Páginas

domingo, setembro 07, 2014

Semiótica de um sistema de justiça popular, digo, em nome do povo.




O caso Face Oculta, desde a leitura do acórdão, tem suscitado  comentários  que se afiguram curiosos e sintomáticos do modo como o os cidadãos olham para o sistema de justiça com base nos sinais que  são mostrados.
Hoje no Público, Vasco Pulido Valente refere-se ao assunto e coloca o ponto no seu devido lugar: a condenação dos "gatunos" chegou ao sistema de justiça e dificilmente, no contexto socio-económico actual, "os gatunos " se safarão, ao contrário do que sucedia até há uns anos.
Por seu turno e em maior extensão escrita, a crónica de Manuel Carvalho amplia o efeito sinalético e proclama que "o sistema funcionou".  O sistema de justiça, entenda-se.   Porém, a contradição inerente ao escrito mostra-se numa frase: " Fosse qual fosse o desfecho do processo, o modo como investigadores, procuradores e juízes actuaram suspende a tradição dos grande casos judiciais que acabaram com histórias mal contadas." 
Não é indiferente o "fosse qual fosse o desfecho do processo", uma vez que o sistema funcionou desta vez com condenações. Se tivesse funcionado com absolvições a crónica não seria igual, por muito que assegure o cronista que espelha, aliás, um leque muito alargado de opiniões semelhantes,  escritas nos últimos dois dias.
A pergunta que coloca a seguir- "Se em Aveiro a justiça funcionou, porque não funciona em Flegueiras, em Lisboa ou no Porto?"- responde-se a ela própria: porque não conduziu a condenações...o que deixa a desejar que a noção de sistema a funcionar deva ser entendida de modo diverso e mais alfabetizado.  Este sinal, por isso mesmo, tem sido entendido nos media, em registo infelizmente populista. VPV desvia-o  para um entendimento mais subtil e perfeito que aliás me parece a chave para a compreensão actual do sistema de justiça na primeira instância: aplicação da mesma em nome do povo, sem cedência à ralé.
Por outro lado e como sinal importante, torna-se curioso que " a única nódoa" detectada neste processo seja a que levou "Pinto Monteiro a inventar uma "extensão procedimental" para as conservar [às escutas entre Vara e Sócrates] num limbo inacessível aos jornalistas e aos cidadãos".
Tirando o pormenor de ter sido o presidente do STJ, Noronha Nascimento a inventar ( por sugestão do actual pSTJ?) tal  expressão jurídica, para sustentar o insustentável,  o facto é que a "nódoa" é a mesma e tornou-se visível na opinião pública. 
O que se passou com essas duas figuras da "nomenklatura judicial" da época constitui porventura a maior nódoa do todo a história recente do poder judicial e uma vergonha inominável e irredimível.  E que ficou impune porque o sistema não funcionou. Ainda não está preparado para funcionar a esse nível e isso é claro e indesmentível e triste também, porque denega o princípio da igualdade de todos perante a lei e diminui-nos como democracia, aproximando-nos de outros países de "expressão portuguesa". O principal suspeito de violação de segredo de justiça nesse caso, nem sequer foi ouvido em inquérito...
Resta saber se tal nódoa instalada na " nomenklatura judicial " de topo  é circunstancial e caiu no melhor pano ou  se não está alastrada e em crescimento  pelos corredores da loca infecta.  Veremos  nos próximos meses que se estenderão por um par de anos.
Finalmente, ainda como sinal, ao fazer-se o paralelo com os casos bancários recentes, trazendo à colação o famigerado BPN, mai-lo BPP e agora o BES, sai mais um gorgolejar populista. 
Os casos dos "escândalos" bancários recentes não podem ser analisados ou julgados do mesmo modo que os casos dos "gatunos" pindéricos, como este o é.  Vara nunca passou de um pindérico  ( tal como o então primeiro-ministro, et pour cause) e não é um dos "grandes" : " passou de um rendimento anual de 59 486 euros em conjunto com a mulher, em 1994, para 822 193 euros, em 2010".  E tal porque o amigo teve poder para lhe arranjar  os empregos nas administrações dos bancos que politicamente controlava.  Não era propriamente um dos "donos disto tudo"...

Portanto, os casos dos escândalos bancários não podem ser analisados como sendo de "toma lá, dá cá",  como  são os de tráficos de influências ou corrupção entre pindéricos e os factos que os configuram no âmbito do direito penal  são muito mais complexos que os  da criminalidade que a opinião pública percebe como sendo casos de polícia, apesar de os detectar como fraudes e afinal actos de gatunagem. Há por isso um desfasamento entre o que a opinião pública percebe e o que as leis penais integram como tal. Porquê? Precisamente porque quem fez as leis foi essa gente, através dos seus lídimos representantes em academias. Não foram os pindéricos...
Tal como Vasco Pulido Valente escreveu há uns meses, são precisos nomes. E apesar de existirem, são precisos factos. E estes carecem de leis que os metam lá dentro.  Aos factos e aos nomes.
O sitema de justiça português, muito por causa das leis existentes,  não está preparado para funcionar neste sector.  Não adianta por isso levaro o caso BES para Aveiro. 
Perceber tal coisa é o próximo passo de quem escreve sobre o sistema de justiça.  

7 comentários:

  1. Boa questão: Porque a justiça funcionou em Aveiro e não funciona mais frequentemente do que seria de desejar em Lisboa ou Porto que são as comarcas com mais processos relevantes sobre corrupção de um modo geral ou crimes de colarinho branco?
    Será que a PJ de Aveiro é mais eficiente que as unidades centrais da PJ localizadas em Lisboa? Será que o MP de Aveiro é mais eficiente que o DCIAP e o DIAP de Lisboa? Será de o tribunal de Aveiro tem juízes mais aplicados na procura da verdade material do que as Varas de Lisboa?
    Talvez o que se tenha passado sirva de exemplo a todas as outras comarcas onde nem sempre está reunida a força anímica e a conjugação de esforços de rodos os que procuram fazer justiça. É que uma coisa vi eu: os advogados "tubarões" são sempre os mesmos quando cheira a dinheiro, como se viu mais uma vez. Só que em todo o lado conseguem fintar a investigação e em Aveiro ficou provado que por mais que tentassem não conseguiram.
    Espero que, agora, os tribunais superiores estejam á altura das suas responsabilidades e não andem á procura de alguma formalidade que possa deitar por terra todo o processo. Como já tem acontecido vezes de mais... infelizmente. A ver vamos.

    ResponderEliminar
  2. para já foram 'depenados' pelos advogados que se preparam para continuar o saque

    como dizia um filósofo há mais de 2000 anos
    'a mesma água nunca passa duas vezes debaixo da mesma ponte'

    como dizia o cego
    'a ver, vamos !'

    ResponderEliminar
  3. Acho que um dos factos para este sucesso, não duvidando da integridade dos elementos da PJ, terá sido o inspector já não ter nada a perder na carreira.

    ResponderEliminar
  4. Este caso teve sucesso porque lidou com pindéricos. E isso sem desmerecer o trabalho dos inspectores da PJ.

    ResponderEliminar
  5. Porém, o "sucesso" tem mais a ver com a circunstância de o tempo ser de condenação dos " gatunos" de que fala VPV. Essa é que é a verdadeira novidade e que começou a notar-se com a persistência na condenação a Isaltino de Morais.

    A tendência, mesmo nos tribunais superiores é para dizer basta! E em abono da verdade, basta mesmo.

    ResponderEliminar
  6. Julgo que ainda vai demorar um tempo a que os políticos percebam essa mudança estrutural, a meu ver.

    Quando um certo Inenarrável que tem escapado entre os pingos da chuva for apanhado, as pessoas compreenderão.

    E julgo que já esteve mais longe.

    ResponderEliminar
  7. Evidentemente isto é apenas uma análise com wishful thinking qb.

    ResponderEliminar

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.