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quarta-feira, setembro 10, 2014

O mundividente Vara e a sua circunstância

Público ( crónica de João Miguel Tavares de 9. 9. 2014):

Não consta que Armando Vara tenha tido oportunidade de estudar Filosofia em Paris, mas os bons exemplos que temos ao nosso lado são sempre inspiradores.

E por isso, na sexta-feira, à saída do tribunal onde foi condenado a cinco anos de prisão efectiva pelos juízes do processo Face Oculta, Vara citou com admirável acuidade o filósofo espanhol Ortega y Gasset. Após se ter confessado em “choque”, comentou desta forma a sua pesada sentença: “Acho que tem muito a ver com a minha circunstância.”
Bravo. Embora afectado pelo choque, Armando Vara teve ainda assim a perspicácia de se afirmar como um perspectivista e um leitor atento de Ortega y Gasset e da sua primeira obra, Meditaciones del Quijote. Foi aí que o espanhol cunhou aquela que se tornou uma das suas frases mais conhecidas: “Eu sou eu e a minha circunstância e se não a salvo a ela não me salvo eu.” De facto, se a percepção das coisas e o que delas penso está dependente do lugar em que me encontro e de uma perspectiva que é sempre alterável, então, mesmo que eu continue a ser eu, as modificações da minha circunstância podem afectar profundamente a minha vida. É uma pena este homem perder tanto tempo com robalos – poucas vezes encontrei tamanha sapiência, lucidez e intuição filosófica na boca de um condenado.
Vara merece a nossa vénia: não há melhor descrição para o que lhe aconteceu. Repare-se que Armando Vara nunca deixou de ser Armando Vara nem de se comportar como Armando Vara, mesmo quando já não precisava de ser Armando Vara. Embora ganhasse muitos milhares, continuava a facilitar negócios por poucas dezenas. Porquê? Porque era essa a sua natureza. Foi o que fez durante toda a vida. E durante muito tempo a sua circunstância estimulou-o a isso, num longo processo de enriquecimento do eu. Só que um dia, para sua surpresa, as regras mudaram. O ambiente transformou-se. As circunstâncias alteraram-se antes do eu se pôr a salvo. E Vara apanhou cinco anos de cadeia.
A maior dificuldade filosófica com que ele agora se debate é como trabalhar os ensinamentos de Nietzsche e Ortega y Gasset deixando Sócrates de fora. Não me refiro ao grego, claro, mas ao português, que no seu espaço na RTP fez questão de deixar “uma palavra pública de amizade” ao “engenheiro José Penedos e ao doutor Armando Vara”, que estão “a viver um momento muito difícil”, esperando “naturalmente” que os recursos “possam provar a sua inocência”, da qual ele está certo porque conhece “ambos”. Comovente. Sócrates, não há dúvida, também continua a ser Sócrates, e por isso o padrão mantém-se: ser solidário e piedoso com os amigos que vão caindo em desgraça (já acontecera com Ricardo Salgado), ao mesmo tempo que garante nada ter a ver com os casos em questão.
E não tem, de facto: as famosas escutas que foram mandadas destruir pelos saudosos Pinto Monteiro e Noronha Nascimento não visavam qualquer conversa sobre robalos e sucata. Visavam apenas um alegado atentado contra o Estado de direito e uma tentativa de controlo da comunicação social. Coisa pouca. E o problema é este: sendo Vara e Sócrates quem são e tendo eles um percurso comum de décadas, tanto nos negócios como na política, é muito difícil acreditar que a intimidade das suas circunstâncias seja apenas circunstancial. Espero que José Sócrates tenha estudado suficiente Ortega y Gasset em França. Na minha perspectiva, os “pistoleiros do costume” são cada vez mais e as circunstâncias ajudam-no cada vez menos.

16 comentários:

  1. a palavra inglesa circumstancies aparece em Otelo de Shakespeare

    no começo do séc. para comemorar a coroação de Eduardi VII um compositor britànico, do ainda Reino Unido,

    apresentou a marcha 'pomp and circumstancies'

    nome impecavelmente traduzido por 'pompa e circunstância'

    se já tinham conhecimento
    as minhas sinceras 'apologias'

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  2. as meditações sobre 'el manco de Lepanto' foram escritas no final da 'belle époque'
    e publicadas há um século

    no início da IGM

    foi pena terem ficado imcompletas porque são um belo ensaio sobre a mentalidade dos habitantes dum país que continua artificial:
    a Espanha

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  3. Falta o nome pomposo: Elgar, isn´it?

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  4. é vrdade Meu Caro

    Othello:
    O farewell,
    Farewell the neighing steed, and the shrill trump,
    The spirit-stirring drum, th' ear-piercing fife;
    The royal banner, and all quality,
    Pride, pomp, and circumstance of glorious war!

    as minhas desculpas pelas gralhas
    é das cataratas

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  5. Ainda não parei de rir desde que ouvi o Seguro dizer que o Costa passava os dias na varanda do município... (desculpem este aparte)

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  6. ehehe

    Não sabia que ele tinha dito isso.

    As costanetes é mais na esplanada.

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  7. À janela...acho que foi à janela.

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  8. ehehehe

    Eu vou tirar uma fotografia à maior anormalidade de "intervenção urbana" que já vi.

    Fica na Rua Marquês Ponte de Lima, onde anda a gastar uma pipa há muito tempo.

    Decidiram calcetar tudo para os carros passarem.

    Para fingir que também era para os peões, deixaram um micro passeio onde só se pode passar ao pé-cochinho

    A sério. Uma anedota. Depois ainda colocaram os pilares para nenhum carro estacionar onde nem uma pessoa consegue passar sem ser de lado, encostada à parede.

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  9. Vou mesmo fotografar para gozar com os totós que ainda andam indecisos em qual dos tós hão-de votar.

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  10. Vendo bem, nem encostada à parede cabe

    AHAHAHHAHA

    E até tem pedra de tamanho diferente para se perceber que ali é para peões e o resto da calçada para as cavalgaduras-da-calçada quando não andam no asfalto.

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  11. O estado socialista é como a célebre fabrica milanesa de xarope descrita por Pitigrilli:
    15 andares de escritórios luxuosos:
    Uma água-furtada com 2 velhas caquéticas: uma mexe o caldeirão, a outra enche os frascos

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  12. Miguel de Unamuno
    escreveu
    Portugal país de suicidas

    sempre fui e serei adepto da Federação Ibérica
    ou
    os periféricos contra Castela

    com o referendo da Escócia a coisa está preta em Espanha

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  13. Floribundus,
    Como bom maçon, só seria de esperar que fosse pela federação ibérica.
    Acho que tem razões para estar contente, vejo fortes hipóteses de um processo federalista ibérico a médio prazo e infelizmente não parece haver força para ficarmos de fora, como eu gostaria. Creio estarmos num momento da história em que perdemos os contrapesos fora da Europa que tivémos ao longo da história . E os abrileiros/bruxelenses estão a enterrar o resto e o que é mais importante: uma cultura para a independência.

    Miguel D

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  14. o 'merceeiro do Porto' ofereceu há uns 5 anos 11 mil Milhões de € pela PT

    os grandes investidores mostraram a sua grande satisfação por esta valer 5 vezes menos

    como a esquerda adora nacionalizações o governo devia fazer~lhes a vontade e tomar conta dos bens dos partidos.

    deviam vender o edifício da AR e colocar os deputados no jardim fronteiriço a trabalhar em contentores

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  15. da Net

    “¡Cataluña y Vascongadas, Vascongadas y Cataluña, son dos cánceres en el cuerpo de la nación! ¡El fascismo, remedio de España, viene a exterminarlos, cortando en la carne viva y sana como un frío bisturí!”
    ―José Millán-Astray

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  16. Únicas situações definitivas: socialismo, cadáver.
    Não sinto prazer nas recordações. Treinei-me para esquecer. Goethe escreveu ‘de quando em vez é necessário parar e olhar para trás para ver se não nos engámos no caminho’.
    Sei que houve 3 tentativas de Federação Ibérica neste rectângulo do ‘dolce far niente’, mas só a 1ª teve a possibilidade de se efectivar. Um general espanhol depois dum golpe de estado ofereceu a coroa conjunta ao rei D. Fernando II, que a recusou.
    A 2ª pertenceu a uns folclóricos duma cisão maçónica
    Da 3ª já nem me recordo.
    Por 1943 os norte alentejanos da raia de Espanha sentiam uma certa atração por uma federação. Era o tempo do contrabando e do volfrâmio. Talvez porque Hitler disse depois da entrega dos Açores aos ingleses (que pena não terem ficado com eles) que tomava esta ’m…. pelo telefone’. Chegaram a pensar tirar os dirigentes do continente.
    (D. Fernando II é um dos 6 reis mais importantes do rectângulo; era Alemão, Filipe II ½ português, D. João I recebeu a influência de D. Filipa. Os dois primeiro não tem sequer um beco que os recorde.) .

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