria decadência. Mas a mensagem
oficial nunca foi essa, nem aqui nem na Europa.
Mas já assistiu a algum bloqueio assim na história?
Nós em Portugal temos sempre uma coisa que é a síndrome de ter tido uma
história de muito protagonismo e termos deixado de ter. Andámos sempre
às voltas a tentar saber porque é que foi assim. Tivemos dificuldade em
recuperar e depois falamos sempre das coisas piores. A única
descolonização que fizemos sem pressão foi a do Brasil, e correu bem.
Portanto tudo isso é um bocado traumático. A história actual também
traumatizou muito. O facto de termos tido um regime autoritário fora de
época também deu à esquerda uma ideia de permanente vitimização que
também lhe dava legitimidade para dominar cultural e ideologicamente. É
isso que as personagens do “Novembro” rejeitam, não queriam aceitar essa
legitimidade.
Esse mês em 75 foi decisivo para a história actual?
Foi. Embora aquilo [refere-se ao livro “Novembro”] seja um romance e o
que interessa são os destinos das pessoas, mas essas pessoas
interiorizaram o fim do império, como na esquerda se interiorizou o fim
da revolução. Em pouco mais de duas semanas desapareceram dois projectos
diferentes mas alternativos ao que está, e isso foi importante.
A história devia ter sido outra?
Sei lá... What if? E se Napoleão tivesse morrido cedo? E se não
houvesse revolução bolchevique, como seria a história do século xx? E se Hitler em 1923, em Munique, tivesse levado um tiro na cabeça?
Mas em 75 foi muito radical e disse logo “Portugal acabou”...
Pois disse. Um certo Portugal acabou naquele dia e eu estava convicto disso. Hoje há outro que é o que está aqui.
Melhor?
Não! Isso não é. É outro.
Ainda sofre com a perda de soberania nacional?
Não. Se sofresse era um doente crónico. As pessoas que mais sofreram
com o fim do império foram as que voltaram lá de outra maneira e com
respeito e consequência. É evidente que foi uma grande perda, mas todos
os povos europeus passaram por isso.
Era inevitável?
A esta distância racionalizamos sempre o acontecido. Quem não o faz
corre um risco humana e politicamente relevante. A maneira de
continuarmos a viver é dizermos que era inevitável.
Mas manter colónias era contra o correr do jogo. Já estávamos isolados.
A partir do momento em que nenhum Estado europeu tinha territórios
ultramarinos, a partir do momento em que tínhamos um modelo exótico, era
uma questão de tempo sermos vencidos e bastava existir uma alteração
brusca da situação para tudo desaparecer como desapareceu rapidamente.
Mas podia ter acontecido de outra maneira. Os partidos eram totalmente
indiferentes ao que se passava lá, tirando o Partido Comunista, que
queria que fosse um partido com as suas afinidades a ganhar o poder. Os
militares não tinham ordens. Os antifascistas tiveram responsabilidades
humanas pelo que se passou. Tinham a mania que era uma coisa do Salazar.
Mais tarde essa gente ficou muito contente e descobriu a lusofonia, mas
na época era isso.
Eu quando lhe perguntava se ainda sofre com a perda de soberania era a pensar nos dias de hoje e no tal directório europeu.
Ai isso sofro! Isso é uma causa como a do 1.o de Dezembro. Mas nós não
vamos perder porque nada disso se vai fazer, não vai haver qualquer
espécie de entendimento na Europa.
Porque tem essa convicção?
A indiferença perante a soberania política aparece muito do lado da
Alemanha. O único país que tem escolha entre uma Europa federal e uma
Europa desfeita é a Alemanha. Os estados que têm formação histórica de
estado nacional não querem perder soberania. Para os que não têm essa
forma, como a Bélgica ou até Espanha, a questão da soberania não se põe
nesse termos. Nas classes políticas dominantes há uma preponderância dos
federalistas e europeístas, mas muito maior que nas populações. A
soberania e a independência nacional são a coisa mais importante que há.
Mas está garantida, tendo em conta a oposição das populações?
Não, está dificílima. Há uma desnacionalização enorme das classes
políticas e também das empresariais. Por exemplo, a forma leviana e
tonta como se acabou com o 1.o de Dezembro como feriado, um dia
fundacional, que acabou na página de um decreto sobre legislação do
trabalho, não lembra a ninguém. Dá um sinal de grande inconsciência
política e é assustador.
Mas até aí seguimos uma directriz externa...
Mas podiam ter escolhido outro e, dos feriados civis, o último a acabar
era este. Sem o 1.o de Dezembro não havia nenhum dos outros, é uma
questão de lógica aristotélica.
E com esta carteira de privatizações, algumas já em curso, também se põe em risco a soberania?
Claro. Aqui fez-se uma destruição sistemática de tudo. Esta gente...
poder ou oposição, evoca o factor nacional quando lhe dá jeito, mas
depois não tem noção do que é a perda de poder. Na esquerda houve a
ideia de que para ser nacional tinha de ser público, e com isso fez se
aquele equívoco nas nacionalizações de 75. Foi pura estratégia
revolucionária dos partidos comunistas que os outros partidos seguiriam.
São os tais azares históricos, começámos a trazer para aqui um regime
do tipo soviético, ou a tentativa dele, dez anos antes de Gorbachov
começar a desmantelar o comunismo na União Soviética. Agora é evidente
que com esse modelo espoliámos as classes nacionais e o país
descapitalizou. Já num modelo económico capitalista, não gostámos dos
nossos capitalistas, que melhor ou pior eram portugueses, e fomos
entregar tudo a capital anónimo.
Anónimo como?
É internacional, são directórios. Somos nós os colonizados.
Há aqui uma fina ironia. A palavra “colonizado” quando um dos principais investidores é uma ex-colónia.
Apesar de tudo talvez esse seja aquele capital que é menos estrangeiro,
porque em alguma coisa histórica tem a ver connosco. Mas, por exemplo,
os asiáticos já são anónimos. Os próprios grandes conglomerados
financeiros já são eles próprios anónimos. Há o problema da inveja, que é
muito complicado. Destruímos a classe empresarial para irmos parar às
mãos de outras que não sabemos bem quem são nem de onde vêm.
Também se junta às vozes preocupadas com a entrada de capital angolano no país?
Não vi, até agora, que esse investimento tenha tido consequências
danosas ou se tenha metido na direcção do país mais ou menos do que
quaisquer outras criaturas.
Mas a experiência não está feita: de repente ex-colónias a “sustentarem” os antigos colonizadores. Prevê as consequências disso?
A percentagem do investimento angolana na economia portuguesa é de 4%
ou 5% e sobretudo não vejo que haja um comando, não vejo que seja parte
de um master plan. Até agora não vi que houvesse uma direcção
estratégica no sentido de dominar a política portuguesa.
Na privatização da RTP, por exemplo, trata-se de mover influências?
Não sei, nem sei como vai ser. Mas há uma coisa que hoje se sabe: um
órgão de comunicação que seja telecomandado não serve para nada, não
serve para esses interesses, só serve enquanto é oculto. Um meio de
comunicação que seja essencialmente visto como um instrumento para uma
coisa deixa de se valer para essa coisa.
Parece uma perspectiva optimista da comunicação social.
É esquisita vinda de mim, não é? Bom, mas agora a questão é se o resto serve para muito. É a outra parte da frase.
É um motivo de preocupação em Portugal, a liberdade de imprensa?
Não vejo. Acho mais importante a perda progressiva da maior parte dos
centros de decisão e acho horrível a indiferença com que se vê isso
acontecer. Acho que há uma profunda desnacionalização das pessoas e das
consciências. Isto foi tudo feito em nome da economia e as pessoas ainda
não viram sequer que, mesmo do ponto de vista económico, se perderem a
identidade e a independência nacional vão ser uma espécie de
trabalhadores por conta de outrem, de escravos, e não sabem de quem. E
fizeram isto tudo alegremente em nome da liberdade, da democracia e da
igualdade, sem perceberem que o país vai estar cada vez mais dependente e
vai ser cada vez menos importante. Nos anos 60 podia ser mal visto, mas
era um país importante.
O nacionalismo morreu? Se há essa carência porque não aparece?
Apesar de tudo, o regime com essas pessoas que se identificavam acabou
há menos tempo do que no resto da Europa e houve uma demonização
tremenda destes grupos. E as pessoas que o podiam ter feito não fizeram,
fizeram outras coisa.
O quê?
Escreveram livros sobre isso [risos].
Mas não há quem os substitua?
Não sei.
É descrente em relação à nova geração?
Não. Há gente nova que estuda, tem cabeça e consciência nacional: não tenho nada essa ideia apocalíptica.
Mas onde estão? Nos partidos?
Não, isso não. A escrever nos jornais, na comunicação social.
Mas se é dos partidos que tem de partir a mudança...
Pois, mas têm de ser eles a fazê-lo porque ninguém se salva por
procuração. Por acaso no cristianismo é o contrário, nós salvamo-nos
pelos méritos de Cristo. Mas politicamente ninguém se salva por
procuração. As gerações têm de tratar delas mesmas.
Mas há falta de cultura política?
A nossa geração, e mesmo à esquerda, tinha cultura política, e hoje
não. Mas isso não sei se é culpa das “Casas dos Segredos” ou da
televisão. Naturalmente é dos liceus, que deixaram de os pôr a ler. Mas
há gente nova que pensa e debate, talvez a política não lhes interesse
tanto como nos interessava a nós, mas também a política já não é assim
tão importante. Há uma frase que é uma treta que é “nas democracias há
sempre soluções”, mas é um bocadinho verdade, ela passa para o colectivo
a responsabilidade das coisas.
Estamos em fim de ciclo?
É capaz. Aliás, eu diria mesmo que Deus queira que seja. Se não acaba o ciclo, acaba o país.
E o que vem a seguir?
Não sei.
Em Novembro de 75 sabia.
Intuíamos.
Mas agora nem isso. Não é preocupante?
Sim, mas agora também temos esta ideia da paz, a paz perpétua. No caso
português... bom, os brandos costumes foram uma expressão de Salazar,
antes Portugal era muito violento. A grande violência do pós-25 de Abril
foi passada para o espaço colonial. Mas hoje temos muita violência
social, basta ler com atenção os jornais mais populares. A violência
privada em Portugal é muito forte. A ideia de que o português é pacífico
e ordeiro não é tanto assim.
Mas pode surgir na rua?
Não, porque a violência política tem de ser organizada e não há nenhum
grupo neste momento. Os grupos esquerdistas têm uma linguagem muito
incendiária. O país também perdeu a independência de ter soluções
próprias até nesse sentido. Essas soluções de ruptura, para os pequenos
países, estão cortadas.
Vai cair outra vez no radicalismo de dizer que o país acabou?
Não... mas eu hoje já sei que os países não acabam assim tão
facilmente. E o tempo dá outra perspectiva das coisas e talvez tire
alguma radicalidade, que também era boa... mas agora deixei-a para os
livros.