Observador, José Manuel Fernandes:
Foi apenas há dois anos, mas muitos parecem esquecidos. Ricardo
Salgado, com a corda na garganta, fez o habitual: ligou à ministra das
Finanças, depois ao primeiro-ministro. Objectivo? Conseguir um
empréstimo da Caixa Geral de Depósitos que lhe desse a ilusão de que
ainda podia salvar um grupo afogado em dívidas. Antes já tinha
conseguido que os seus amigos na administração da PT lhe dessem uma mão,
assim afundando aquela que chegou a ser a maior empresa nacional. Só
que agora nem sequer a conspícua ideia de que seria possível “por o
Moedas a trabalhar” surtiu qualquer efeito: nem Moedas, nem Maria Luís,
nem Passos Coelho permitiram que a Caixa “desse uma mão” a Ricardo
Salgado e ao Grupo Espírito Santo. Ou, visto a esta distância, não
permitiram que a Caixa se enterrasse ainda mais, acompanhando na
desgraça um grupo que estava condenado por megalomania, excesso de
endividamento e fraudes várias.
O que se passou há dois anos rompeu uma regra – a regra de que os
governos usavam a Caixa a seu bel-prazer, lhe davam ordens políticas e a
viam como uma espécie de coutada para recompensar alguns ex-ministros
ou realizar negócios de duvidosa rentabilidade mas garantido alcance
político.
A promiscuidade atingiu o seu apogeu no tempo do governo que nos
conduziu à bancarrota e a forma de actuação foi em tudo coerente: o
desvario que colocou o país nas mãos da troika foi o mesmo desvario que
levou a Caixa a envolver-se em negócios ruinosos; a obsessão pelo poder
que levou o governo de Sócrates a aldrabar contas e distribuir benesses
foi a mesma obsessão pelo poder que levou esse mesmo Sócrates a utilizar
a Caixa para controlar a banca e, através dela, tentar controlar também
toda a comunicação social.
É por isso que é bom ter memória e, se preciso for, dedicarmo-nos um
pouco à arqueologia. Um país onde o governo se recusa a aprender com os
erros do passado, ou recusa mesmo admitir que eles tenham existido, é um
país condenado a sofrer repetidamente as dores da queda no abismo.
É por isso também que convém recordar alguns factos, entre os muitos
que merecem ser melhor apurados e outros tantos que necessitam de ser
investigados.
Primeiro que tudo, no país onde se grita que “os bancos são demasiado
importantes para serem deixados ao cuidado dos banqueiros” é bom ter
consciência que, entre o que o Estado já teve de colocar na Caixa Geral
de Depósitos e os quatro mil milhões que agora aí vêm, estamos a falar
de muito mais dinheiro do que o envolvido em qualquer dos resgates de
outros bancos, mesmo daqueles que foram escândalo público, mesmo dos que
configuraram crime grave. Pior: uma parte do lixo da Caixa Geral de
Depósitos foi varrido para dentro do BPN no tempo em que, depois da
nacionalização, esse banco foi colocado na bizarra situação de estar sob
a alçada da CGD. As perdas do BPN (administrado por Francisco Bandeira,
também ele um homem da confiança pessoal de Sócrates) no período
pós-nacionalização são, de resto, uma das histórias mais mal contadas e
mais omitidas de todo o conturbado processo desse banco e uma parte da
factura que já tivemos de pagar para “limpar” o balanço do banco
público.
Por tudo isto, o que temos por certo é que a CGD já custou muito
dinheiro aos contribuintes e vai custar ainda mais, e muito do que
custou não é consequência da “conjuntura”, antes de decisões de gestão
que foram políticas em vez de serem financeiras. Aqui a culpa não foi
dos banqueiros.
Depois é bom ter presente o que se soube nos últimos dias sobre alguns dos créditos mal parados ou incobráveis da Caixa, estimados em 2,3 mil milhões de euros.
É bom recordar a forma como a nomeação de Armando Vara para a
administração da CGD, em 2005, com Santos Ferreira, provocou a demissão
do primeiro ministro das Finanças de José Sócrates, Campos e Cunha. É
bom lembrar como essa administração foi instrumental em alguns negócios
emblemáticos desses anos, como o da La Seda em Sines, que acabaram muito
mal, ou então como o de Vale de Lobo, hoje a ser investigado por
suspeitas de corrupção. Ou como foi com essa administração que a Caixa financiou
o assalto ao BCP, para onde depois passariam os inevitáveis Vara e
Santos Ferreira, pela mão de figuras como Joe Berardo ou Manuel Fino e
tendo António Mexia (sim, ele mesmo) como mestre-de-cerimónias. Ou ainda
como tudo era feito nesses anos em conluio com o “dono disto tudo”, a
quem a Caixa de Vara ajudou no processo da OPA da Sonaecom à PT. Ou a
forma como o BCP, mais essa espécie de ponta-de-lança do Grupo Espírito
Santo que era a Ongoing, mais Sócrates e mais Vara, conspiraram (é o
termo, pois já conhecemos quase todas as escutas) para controlar a
comunicação social, fosse a incómoda TVI, fosse o grupo do “amigo
Oliveira” (Diário de Notícias, TSF, Jornal de Notícias), fosse tentando calar o Sol.
A Caixa, e depois o BCP, e depois o nacionalizado BPN no seu estertor
final e demencial, foram os instrumentos não apenas de um modelo de
desenvolvimento em que o primeiro-ministro intervinha directamente na
selecção e promoção de negócios privados, como de uma estratégia de
poder que passava por silenciar todas as vozes críticas, como ainda,
sabemos hoje, por uma sede de fortuna pessoal.
No dia em que foi conhecida a nomeação da administração de Santos
Ferreira e Vara para a Caixa Geral de Depósitos escrevi um texto
intitulado “Eles comem tudo?”
que começava recordando um princípio simples dos nossos regimes: “Uma
das regras de ouro da democracia liberal é o princípio do governo
limitado”. Ora esse princípio estava a ser contrariado na CGD, na qual o
primeiro-ministro passava a ter, através de Armando Vara, uma espécie
de “braço armado”. Estava porém longe de imaginar até que ponto os
poderes ilimitados do grupo que nos governou entre 2005 e 2011, quando
por fim entregou o país nas mãos da troika, se juntariam a outros
poderes fáticos, como os do antigo “dono disto tudo”, para conduzirem
Portugal por um caminho de que só a muito custo e com muita dor nos
arrancámos. Um caminho que entretanto deixou muitos cadáveres pelo
caminho, como a PT, primeiro fragilizada pelo poder político que impôs a
desastrosa entrada na Oi, depois arrastada para o fundo por ter ido em
socorro de Ricardo Salgado.
Durante muitas décadas a Caixa foi suficientemente grande e rica para
se prestar a todas as megalomanias – de que é exemplo paradigmático o
seu edifício sede – sem que isso afectasse demasiado os seus resultados.
Durante essas décadas a Caixa também pode ser o “banco público” sem que
se visse realmente onde fazia a diferença para os bancos privados no
que respeita ao financiamento da economia. Essas décadas acabaram –
acabaram por causa da crise financeira e acabaram pelo lastro deixado,
nas contas e no balanço da CGD, pelos “negócios” dos anos de desvario.
Nela alguns políticos provaram ser capazes de ser tão ou mais tóxicos do
que alguns banqueiros de má memória, o que de resto nem sequer é muito
original, pois sucedeu o mesmo noutros países, como na vizinha Espanha.
Ter disso consciência clara não é querer abrir caminho para nenhuma
mudança de titularidade no capital do banco do Estado, é apenas querer
ter os olhos bem abertos.
Regresso por isso ao episódio que recordei a abrir este texto. A
Caixa Geral de Depósitos de que necessitamos não deve ser apenas um
banco bem gerido e bem capitalizado – tem também de ser um banco
protegido das interferências governamentais. Em 2014 isso aconteceu
porque um primeiro-ministro foi capaz de dizer não ao até então “dono
disto tudo”; no futuro o que quero é que nenhum primeiro-ministro possa
dizer sim mesmo ao mais modesto e bem intencionado dos investidores.
Eu sei que estou a pedir muito, pois infelizmente conheço o meu país e
os hábitos das suas elites e dos seus políticos. Mas sei que só estou a
pedir algo que faria de Portugal um país um pouco mais moderno, um
pouco mais aberto e um pouco menos oligárquico e paternalista.
nas falências bpn nacionalizado
ResponderEliminarbes
banif
nos empréstimos desastrosos da cgd
esteve sempre presente o ps
será de novo o coveiro dos contribuintes
o incenheiro apareceu num jornal de hoje a negar a sua intervenção
com esta esquerda e este pr o rectângulo não tem futuro
até Pedro, irmão do pr disse que só pensa no futuro
o rectângulo 'vai a toque de caixa'
para o afundanço
inscrição do templo de Delfos (peregrino em 77)
'DÍVIDA, DESGRAÇA PRESENTE'
Socialismo de Estado explicado por Salazar
ResponderEliminar«Esse socialismo de Estado, que muitos apregoam e aconselham como um regime avançado, seria, na verdade, o sistema ideal para lisonjear o comodismo nato e o delírio burocrático do comum dos portugueses. Nada mais cómodo, mais garantido, mais tranquilo, do que viver à custa do Estado, com a certeza do ordenado no fim do mês e da reforma no fim da vida, sem a preocupação da ruína e da falência.
O socialismo de Estado é o regime burguês por excelência. A tendência para esse regime, entre nós, deve, portanto, procurar-se mais no fundo, falho de iniciativas da nossa raça do que noutras preocupações de ordem social. O Estado não paga muito mal e paga sempre. É-se desonesto, além disso, com maior segurança, com segura esperança de que ninguém repare.
As próprias falências, os desfalques, as irregularidades, se há compadres na governação, são facilmente afastados e os défices cobertos - regalia única! - pelos orçamentos do Estado.
As iniciativas, por outro lado, não surgem, não progridem, porque o padrão é imaterial, quase uma imagem. As coisas marcham com lentidão, com indolência, com sono. É possível que essa socialização tenha dado ou possa vir a dar óptimos resultados em qualquer outro país. Entre nós, os resultados não podem ter sido piores nalgumas experiências já feitas. Basta citar os Transportes Marítimos, os Bairros Sociais, os Caminhos de Ferro do Estado... Apenas uma excepção, que me lembre: a Caixa Geral de Depósitos. Essa é, realmente, uma iniciativa admirável do Estado Português, que tem prestado ao País, ao desenvolvimento da sua economia, sobretudo nestes últimos anos, incalculáveis serviços. (...)
Sou absolutamente hostil a todo o desenvolvimento de actividade económica do Estado em todos os domínios em que não esteja demonstrada a insuficiência dos particulares. Admito, sim, e procuro a cada momento desenvolver a intervenção dos poderes públicos na criação de todas as condições internas ou externas, materiais ou morais, necessárias ao desenvolvimento da produção. Essa intervenção é, mercê das dificuldades da época e dos problemas postos pela economia moderna, não só necessária, como cada vez mais vasta e complexa. Qualquer economia nacional que se encontrasse desacompanhada e desprotegida soçobraria em pouco tempo. Mas isso dificilmente se pode chamar socialismo de Estado.»
António Oliveira Salazar
Vivendi:
ResponderEliminarEm que altura foi escrito isso e onde?
Soberba lição de economia e finanças. Ou não tivesse Salazar sido polìticamente um génio nesse campo. E até em muitos outros, como na brilhante e inquestionável condução e governação do País. Portugal durante o Estado Novo foi Grande em todas as áreas do Poder. Quem disser o contrário mente. A prova está em que foi elogiado variadíssimas vezes por governantes de potências democráticas e não democráticas. A Obra de Salazar, erguida com sacrifício, humildade e enorme patriotismo, foi destruída em três tempos por um bando de traidores comunistas e socialistas, os mesmos que desde então têm-se dedicado com afinco e devoção maquiavélica a uma única tarefa, inverter os extraordinários feitos realizados pelo Estadista. O resto é conversa fiada que este mesmo bando de apátridas e ladrões anda há quarenta e dois anos a tentar mistificar e a esconder, valendo-se da pseudo democracia e elevando-a aos píncaros, através de um relambório reles e falso e afinal mais não é do que um regime inventado com o único objectivo de destruir países econòmicamente desenvolvidos, socialmente estáveis, seguros e em paz e com povos com trabalho assegurado, pacíficos e felizes.
ResponderEliminarParabéns Vivendi por mais uma magnífica transcrição do Homem que protegeu fèrreamente o País e o Povo dos seus inimigos e engrandeceu Portugal como nunca o havia sido desde 1820 e até ele próprio ter chegado ao Poder.
António de Oliveira Salazar, cit. in António Ferro, Entrevistas a Salazar, Parceria A. M. Pereira, p. 43
ResponderEliminarAntónio Salazar em entrevista a António Ferro em 1932.
ResponderEliminarObrigado. Acho que sei onde há à venda, mas deve ser caro...
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