Uma das sugestões feitas é a possibilidade de poder fazer escutas a jornalistas e realizar buscas nas redações, de forma a apreender computadores e blocos de notas. A PGR quer também que seja introduzido um sistema de multas pesadas para jornalistas e órgãos de comunicação social, que permita ainda decretar a suspensão da atividade profissional para quem nas redações violar o segredo de justiça.
Ainda não li o relatório de cem páginas sobre a matéria em apreço. Porém, devo dizer que tem toda a lógica a proposta efectuada pelo inspector-relator, de permitir que o crime de violação de segredo de justiça possa ser investigado com recurso a escutas telefónicas. Para tal bastaria que a moldura penal abstracta o permitisse. Actualmente, a pena para a violação desse segredo é de prisão até dois anos ou multa até 240 dias. É uma peneca, como se costuma dizer e nunca alguém irá preso por isso. Por outro lado, não é possível ouvir telefones e verificar telefonemas para se investigar tal crime porque a lei processual não o permite. Como se escreve neste acórdão do STJ, de 2009 e de fixação de jurisprudência:
Artigo 187.º
Admissibilidade
1 – A intercepção e a gravação de conversações ou comunicações telefónicas só podem ser autorizadas durante o inquérito, se houver razões para crer que a diligência é indispensável para a descoberta da verdade ou que a prova seria, de outra forma, impossível ou muito difícil de obter, por despacho fundamentado do juiz de instrução e mediante requerimento do Ministério Público, quanto a crimes:
a) Puníveis com pena de prisão superior, no seu máximo, a 3 anos;(...)
Porém, apesar da definição do que é e significa o segredo de justiça, atentas as dificuldades em circunscrever o ilícito em toda a sua dimensão e compreensão das restrições, particularmente depois da reforma processual de 2007, abrangendo jornalistas e notícias, é necessário algum cuidado, como refere a PGR. Como se escreveu aqui, em 2008, neste acórdão da Relação de Coimbra:
"Em suma, do art. 371, nº 1, do Código Penal resulta um dever penal autónomo de não praticar uma conduta (dar ilegitimamente a conhecer) em função dum certo objecto (teor de acto processual sujeito a segredo de justiça ou outro regime de reserva), e não um dever condicionado vinculação processual decorrente do art. pela 86, nº 4, do Código de Processo Penal"[5].
O âmbito material do art. 371 abrange a revelação do teor do acto processual mas não divulgação do facto histórico da a mera ocorrência do acto em si mesmo.
Sendo assim, das duas uma: ou se altera a medida abstracta da pena para permitir tais escutas e consultas de telefones, ou se permite expressamente, incluindo tal crime no catálogo dos que são possíveis de investigar com escuta, incluindo por isso as redacções e os jornalistas. Será que o crime em causa vale o esforço? Por mim, acho que não e passo a explicar.
Porque é que se torna importante fazer tais escutas nestes casos? Parece-me óbvio uma vez que actualmente tudo se faz ao telefone, principalmente o trabalho jornalístico.
Por outro lado tudo isto releva de uma grande hipocrisia dos preocupados de sempre com as escutas . Os casos mais falados relativamente a violações de segredo de justiça são os mediáticos, com personagens políticas ou sociais. São esses e apenas esses. Ora em alguns desses casos é perfeitamente estulto pensar que se deverá manter o segredo de justiça ad aeternam, porque a voracidade mediática não o permitiria nunca.
E daí a hipocrisia: quem se queixa das violações de segredo de justiça muitas vezes fá-lo perante os mesmos órgãos de informação que cometeram a violação e se deixam ficar mudos e quietos comos e nada fosse com eles...
Uma coisa é certa: o famigerado "interesse público" na maior parte dos casos é interesse jornalístico em vender papel ou captar audiências e mais nada. Uma boa parte das violações recentes do segredo de justiça era perfeitamente escusada em nome do interesse público inexistente objectivamente.
Mas dizer isto a um jornalista é pior que cuspir-lhe na sopa...
Volto a citar um caso gravíssimo de violação de segredo de justiça, recente e que ficou impune: o da comunicação aos suspeitos do Face Oculta do facto de estarem a ser escutados, por altura do S. João de 2009. O inquérito correu termos no DIAP mas as conclusões ficaram...em segredo de justiça porque os jornalistas perderam o interesse que era um interesse público da mais alta relevância.
É ou não uma hipocrisia aquilo a que assistimos neste aspecto?
"Volto a citar um caso gravíssimo de violação de segredo de justiça,..."
ResponderEliminarE do caso da Moderna, não se lembra?
Os jornalistas são como a maioria dos cidadãos: devem ser escutados, acusados e julgados se suspeitos de crimes de "catálogo" para isso. Devia ser assim para todos, mas não é. Toda a gente sabe que há uma casta acima desses incómodos. Um dos padrinhos do nosso regime sintetiza bem o problema, entre pares: "Aos nossos amigos tudo, aos nossos inimigos nada, aos restantes aplique-se a Lei".
ResponderEliminarA primeira hipocrisia é transformar a violação do segredo de Justiça no maior dos crimes, num regime em que roubar o Estado se tornou comum e que regularmente entre em bancarrota.
Mas talvez valesse a pena pensar duas vezes em escutas e buscas ao bloco de notas dos jornalistas. Isso significaria o fim de uma confidencialidade estratégia para a Democracia, muito para lá das fontes sobre processos judiciais.
E depois, como será? Arriscar-se-á o médico, o funcionário público, o contabilista a denunciar o que sabe sobre os ladrões acima dele? A resposta é: NÃO! Fim da linha.
Parece-me um preço absurdo a pagar pela campanha do sistema corrupto em torno do segredo de Justiça.
CE.
ResponderEliminarConcordo com o que escreve. Com uma nuance: em crimes graves tal não é impedimento. Portanto, em crimes como este que não é grave nem nada que se pareça a não ser para os preocupados de sempre ( os que assaltaram o Estado e querem que tiudo fique no maior sigilo) não deve ser autorizada tal coisa.
De resto a lógica do inspector João Rato é compreensível: querem acabar com a violação? Então só com medidas drásticas destas...
O que não quer dizer que devam ser defendidas.
Se o inspector João Rato está preocupado com ervas daninhas, alguém acima dele que guarde a floresta. No dia em que essas escutas e buscas forem "legais" o jornalismo livre acabou. Por mais raro que seja hoje, parece-me grave.
ResponderEliminarO da Moderna não existiu e se existisse já teria prescrito.
ResponderEliminarEste ainda não prescreveu. No entanto noto que está preocupado com aquele e não com este.
É sempre a mesma coisa...
Acho que o inspector João Rato pensará do mesmo modo: se querem acabar com as violações só assim.
ResponderEliminarIsso é diferente de defender que deve ser assim e que as violações são um crime gravíssimo e não uma hipocrisia gravíssima como é.
José,
ResponderEliminar"No entanto noto que está preocupado com aquele e não com este."
Olhe que não, olhe que não! é só para equilibrar. É um tipo de "complementadório", só.
No caso Moderna, já se sabe: ficou tudo muito "negrão".
V sabe o que foi essa violação e como se processou a investigação?
ResponderEliminarSe soubesse talvez não produzisse o comentário que fez.
E olhe que basta procurar aqui neste blog porque escrevi várias vezes sobre isso.
Mas resumo:
Nesse caso, o Fernando Negrão, enquanto director da PJ anunciou praticamente a busca que se iria realizar.
Houve violação de segredo? Houve e o PGR Cunha Rodrigues ( que não se dava bem com aquele porque este Cunha Rodrigues sempre foi mais PS...)instaurou um processo de inquérito e só não foi para julgamento porque os juízes do tribunal entenderam que as provas não valiam processualmente.
Neste caso Face Oculta o inquérito também foi instaurado,mas a investigação deixou muito a desejar. E sabe porquê?
Quer que lhe diga aqui, ou já leu o suficiente para perceber a verdadeira razão?