Nas semanas e meses a seguir ao 25 de Abril de 1974, na imprensa, assistiu-se a uma divulgação ampla e ilustrada dos antros do "fascismo", tal como eram entendidos pelos antifascistas reconhecidos, particularmente os do PCP. As instalações da DGS/PIDE, das prisões onde estiveram presos os opositores comunistas e também, como não podia deixar de ser, um campo de Cabo Verde, transformado em colónia penal ( outros países europeus tinham colónias penais para presos de delito comum), chamado Tarrafal.
Este campo de trabalho, criado em 1936 e destinado a presos de natureza politica, particularmente comunistas, funcionou como colónia penal desse tipo até 1954 e depois disso como colónia penal para presos de delito comum, a partir de 1961.
Atento o relativamente grande número de presos políticos ai encarcerados, comunistas, o Tarrafal é uma espécie de lugar de martírio, evocado pelos comunistas como prova do fascismo do regime de Salazar.
Nos anos a seguir ao 25 de Abril de 74 foram publicados dois livros, pelas edições comunistas Avante e Caminho, evocando tal lugar e recolhendo depoimentos de presos que por lá passaram e onde alguns morreram.
Em 1977, as edições Avante publicaram Tarrafal, campo da morte lenta, de Pedro Soares, com nota prévia de Francisco Miguel, um dos presos nesse campo. Assim:
Este Francisco Miguel, em 1935 tinha estado na União Soviética, a frequentar um curso de formação política, durante ano e meio, precisamente na altura em que se desenrolavam em Moscovo os tristemente célebres "processos de Moscovo", uma gigantesca purga levada a cabo por Estaline e na qual morreram milhares de cidadãos que tinham cometido o crime de discordar do regime e alguns nem isso. Não foi por actividades subsersivas, motivo de prisão por cá, no Tarrafal. Não: foi apenas por dissidência intelectual. Estaline dizimou milhares de cidadãos, incluindo colegas de partido para assegurar um poder cada vez mais absoluto.
Estes métodos e procedimentos, que o tal Francisco Miguel não poderia ignorar, até devido ao clima de terror instaurado em Moscovo nessa altura, nada disseram ao mesmo, de modo a tomar consciencia do carácter totalitário do regime comunista e cuja violência e crueldade nem tinha comparação possível como regime de Salazar. Nem isso teve qualquer virtualidade entre os comunistas portugueses que sabiam do que se passava e como era o regime que preferiam em Portugal, em vez do salazarismo.
Na mesma altura que o Tarrafal começou a funcionar, nos anos trinta, já existia na União Soviética uma série de campos de trabalho, de "reeducação", depois apelidados "gulags" para presos políticos, ou seja com um objectivo semelhante ao do Tarrafal: afastar e prender potenciais opositores ao regime.
Na mesmíssima altura em que os presos comunistas do Tarrafal passavam a experiência que depois contaram em livros, como o apontado e ainda outro, publicado em 1978, pela editorial Caminho e chamado Tarrafal-testemunhos, precisamente com relatos de duas dúzias de antigos prisioneiros comunistas, também naqueles gulags havia prisioneios a tentar contar a sua história de prisão por motivos políticos e precisamente por combaterem as ideias que os comunistas portugueses queriam introduzir no nosso país como ideologia dominante e exclusiva.
Também este livro tem um prefácio do mesmo Francisco Miguel, a testemunha privilegiada dos processos de Moscovo que perdeu a memória para falar dos mesmos publicamente e preferia vituperar os processos de Salazar que eram intruídos por meninos de coro, ao pé daqueloutros que mataram centenas de milhare de pessoas.
O livro em causa enuncia como "falecidos no Tarrafal", 32 indivíduos, sem causa apontada. Nos Gulags e em Moscovo, na mesma altura caíam como tordos e aos milhares e nem isso abalou a fé comunista daqueles que queriam o mesmo para Portugal.
Um dos presos do Gulag, Soljenitsnine, calhou de publicar na mesma altura, ou seja em 1974-75, o seu relato pessoal e literário sobre o que se passou nos campos do Gulag.
Já foi aqui contado que o livro O arquipélago do Gulag, versão francesa, foi publicada pela Seuil, em Junho de 1974, o I volume.
Por cá, a livraria Bertrand publicou tal volume em 1975 e o II em 1977.
Em França, em 1975 publicava-se o II volume, precisamente este:
O que se torna curioso e notar que em Portugal, este acontecimento político e literário passou despercebido, depois de 25 de Abril de 1974 e nenhum jornal de referência que me lembre e tenha visto alguma vez fez sequer a recensão crítica daqueles volumes. O Expresso, zero. O O Jornal zero ao quadrado. E se algum diário o fez, não me lembro e nunca vi.
No entanto, publicavam-se na mesma altura ( 1977 e 1978) os aludidos livros sobre o Tarrafal e as comparações impõem-se obviamente por coincidência de factos e circunstâncias.
A comparação entre os dois campos, os métodos políciais, a legalidade vigente nos respectivos regimes e as consequências práticas para os "internados" são de tal modo díspares na respectiva gravidade que nem vale apena enumerar. Aliás, uma foto pode valer muitas palavras e por isso se mostram. E no dizer dos presos do Tarrafal, o campo era " da morte lenta". No dizer do preso do Gulag, o campo era pura e simplesmente de "extermínio".
A primeira foto, acima, é extraída do livro de 1978, onde aparecem alinhados os presos, eventualmente ainda nos anos trinta.
A ilustração que segue, tirada do Paris Match de 5 de Abril de 1975 ( o assunto Soljenitsine durou um ano na imprensa europeia e internacional e nem existiu na de cá, num acto de censura semelhante aos que ocorriam no tempo de Salazar). Para além da foto do preso, não havia fotos daquelas nos gulags ( o que os comunistas deveriam ter percebido e tal os obrigar a calar ou a deixar de defender a opressão real em nome de uma liberdade fictícia, porque a comparação era ultrajosa para qualquer inteligência mediana).
Para além destes factos que ocorreram em Portugal nos anos 1974 e 1975, há outros menos conhecidos como por exemplo um que me contaram recentemente e que vendo pelo mesmo preço que comprei, ou seja, com as dúvidas da praxe mas sem surpresa se for verdadeiro:
Na altura em que a Bertrand se preparava para comercializar um dos volumes do Arquipélago Gulag, provavelmente o I, mas asseguraram-me que teria sido o II, daí ser mais raro encontrá-lo ( embora o ano de publicação, 1977 faça desconfiar que se tratou antes do I, de 1975) , elementos da comissão de trabalhadores da empresa impediram de facto essa distribuição alargada, destruindo muitos dos caixotes dos livros já empacotados para tal efeito, justificando que era uma obra reaccionária e contra os trabalhadores.
Se isto for verdade- e deve haver testemunhas tal como a que me contou o facto- é uma vergonha para o PCP. Um partido dito democrático que de democracia usa o nome para enganar papalvos.
Mas de quem foi a primeira tradução?
ResponderEliminarSe foi a do Chico da Cuf tem a sua piada.
A tradução há-de ter sido dele e da mulher que era russa.
ResponderEliminarDepois a Bertrand reeditou. Faz sentido, não havia por cá muito mais gente a traduzir directamente do russo.
Os tipos do PCP hão-de ter censurado por todos estes motivos.
e ainda hoje a parva da Pimentel compara o Tarrafal aoa campos de concentração nazi e nem uma palavra acerca do Gulag.
Não sei de quem foi a tradução da Bertrand, mas pode ter sido directamente do francês, que me parece boa ( claro que sem comparar com o russo).
ResponderEliminarPenso que poderá ter sido porque a primeira edição em francês é de Junho de 1974 e já havia a edição em russo, publicada em França, clandestinamebte, em finais de 1973 e por autorização expressa de Soljenitsine depois de sentir que estava ameaçado.
A edição nacional que é de 1975 pode ter sido traduzida do francês, porque o segundo volume, saído em França em 75, só apareceu por cá em 1977.
Essa Flunser é um nojo como historiadora. Devia ter vergonha.
ResponderEliminarMas na edição da Bertrand vem o nome dele e da mulher como tradutores.
ResponderEliminarNão foi por cópia francesa, José.
Foi o dissidente do PCP que traduziu e publicou cá e o PCP há-de ter marinhado pelas paredes acima.
Então foi mesmo assim. Como nunca vi a edição portuguesa não sabia.
ResponderEliminarA tradução deve estar uma boa merda...cá para nós que ninguém nos lê...
ehehehe
ResponderEliminarO Cunhal deve ter marinhado. Logo um comuna deles a traduzir a publicar cá.
Quem me contou a história da destruição dos pacotes na Bertrand assegurou-me que era verdade e que conhecia gente da comissão de trabalhadores da empresa e até o Vasco Granja, comunista.
ResponderEliminarMas o Expresso nada de nada.
ResponderEliminarQue gentinha aquela!
Como é que um partido que se autodefine com paredes de vidro pode alguma vez impedir a circulação de um livro como o Arquipélago de Gulag de Soljenitsyne?
ResponderEliminarNaturalmente são bocas da reacção.
Vitor Cunha no Blasfémias cita sobre o passado desta rev social-fascista o 5º estágio da psiquiatra suiça Elisabeth Kübler-Ross; on death and dying (1969)
ResponderEliminarsão: negação, raiva, troca fraudulenta, depressão, aceitação
aguentámos tudo o que o lixo humano ou tropa fandanga do pcp despejou sobre nós
para mim foi mais um rito de Morte e Ressurreição
li a edição francesa e nem sabia de tradução portuguesa
o autor do acrónimo gulag
ResponderEliminarabandonou o marxismo e tornou-se Cristão
disse que no começo da revolução bolchevique ouvia os mais velhos dizer:
'estas desgraças acontecem porque se esqueceram de Deus'
gostava de Vladimir Putin como político
sempre é melhor que o lixo humano dos comunas e a tropa fandanga dos xuxas do rectângulo
Vergonha para o PCP,José? Vergonha seria não o terem feito porque os comunas só conhecem a censura como método de trabalho.
ResponderEliminarA propósito de censura no tempo do fascismo esse jornal de referência (para os idiotas úteis) do Público anda a publicar livros proibidos no antigamente. Que pobreza! Reeditar o Redol ao fim de 40 anos só demonstra a nulidade daquele lixo todo.Como se o facto de terem sido proibidos os guindássem ao panteão das letras.Gente ridícula.
Razão teve hoje o contentinho (mais outro) do Durão Barroso que,e num acesso de lucidez,afirmou que a escola de antes do 25 é que era um exemplo de mérito,exigência,rigor,disciplina e trabalho. A cabonitice do DN espelhava em todo o seu esplendor a visão esquerdista no título: "Durão nostálgico do ensino da ditadura". Cambada!
José, se a memória não me falha, pois já passaram muitos anos, julgo que nos finais dos anos70 a revista do círculo de leitores já trazia o livro de Soljenitsine.
ResponderEliminarO tenebroso Tarrafal fica junto de uma praia e a zona é actualmente a a zona "mais bem" da cabo verde
ResponderEliminarA rapaziada democrata esconde que depois da entrega de tudo o que tinha preto e não era nosso o mesmo Tarrafal foi usado para engaiolar os locais que não gostaram do novo poder comunista
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminarMas ninguém confirma ou nega isto?
ResponderEliminarTem mesmo muita piada.
Nem jornalista, nem nada.
Eu gostava de saber as ameaças de morte que o Chico da Cuf teve.
Zazie, possuo os dois volumes da tradução portuguesa do "Arquipélago de Gulag" e posso informá-la , e aos restantes interessados neste assunto, claro, de que a tradução do primeiro volume, directamente do russo, é da autoria de Francisco A.Ferreira, Maria M.Llistó e José A.Seabra ( creio que este último desempenhou um cargo ministerial, Educação ou Negócios Estrangeios, não tenho a certeza).
ResponderEliminarO segundo volume, surgido em 77, foi traduzido da versão francesa para "brasileiro" por Leónidas Gontijo de Carvalho, com revisão para a edição portuguesa de Ayala Monteiro.
Exacto. Foi a Maria que informou primeiro e esse era o Chico da Cuf e ela a mulher.
ResponderEliminarSegundo a Maria até hoube uma edição anterior apenas dele.
Portanto, foi um dissidente do PCP quem publicou cá o livro do Soljenitsyne e os tipos tudo fizeram para que não saísse.
Ele deve ter passado das boas.
Mas disto a jornalagem não fala.
O Seabra queixou-se na Assembleia que estavam a atrasar a publicação.
ResponderEliminarIsso veio no Blasfémias.
Aqui:
ResponderEliminarhttp://blasfemias.net/2008/08/05/o-arquipelago-do-gulag-no-parlamento/
O Senhor Dr. José Augusto Seabra era este "baixinho" que aqui se vê de óculos; bem o conheci; não sei se ainda é vivo; morava em Pereiró, junto à Foz, Porto: https://www.youtube.com/watch?v=wpJ-O_TR9fw&feature=youtube_gdata
ResponderEliminarEsse Seabra foi ministro da educação.
ResponderEliminarE maçon, claro.
"José Augusto Baptista Lopes e Seabra (Vilarouco, 24 de Fevereiro de 1937 — Vila Nova de Gaia, 27 de Maio de 2004) foi um poeta, ensaísta, professor, diplomata e político português.
Licenciado em Direito, pela Universidade de Lisboa, em 1961. Combateu o Salazarismo e exilou-se em França, de onde saíu depois do 25 de Abril de 1974, tendo sido um destacado militante do PSD. Iniciado maçon, pertenceu à Loja União, do Porto, do Grande Oriente Lusitano. Em Paris foi funcionário da UNESCO e desenvolveu estudos de Literatura, na École Pratique des Hautes Études. Sob a orientação de Roland Barthes doutorou-se na Universidade de Paris III, apresentando a tese Fernando Pessoa: do poemodrama ao poetodrama, depois publicada em Portugal e no Brasil.
De 1974 a 1985 foi professor da Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Deputado à Assembleia Constituinte e à Assembleia da República, pelo Partido Social Democrata, viria a ocupar o cargo de Ministro da Educação no IX Governo Constitucional, do chamado Bloco Central (1983-1985).
O que mereciam todos era uma temporadazinha em Guantanamo. Isso sim é que lhes fazia bem ao sistema.
ResponderEliminarE passadas umas boas semanas, perguntar-lhes: então, preferes ficar aqui ou ir para o Tarrafal?
Adivinhe-se a resposta. A minha, eu sei qual era.
O Seabra era aquele homúnculo anão com uma voz de cana rachada que tentava sempre pôr-se em bicos de pés. Como pessoano não era mau,como ministro foi péssimo. Começou nas lides como semiótico e estruturalista (sempre a parolice de importar de França o "dernier cri" das modas intectuais),querendo ser o émulo de Barthes em Portugal. Coitado. Lá o colocaram ,no fim de tão glorioso percurso de vida e em jeito de sinecura ,na Unesco,que é onde acabam todos os infectados do regime. Carillho inclusivé.
ResponderEliminarCaro José eu admiro muito a sua pessoa e sou apartidário por completo, sabendo que o sistema mais nojento que existe é o comunista.Não há duvida.
ResponderEliminarMas tenho que dizer-lhe a si e a mais alguns que sempre concordam consigo ( eu na maior parte das vezes concordo) que ouçam o testemunho de Edmundo pedro no programa da antena 1, no limite da dor e se retratem um pouco.
Tinha que dizer isto
Cumprimentos
carlos
Já ouvi o testemunho do Edmundo Pedro e tenho a dizer que respeito quem sofreu.
ResponderEliminarMas também respeito a legalidade da época e eles não respeitaram.
Lamento que tenha havido tortura e torturadores sádicos como há sempre nesses sítios.
Mas isso é coisa diversa do assunto que por aqui se trata.
Também houve sevícias durante os meses de 74-75 e até um relatório das ditas. E quem as praticou não foram os "pides".
O Arquipélago Gulag vai ser sem sombra de dúvida um dos livros mais importantes do século.
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