O jornalista Camilo Lourenço, agora mesmo ( 22:10) na RTPi, disse a propósito do GES/BES que o que se passou na gestão deste grupo foi "gestão danosa" e por isso era "crime". E se tal não fosse considerado tal era o exemplo concreto que " a Justiça não funciona neste país".
Vejamos, para arrefecer um pouco estes ânimos criminógenos.
O "crime" de "gestão danosa", aparece no Código Penal, sim, mas com outro nome, administração danosa, no artº 235º
Artigo 235.º
Administração danosa
1 - Quem, infringindo intencionalmente normas de controlo ou regras económicas de uma gestão racional, provocar dano patrimonial importante em unidade económica do sector público ou cooperativo é punido com pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias.
2 - A punição não tem lugar se o dano se verificar contra a expectativa fundada do agente.
Para entender melhor o equívoco de Camilo Lourenço e outros comentadores importa esclarecer desde logo que tal crime não se aplica a entidades privadas, como é o caso do GES/BES, mas apenas a empresas do sector público ou cooperativo. Desde logo fica de fora, por causa disso e esta falta de rigor jurídico em quem fala abertamente na tv sobre estes assuntos, retira credibilidade o que diz.
Além disso, mesmo que se aplicasse ao GES/BES haveria sempre que ponderar estas circunstâncias jurídicas que aconselham Camilo Lourenço e outros a estudarem os assuntos antes de falar nos mesmos.
Tirado daqui, esta parte de um acórdão com uma passagem sobre esse crime.
No que concerne ao
crime de administração danosa p. e p. pelo art. 235.º a lei estabelece
que «Quem, infringindo intencionalmente normas de controlo ou regras
económicas de uma gestão racional, provocar dano patrimonial importante
em unidade económica do sector público ou cooperativo é punido com pena
de prisão até cinco anos ou com pena de multa até 600 dias».
A conduta típica do crime em causa analisa-se
numa actividade não de execução livre mas «uma combinação do modelo de
execução vinculada e de execução típica. Por um lado, o dano tem de ser
produzido infringindo intencionalmente normas de controlo ou regras
económicas de uma gestão racional; por outro lado, inversamente, tal
pode acontecer sob as formas ou procedimentos mais diversificados» -
Prof. Costa Andrade, Comentário Conimbricense, tomo II , p. 542.
A punição através do art. 235.º do Código Penal
postula uma dupla exigência quanto ao respectivo elemento subjectivo:
em primeira linha a intencionalidade dos factos praticados em violação
das normas de gestão racional e, em segunda linha, a verificação das
consequências desses mesmos factos que têm de ser abrangidas por
qualquer forma de dolo, incluindo o dolo eventual.
Ou seja , a tipicidade do crime de
administração danosa implica «a verificação dolosa não só relativamente
aos factos mas também às consequências» - cfr. Acórdão da Relação de
Coimbra de 10-03-2004 relatado pelo Exm.º Juiz desembargador Dr. Serafim
Alexandre, acessível in www.dgsi.pt .
O crime em causa só é punível a título de
dolo , afastando-se a mera negligência com o fim de «afastar da vida dos
negócios o perigo, ainda muito grande, do medo da responsabilidade» -
Prof. Costa Andrade ob. cit. p. 551.
Já no preâmbulo do Dec. Lei 48/95 de 15 de
Março o legislador estabelecia que:«… Daí que não seja punível o acto
decisório que, pelo jogo combinado de circunstâncias aleatórias provoca
prejuízos, mas só aquelas condutas intencionais que levam à produção de
resultados desastrados. Conceber de modo diferente seria nefasto - as
experiências estão feitas - e obstaria que essas pessoas de melhores e
reconhecidos méritos receassem assumir lugares de chefia naqueles
sectores da vida económica nacional».
O dolo em relação aos actos de violação das
normas de controlo ou regras económicas de uma gestão racional tem de se
traduzir num acto de específica intenção, ou seja de dolo directo,
afastando-se deste modo o dolo necessário e eventual mas também não
sendo exigível um elemento subjectivo da ilicitude.
Trata-se «(…) de um facto congruente no que
toca às relações entre o tipo objectivo e subjectivo, não se fazendo
intervir qualquer intenção de obtenção de vantagem ou produção de
prejuízo (como acontece com o crime de infidelidade, art. 224.º). O dolo
tem de abarcar todos os elementos da factualidade típica. Se em relação
à violação de normas de controlo ou regras económicas se exige uma
específica intenção (que afasta nos termos gerais o dolo eventual) já em
relação ao resultado típico bastará o dolo eventual» - cfr. Prof. Costa
Andrade , ob. cit. p. 552.
Compulsados os factos descritos na acusação
verifica-se que se parte do princípio de que a actuação dos arguidos de
em 4 de Junho de 2004, enquanto membros do Conselho de Administração
deliberaram a aquisição do gerador da F... e adjudicaram a prestação de
serviços de manutenção e abastecimento do mesmo - a partir do Sábado
seguinte - de acordo com a proposta de preço diário de 2073,23 euros,
até que existisse um novo PT no CMP constituiu um acto de violação de
uma gestão racional perante o problema de fornecimento de energia ao
CMP, com a adopção de soluções erradas em detrimento de outras mais
ponderadas, coerentes e económicas.
Mas em relação ao elemento subjectivo não
resulta da acusação que os arguidos tenham actuado com dolo directo em
relação a tais violações; ou seja e em conformidade com o disposto no
art. 14.º , n.º 1 do CPenal , existe dolo directo quando o gente actua
representando um facto que preenche um tipo de crime actua com intenção
de o realizar.
Ou seja, o dolo directo ou de 1.º grau a
realização do facto típico é o fim, i. é o objectivo imediato da acção
do agente sendo irrelevante que este objectivo imediato seja o único
objectivo do agente ou seja um meio para a realização de um outro facto
típico.
Já no dolo necessário a realização do facto
típico não é o objectivo imediato da conduta mas o agente sabe que tal
realização é uma consequência certa, ou quase certa, da sua conduta.
Por fim, o dolo eventual analisa-se em o
agente representar como possível a realização do facto típico e
conformar-se com o risco de a sua conduta vir, efectivamente, a realizar
tal facto - cfr. art. 14.º , n.º 3 do CP.
Cfr. Prof. Taipa de Carvalho , Direito Penal Parte Geral , 2008 p. 325.
Lido isto é evidente que o que Camilo Lourenço disse é uma asneira, mas ninguém lha vai mostrar e exigir maior rigor da próxima vez.
Por outro lado, existe outro crime que lhe pode ser aplicado, ao grupo GES/BES e a quem actuou em seu nome: o de infidelidade. Assim:
Artigo 224.º
Infidelidade
1 - Quem, tendo-lhe sido confiado, por lei ou por acto jurídico, o encargo de dispor de interesses patrimoniais alheios ou de os administrar ou fiscalizar, causar a esses interesses, intencionalmente e com grave violação dos deveres que lhe incumbem, prejuízo patrimonial importante é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.
2 - A tentativa é punível.
3 - O procedimento criminal depende de queixa.
4 - É correspondentemente aplicável o disposto nos n.os 2 e 3 do artigo 206.º e na alínea a) do n.º 1 do artigo 207.º
Mais uma vez aparece a palavra "intencionalidade" que dificilmente poderá ser contornada de molde a poder provar-se em audiência a prática de tal crime.
Gabo-lhe a pachorra. É daquelas burrices que de tanto se repetir há-de tornar-se uma verdade de tal maneira absoluta que ao legislador, rendido, não restará outra alternativa que não alterar a Lei para lhes fazer a vontade.
ResponderEliminar