Tal facto só agora chega aos media, no caso o i, devendo presumir-se que se encontra já enterrado e bem enterrado no interesse mediático da generalidade dos jornais caseiros. E no entanto, algo haverá a dizer de tal caso singular, que no meu entender, constitui um exemplo de "crise da Justiça", a verdadeira.
Pela leitura do artigo se percebe que nem todos os juízes são iguais e nem todas as mentalidades judiciárias se conformam com uma certa rotina de entendimento da prova e do seu significado em processo penal.
Não se trata de mais um exemplo do aforismo popular "cada cabeça sua sentença", mas de um fenómeno recorrente nos tribunais portugueses, decorrente da filosofia originária do código de Processo Penal, da escola de direito penal de Coimbra, em que a dificuldade de comprovação em julgamento, de factos ocorridos, é exponenciada pelas exigências de garantias ultra legalistas e quase vinculadas a um estrito leque de opções cifradas e catalogadas em modo taxativo.
O princípio da livre apreciação da prova, em direito penal segundo a escola de Coimbra é subsidiário de uma vinculação temática balizada pelas garantias ultra limitativas da realização plena da Justiça.
Em termos práticos o que o senso comum diz pode esbarrar em conceitos jurídicos vinculativos da prova que se pode produzir em julgamento e tal é absurdo porque conduz à injustiça mais frequentemente do que aquilo que pretende evitar: justamente essa injustiça.
O princípio de senso corrente de que "mais vale absolver um culpado do que condenar um inocente", em Portugal atinge foros de dignidade supra constitucional e é a melhor desculpa para os tribunais e certos juízes timoratos se refugiarem num prático non liquet, por dificuldade em perceberem e aceitarem como certos os factos que só podem estar certos, mas cuja dúvida se encontra sempre nas versões de arguidos espertos, feitos chicos com advogados ainda mais espertos e que exploram até ao tutano legal as falhas do sistema de Justiça.
Pela leitura do artigo se percebe que o arguido mai-los outros só não foi condenado por causa da dúvida que pelo menos uma juiza que apreciou a mesma prova não teve. E escreveu-o explicitando porque a não teve: há factos cuja prova só indirectamente se pode fazer e nesse caso é necessário atender particularmente a esses elementos de prova indirecta que resulta de depoimentos conjugados e apreciados segundo o senso comum e as regras de experiência comum a todas as pessoas.
Estas regras de experiência permitiram que vários comentadores mediáticos, mormente um insuspeito Sousa Tavares não tivesse dúvidas da culpabilidade no caso, ou seja da existência de corrupção pura e simples.
Esta ideia de recurso a regras de experiência comum e a prova indirecta, bem calibrada, claro está, não é muito antiga e têm-se destacado na sua divulgação, como método de aplicação de Justiça, evitando os alçapões das dúvidas sem sentido mas com apoio legal, juristas como Euclides Dâmaso, PGD de Coimbra e pessoa com muitissima experiência prática e teórica nestes assuntos e também o Conselheiro do STJ, Santos Cabral o tem feito com muita acuidade jurídica. Curiosamente é o relator de um acórdão que é citado ( mal, a meu ver) no artigo sobre a impossibilidade de recurso do MP em caso de ter anteriormente assumido posição contrária.
Este recurso à prova indirecta permitiria em muitos casos atingir a Justiça real, material e evitar as armadilhas do formalismo processual, muito do agrado de certos magistrados que assim ficam mais sossegados porque preferem mesmo absolver culpados, por tresandarem inocência nas prova que apresentam...e permitirem tal justificação.
Assim, o que é a "prova indirecta" cujo uso deve ser incentivado e proclamado jurisprudencialmente e como modo de evitar o "direito penal de Coimbra" e as suas dificuldades ultra-garantísticas que têm provocado mais danos à Justiça do que aqueles que pretende evitar?
Aqui se dá conta do assunto, em modo sucinto e esclarecedor, para quem quiser ler.
Essencialmente é isto, segundo o estudo citado:
Incide sobre factos diversos do tema de prova, mas que permitem, a partir de deduções e induções objectiváveis e com o auxílio de regras da experiência, uma ilação da qual se infere o facto a provar.
Na prova indiciária, mais do que em qualquer outra, intervêm
a inteligência e a lógica do julgador.
Pressupõe um facto, demonstrado através de uma prova directa,
ao qual se associa uma regra de ciência, uma máxima da experiência ou
uma regra de sentido comum.
Permite a elaboração de um facto-consequência em virtude de
uma ligação racional.
Destaco a menção a ao reparo de que "mais do que em qualquer outra, intervêm
a inteligência e a lógica do julgador."
Ou seja, tendo em conta que as pessoas que julgam em primeira instância, incluindo o procurador do caso, são inteligentes, o facto de não o terem parecido, torna-se problemático para a consciência jurídica de quem aprecia a decisão e permite uma suspeição ainda mais terrível: o de não terem querido sê-lo.
Por este motivo, o caso concreto deveria ter sido submetido a apreciação de um tribunal superior, desde logo porque houve um julgador que não concordou com a decisão, o que sendo legítimo, perante as dúvidas suscitadas deveria alertar o MºPº para o desprestígio para a Justiça que significa verificar que houve uma atitude de desconsideração por aquele método de recurso a prova indirecta, aparentemente abundante e precisa no caso concreto, segundo se depreende pela argumentação da juíza.
Segundo o artigo em causa, o recurso para a Relação encontra-se impossibilitado pela posição processual do procurador do caso ( Luís Eloy que foi professor no CEJ), porque segundo escreve a jornalista haveria jurisprudência a tal impedir, sendo essa jurisprudência do próprio Conselheiro Santos Cabral um dos maiores defensores da prova indirecta e que o tem proclamado em público, em conferências etc.
Ora não me parece que o tal acórdão impeditivo o seja de verdade. O acórdão é este. Porém o que estava em discussão no caso era uma posição processual do MºPº assente no processo e com um relevo muito diferente da posição que alguém do MºPª assume em alegações finais.
Como é sabido, no caso concreto, o procurador teceu considerações finais, em sede de alegações orais, sobre a prova mostrando até que "seria uma opção pessoal bem mais tranquila, mas em base da prova produzida seria uma cobardia processual"...pedir a condenação. E por isso pediu...a absolvição.
O que valem alegações orais finais em casos penais? Pouco. Nem sequer ficam registadas nas gravações. Os juízes dos tribunais, mesmo e principalmente os superiores, não ficam de modo algum vinculados a ouvir ou a saber o que disse o procurador nas alegações. É uma mera opinião. O artigo 360 do CPP explicita o que são:
1 - Finda a produção da prova, o presidente
concede a palavra, sucessivamente, ao Ministério Público, aos advogados
do assistente e das partes civis e ao defensor, para alegações orais nas
quais exponham as conclusões, de facto e de direito, que hajam extraído
da prova produzida.
Significa tal que o MºPº fique vinculado a tal posição? E se ficar calado e se limitar a pedir justiça ( como deveria ter feito o procurador em causa, no meu entender)?
Julgo portanto que a a jurisprudência ( e não há actualmente jurisprudência obrigatória, como dantes) não o impediria e que em consciência o procurador em causa, para não se sentir acobardado mais uma vez, deveria ter pedido ao superior hierárquico ( no caso Francisca Van Dunen, da PGD de Lisboa) para apreciar pessoalmente a possibilidade e conveniência de recurso para se mostrar que a Justiça em Portugal é cega e igual para todos.
É este o meu parecer s.m.o. , de mero cidadão atento a esta realidade que nos mostra a Justiça como sendo um dos campos da sociedade em que os cidadãos menos confiam. E, por mim, por causa destas e doutras.
Mais do que dever ser o procurador do processo a pedir superiormente que fosse apreciada a conveniência do recurso, creio que devia ter sido a própria hierarquia do Ministério Público a ter dado ordens de que fosse interposto recurso, ou pelo Procurador do processo ou por outro Procurador que teria de ser destacado para o efeito.
ResponderEliminarComo fica o Ministério Público - enquanto "corpo" - neste processo?
Fica mal, muito mal, na fotografia.
Havia todos os fundamentos para que fosse interposto recurso desta decisão, mais ainda se existe um voto de vencido de um dos juizes.
Se o tal Eloi não recorreu, obviamente que a "hierarquia" dele ou lhe tinha dado a ordem para o fazer ou, como disse, nomeava alguém para interpor tal recurso.
Esta inacção é que não pode ser e deixa muitas suspeitas sobre o próprio Ministério Público.
Não apenas sobre o Elói - sobre este, são mais que muitas esas suspeitas - mas sobre todos os que estão acima dele e que nada fizeram também.
A hierarquia é Francisca Van Dunen, PGD.
ResponderEliminarDevia explicar o que se passou. Se alguém lho perguntar, o que duvido muito que aconteça.
Aliás, porque é que Sílvia Caneco não perguntou, porque até escreveu um artigo interessante?
E acima da Francisca, PGD, não está a Joana, PGR?
ResponderEliminarNão podia/devia esta ter determinado alguma coisa, no caso?
Penso que não. A Francisca Van Dunen tem a obrigação de intervir neste caso e esclarecer porque a repercussão social que já atingiu é justificativa de tal.
ResponderEliminarClaro que se a Francisca não intervier, a Joana deveria fazê-lo. A bem da Justiça, pedindo explicações.
ResponderEliminarMas...ou muito me engano ou não vai acontecer nada disso.
ResponderEliminarÀs tantas ainda acontece a quem comenta...o que seria verdadeiramente extraordinário.
Aí então é que o caldo se entornava.
ditado antigo
ResponderEliminar« o mar bate na rocha,
mas quem se aleija é o mexilhão »
quem é grande tem sempre razão
Levanta sempre suspeitas quando um Procurador pede a absolvição do arguido. Suspeitas que se avolumam face a certas "coincidências" da natureza familiar, profissional, ou outras de certos arguidos.
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