No outro postal disse que nunca tinha dado pela palavra "fascismo" como designativo do regime anterior, antes de 25 de Abril de 1974 e que só daí a alguns dias, poucos, começou a aparecer na imprensa. Seria interessante que alguém se desse ao trabalho de ver as imagens televisivas do dia 25 de Abril até ao 1º de Maio desse ano para perceber a mutação linguística e semântica.
Não obstante, fui ver como se escrevia na imprensa da época anterior ao 25 de Abril relativamente aos fenómenos que nos eram familiares, como a guerra no Ultramar ou simplesmente a televisão, um bom barómetro do ambiente intelectual da época, em geral, como hoje provavelmente não será- ou será na mesma...
No início dos anos setenta comecei a comprar jornais ( antes tinha-os de borla porque o meu avô tinha uma mercearia e comprava pacotes e pacotes de jornais usados para embrulhar mercadorias e eu passava horas e horas a escolher os que me interessavam- e guardei-os todos...) e o Diário de Lisboa era o que me interessava mais pelo aspecto gráfico, tal como o Diário Popular me interessava em determinados dias da semana, por exemplo à Quinta-Feira porque tinha um fabuloso suplemente literário.
Assim, no D.L. de 2 de Janeiro de 1972 o crítico de televisão Mário Castrim ( um comunista que eu ainda nem sabia que o era e escrevia como eu gostava de ler) tinha uma crónica de balanço do ano cultural, em Portugal. Esta:
As primeiras frases gritam em silêncio para dizer o que então não se podia: denunciar o regime como repressor ( "fascista") e que obrigava os comunistas a fugirem do país, tal como os desertores. Nem estas palavras seriam escritas na altura se pudessem ter sido escritas, por um motivo: para Castrim, os desertores eram heróis na luta contra o "colonialismo" e os fugitivos comunistas os verdadeiros patriotas que apenas queriam que fôssemos como a pátria de Estaline...
Portanto, um duplo equívoco: Castrim não podia escrever livremente o que verdadeiramente queria dizer, mas se o pudesse nunca escreveria a verdade nua e crua, porque envolta na fantasia dos "amanhãs a cantar". Era e continua a ser este o drama dos comunistas que ainda hoje não podem escrever livremente nos jornais o que verdadeiramente lhes vai na alma. E não há censura nos dias de hoje, como então havia. Há outra coisa: as pessoas comuns, agora como dantes, não compram a ideologia comunista fossilizada como é a do PCP e quejandos esquerdismos, como o de Louçã, se a mesma for proclamada com toda a clareza do que os seus próceres pensam mas não dizem. Foi esta mentira permanente que justificou a censura no tempo de Salazar e Caetano.
E que fazia Castrim ( e outros) para contornar a proibição de chamar ao regime " fascista" e dizer "colonialismo" e apelidar de "reaccionário" quem não pensasse como eles? Contornava a linguagem e fazia de conta que contava fábulas. Algumas vezes isto resultava em pequenas obras-primas, mas nunca saiu daí nenhuma obra-prima de vulto porque os escritores de então, descobriu-se afinal, nunca escreveram para a gaveta por causa de censura alguma. Intrujaram durante algum tempo mas não o tempo todo.
Outra surpresa nesta escrita de balanço e que valeu ao Castrim sérios incómodos dos ortodoxos do "partido": diz muito bem de José Hermano Saraiva, um salazarista de sempre e que sempre foi o mesmo até morrer, honra lhe seja feita. Por causa de um programa de TV que se prolongou por décadas.
No Diário Popular do mesmo dia 2 de Janeiro de 1972 também há um balanço, igualmente televisivo no qual desponta um pequeno eco de um fascismo perdido.
No questionário proposto a meia dúzia de leitores, avulta a resposta de Eduardo Prado Coelho, o Eduardo PC, já falecido. Dizia o semiótico em modo semântico que " não suponho possível uma transformação dos programas de televisão sem uma transformação das condições sociais, económicas e ideológicas que neste momento, nos condicionam." Ou seja, venha o comunismo e depois conversamos...dito de um modo perifrástico.
Outro comunista vindouro, Correia da Fonseca, era mais modesto: só queria meia hora de telejornal "novo e diferente ", coisa que só dali a uns meses teria e que lhe terá concedido a relativa felicidade almejada.
Era este o limite imposto pela linguagem permitida: não discutir o regime em moldes revolucionários ( porque era disso mesmo que se tratava). Portanto, o regime ao condicionar e proibir tal revolução tornava-se naturalmente...fascista.
Ora foi isso mesmo que ficou escrito no Diário de Lisboa, em 20 Julho de 1973, já dirigido por A. Ruella Ramos que nos meses a seguir ao 25 de Abril se transformou num dos maiores paladinos do PREC e pôde então dar largas à frustração de não ter podido chamar fascista ao regime, no tempo próprio, passando depois a designar o mesmo como "ditadura fascista" ou simplesmente "fascismo", termo que pegou de estaca na linguagem de trapo comunista.
No apontamento de reportagem de Londres assinado em telex por Joaquim Letria ( esquerda pró-comunista, então, mas com nuances porque estava em Inglaterra e lá não havia partido comunista por causa de Estaline, Hungria e Checoslováquia, entre outros fenómenos que por cá nem se conheciam bem), o mesmo repórter assinalava a propósito da visita de Marcello Caetano a Londres: "Por outro lado, jornais e tv continuam a referir-se à história de Wiriyamu e uma fonte da embaixada disse que havia o perigo de Portugal passar a ser conhecido apenas pelas características que esta onda de acusações lhe apontam: um Estado fascista que mantém uma guerra colonialista onde chacina nativos".
Tal e qual e o Exame Prévio deixou passar porque comprei este jornal no dia em que saiu. Assim, poderia ter lido as três grandes pechas do regime: fascista, colonialista e racista.
Quem é que apelidava o regime de Caetano desse modo? Letria dizia que era um anónimo da embaixada. Comunista, pela certa, mas letria nunca o iria dizer...
Quem ler os apontamentos de reportagem que a revista Observador fez dos mesmos acontecimentos em Londres fica a saber mais e nunca leria este tipo de "telex" sem citação concreta da fonte ideológica de onde proveio. Já por aqui foi mostrado e permite entender como é que o Exame Prévio de Marcello Caetano tinha um equivalente mais subtil e com poder igualmente capador: o comunismo censura efectivamente tudo o que não lhe convém ideologicamente e faz questão disso mesmo, sem qualquer pudor, ao mesmo tempo que vitupera a Censura nos regimes que não lhe permite a propaganda livre e subversiva, como era o caso de Portugal com três frentes de guerra.
Por isso mesmo, a linguagem usada nos jornais de esquerda da época, ou era cifrada do modo explícito, sofrendo em silêncio a possibilidade de proclamar bem alto os amanhãs a cantar ou então era simplesmente obliterada por inconveniente, censurando de igual modo a verdade subjacente.
Quanto ao resto, ou seja, o ambiente geral que se vivia em Portugal no ano de 1972, nem sombra de fascismo no que se escrevia ou lia, nem vestígios de ódio militante. Apenas firmeza de princípios, políticas coerentes e prevenção da subversão comunista revolucionária, preocupação principal do regime que acabou por ser a sua maior derrota.
E isso é que se torna estranho porque nem a mutação linguistica e semântica o explicam. Principalmente por causa disto que se podia ler na última página do Diário de Lisboa de 10 de Outubro de 1972:
Um Estado fascista não dá protecção social e previdência a mais de metade da população. Isso é típico da social-democracia...mas suponho que nenhum esquerdista comunista o reconhecerá.
o Almôdega Semiótica a explicar o materialismo dialáctico
ResponderEliminarehehehehe
«um Estado fascista que mantém uma guerra colonialista onde chacina nativos»
ResponderEliminarNão sabia que se tinha escrito isto em 73.
E o macaco do Letria a fingir que foi fonte anónima e depois a ter a lata que, por coincid~encia, eram esses 3 pontos que iam ser debatidos no parlamento para redigirem moção de censura.
É preciso ter lata.
Pois também eu não tinha reparado e por um motivo:
ResponderEliminarna altura isto era mera retórica política de efeito nulo. Poderia ter suscitado a curiosidade para saber mais? Nem por isso uma vez que a retórica do terrorismo era essa e por isso desvalorizada.
O discurso corrente era o que o Observador fazia e andava muito longe disto.
sophia do tareco publicou
ResponderEliminarO velho abutre
O velho abutre é sábio e alisa as suas penas
A podridão lhe agrada e seus discursos
Têm o dom de tornar as almas mais pequenas
Sophia de Mello Breyner Andresen
é da minha região o homem acusado em Wiryamu
«( Sab. 16/12/72 )
Mais ou menos pelas pelas 14 horas, 2 reactores bombardearam as povoações de Wiriyamu e Juwau a uns 25 Km de Tete (cidade), no regulado de Gandali; enquanto 5 helicópteros desembarcavam tropas armadas , que cercavam as ditas povoações e metralhavam o povo , que fugia do bombardeamento.»
sempre me pareceu haver algo estranho na notícia
ausente em 71 e parte de 72 notei uma certa degradação politica e social
além do mário castrado
havia 'o bola de sebo com pelos, filho da volumosa senhora'
adorei o 'aventura' não por gostar de Brel e Ventura mas
entrou outras piadas
'-na société de consumation c'est foutu!
--la bagnole c'est foutu!'
Pois realmente está lá o Brel e nunca tinha reparado.
ResponderEliminarNão me lembro de ter visto o filme.
Em 71-72 gostava de policiais, westerns e 007.
Sol Vermelho, com Charles Bronson e Klute com Jane Fonda eram os que gostava de ver.
Na altura não vi nenhum porque eram para maiores de 18 anos e não me deixaram entrar no cinema...
Por isso é que não me esqueci desses filmes.
Ah, vi nessa altura e era bem giro.
ResponderEliminarMandava brutas bocas aos esquerdalhos anti-capitalistas.
Vale a pena ver que é mesmo muito giro.
ResponderEliminarEncontrei umas citações:
La militante : Staline, né en 1870, mort en 1953. Il a dirigé la république des Soviets après la mort de Lénine en 1924. Et au prix de millions de morts. Imaginez un type qui n'a pas son permis et qui conduit une Ferrari à 300 à l'heure. Il écrase forcément dix personnes par jour. Staline, c'est pareil, c'est un chauffard de la révolution.
Le militant : Pour Trotsky, le prophète armé, la révolution est permanente. Staline l'a bien compris, il l'a même trop bien compris : il est allé le faire tuer au Mexique !
Aldo : Oui, et il l'a écrasé avec la Ferrari.
Lino : Aldo ! « Chauffard de la révolution », c'est une métaphore…
Aldo : Je me disais bien aussi, Staline et la Ferrari…
https://www.youtube.com/watch?v=gLjqVLcg4d4
ResponderEliminareehhehehe
C´est foutu...fasciste... Ahahahah.
ResponderEliminarehehehe
ResponderEliminarO filme é uma delícia. E na altura serviu mesmo de gozo bem a propósito.
A propósito da manipulação da terminologia e da comunicação pela esquerda:
ResponderEliminarhttp://blasfemias.net/2015/02/25/os-simbolos-contam/
Curiosamente, ontem, numa fila demorada dum supermercado do grupo xico manel dos Santos, peguei num livrinho editado pela sua fundação, para a sua leitura me ajudar a passar o tempo. Terra firme de José Navarro de Andrade, que algures no prólogo assim diz:
ResponderEliminar"Os velhos já não saem daqui. No acto mais idóneo do seu débil magistério, Marcelo Caetano promulgou a atribuição de pensões de reforma a toda a população rural, o que produziu uma queda na taxa de suicídios no Alentejo, ainda hoje marcada na memória popular. Desde 1972 que os anciãos e os desvalidos já não necessitam de "andar às sopas", medonha expressão que significava um estorvo para as famílias e um enxovalho para eles"
Pois...mas não foi por isso que o Alentejo profundo deixou de votar no Partido que lhes prometia mais e melhor e só lhes deu frustrações.
ResponderEliminarFui ver o filme. Fartei-me de rir com o sindicato do putedo!
ResponderEliminarE o Aldo!