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segunda-feira, setembro 12, 2016
Os parolos mediáticos e seus apóstolos
Um Observador feito Cristo a mostrar as chagas do costume
Há que ficar atónito com tudo isto: a entrevista do juiz Carlos Alexandre foi um desastre. Para o próprio. Para o Ministério Público. E para a percepção pública da Justiça em Portugal.
Impressiona quando um magistrado cede à tentação mediática de participar nos debates da esfera pública, pois esse não é o lugar da Justiça. Desassossega quando esse magistrado é Carlos Alexandre, o juiz que tem nas mãos, entre outros, a “Operação Marquês”, cujo desfecho condicionará a percepção pública da Justiça em Portugal. Preocupa quando, sendo entrevistado sem que se apreendesse o propósito da entrevista, esse juiz atira recados a José Sócrates, que se prepara para acusar formalmente – abrindo o flanco a dúvidas sobre a sua idoneidade e a uma queixa do visado. E inquieta quando esse mesmo juiz se diz sob vigilância, atirando suspeitas para o ar mas sem apresentar queixa, enquanto o país permanece mudo, incluindo o Ministério Público. Há que ficar atónito com tudo isto: a entrevista do juiz Carlos Alexandre foi um desastre. Para o próprio. Para o Ministério Público. E para a percepção pública da Justiça em Portugal.
Acredito convictamente na seriedade do carácter do juiz Carlos Alexandre. De resto, com a mesma convicção com que não confio na inocência de José Sócrates. Mas, aqui, o ponto não é esse. É, sim, que a Justiça tem de ser um espaço impoluto do regime democrático – sem ceder às pressões mediáticas e livre de pressões externas, sejam elas políticas ou criminosas. E, para tal, a Justiça tem de ser forte, porque aguentar essas pressões e defender a separação de poderes requer músculo institucional. Ora, quem assistiu à entrevista do juiz Carlos Alexandre não avistou nada disso. O sistema judicial indirectamente retratado pelo juiz exibe uma Justiça à qual falta força e que, por isso, por um lado cede à tentação da mediatização, e, por outro, assiste impotente ao exercer de pressões políticas e/ou criminosas que alegadamente espiam juízes. E se esse retrato institucional não fosse suficientemente negativo, o pior vem a seguir: o juiz Carlos Alexandre surgiu, tão inesperada quanto involuntariamente, no primeiro plano desses problemas.
O magistrado passou anos a fugir à sua própria mediatização, deixando, e bem, a Justiça fora da esfera pública e política. Até que concede uma entrevista televisiva, na qual dispara (discreta mas repetidamente) sobre José Sócrates – o que, vindo do juiz, merece repúdio. E, também, uma entrevista onde se diz alvo de espionagem, ao ponto de alterar rotinas e comportamentos, mas sem avançar com uma queixa junto do Ministério Público – o que, vindo do juiz, merece perplexidade. É que, se efectivamente se sente sob vigilância, apresentar queixa formal é o mínimo que se exige a quem acredita na Justiça – que recorra a ela para sentenciar as injustiças. Foram, portanto, dois erros inesperados, graves e com significado: as opções de atacar Sócrates no palco público e de lançar uma acusação de espionagem pela comunicação social, em vez de pelos canais próprios da Justiça, transpiram uma certa desilusão do juiz Carlos Alexandre no sistema judicial.
É, pois, justo e inevitável apontar o dedo ao juiz pelos erros que cometeu na sua entrevista – ninguém está acima do escrutínio. Mas é também importante destacar essa desilusão e o impacto que esta pode vir a ter na sociedade portuguesa. Sim, a percepção pública sobre o sistema judicial está calejada por fugas de informação, processos demasiado longos e uma reiterada incapacidade para julgar os mais poderosos. Mas a sucessão de casos liderados pelo juiz Carlos Alexandre (que abalou políticos, banqueiros e demais figuras do regime) chegou para abrir uma janela de esperança na opinião pública. Aos olhos de muita gente, o juiz representava uma espécie de último reduto: incorruptível, obstinado, justo e destemido, Carlos Alexandre era o juiz que ainda acreditava em levar a Justiça onde ela não chegava. Parece que já não acredita – ou, pelo menos, age como tal. A desilusão que, na entrevista, os seus actos manifestam é, nesse sentido, também a de uma parte do país que, não confiando na Justiça, confiava nele. Logo agora, na hora mais importante, ficou mais difícil acreditar na Justiça.
Este Cristo que assina esta crónica fustiga neste pequeno escrito um juiz de direito por falar em público, de si, essencialmente, e com o intuito de mostrar as chagas de sempre na Justiça portuguesa. Este Cristo é injusto e por isso um falso salvador da honra de um convento cuja ordem se desconhece. Como tal merece apreciação no que escreve por representar ideia peregrina que perpassa sempre no caminho da cruz desta Justiça que temos.
A principal chaga exposta: "a tentação mediática de participar nos debates da esfera pública", acrescentada em corolário pela afirmação de que "o magistrado passou anos a fugir à sua própria mediatização, deixando, e bem, a Justiça fora da esfera pública e política".
Comecemos por aqui.
O magistrado em causa concedeu a entrevista à SIC, estação televisiva por onde têm passado muitos outros magistrados, inclusive juízes, a falar de tudo e do habitual par de botas, sendo certo que um ou outro ( Rui Rangel, evidentemente) era comentador desportivo e depois partenaire de debate em programa com um certo Marinho e Pinto. Falava sobre tudo, menos sobre ele próprio ( et pour cause) mas não se esquecia de alvitrar palpites avulsos sobre questões processuais em casos pendentes e mediáticos. Nunca houve qualquer levantamento de rancho dos vários cristos mediáticos. Outros convidados avulsos apareceram em estações de televisão a falar sobre casos mediáticos, incluindo advogados obrigados a reserva estrita sobre tal. Nunca se ouviu qualquer clamor mediático sobre tal desvio estatutário.
A entrevista deste magistrado, Carlos Alexandre, à SIC, durou na realidade cerca de 4 horas segundo fontes bem informadas. Ninguém se preocupou, nem este Cristo nem outros apóstolos, com a circunstância de a entrevista de 4 horas ter sido editada e podada para os 45 minutos, segundo critérios, certamente jornalísticos, mas inevitavelmente idiossincráticos e que resultou na exposição que se viu. O que foi dito nas restantes duas 3 horas e um quarto? Alguém sabe? Seria desinteressante para o caso? Uma coisa parece certa: o juiz em causa segurou-se muito bem no dizer e não caiu certamente nas armadilhas do costume, falando sobre processos pendentes ou mostrando a sua opinião sobre casos sob reserva estatutária e processual.
Quando se tenta mostrar a chaga do "protagonismo" dos juízes, apontando a virtude da contenção e reserva absoluta como essencial ao cargo funcional o que se pretende exactamente dizer? É que tenho visto, lido e ouvido muitos sabidolas a falar no assunto, mas raramente explicam a verdadeira razão da reserva aconselhada. É sempre muito etéreo mas dado como princípio constitucional indiscutível...
O fundamental dessa reserva o que será, para os cristos e seus apóstolos? Duvido que saibam muito bem apesar de terem a certeza dessa sabedoria.
Quando um magistrado se cala, por se entender que é o processo que fala, os seus escritos, decisões, julgamentos, atitudes e idiossincrasias falam fatalmente por si.
Chegará tal comunicação muda para se entender um magistrado e o que deve ser o seu papel? Essencialmente, chega.
Mas há uma altura em que tal não é suficiente e carece de complementaridade comunicativa: quando se vilipendia pessoalmente o magistrado; quando se critica por tudo e por nada o magistrado, sobre o que decide e não decide, instaurando-lhe sucessivos processos intencionais; quando se insinua idiossincrasia maldosa ao magistrado ou quando se declara que não presta, não serve e devia ser corrido, inventando-lhe propósitos maléficos e de perseguição ou de estatuto peitado.
Tudo isso aconteceu com o magistrado em causa e quem é que falou assim? Alguns advogados de processos, sempre aqueles que estão relacionados com personagens do poder político, mediático ou institucional. Quem é que defendeu o juiz em causa? Algum dos seus colegas que declaram solenemente e pigarreiam ideias sólidas sobre o silêncio dos inocentes? Nem um.
Esses advogados e a sua corte de comentadores mediáticos não têm qualquer pejo em falar sempre que tal lhes convêm e toda essa corte acha normalíssimo que se insulte, vilipendie, difame, avilte ou diminua a honra profissional e por vezes pessoal do magistrado.
Pode dizer-se sempre que o magistrado tem ao seu lado a lei e o poder de fazer queixa, o que é hipócrita e nem merece qualquer acrescento argumentativo.
Durante anos a fio o magistrado em causa, juiz de instrução no tribunal central de instrução criminal, onde exerce sozinho, ouviu, analisou, decidiu e argumentou, nos processos. Ou seja, teve aí a sua voz, como é natural e normal.
A partir de certa altura, os apóstolos dos vários cristos mediáticos, vítimas daquelas decisões, escreveram, falaram, ajuizaram, analisaram, criticaram, bateram metaforicamente e esperaram sempre o silêncio estóico de um indivíduo que também é uma pessoa e não simplesmente um juiz abstracto.
O que estes falsos cristos pretendem com a imposição do silêncio absoluto é terem um alvo para (a)bater sabendo que este não lhes poderá responder. A partir do momento em que o mesmo tem a veleidade de balbuciar qualquer palavra em defesa de honra, caem-lhe em cima exigindo-lhe o silêncio estóico, sem excepções.
Este entendimento peregrino encontra eco nas altas instâncias de um poder judicial que interiorizou atavicamente este medo. Ninguém, nenhum juiz do STJ ou das Relações fala, simplesmente por medo de os acusarem de...falar. Se lhes perguntarem exactamente a razão porque não falam adiantam motivos em que eles próprios não acreditam plenamente.
Este silêncio imposto mediaticamente veio de uma ideia antiga que hoje não teria expressão. A sociedade de hoje não se compadece com um silêncio medieval porque a velocidade de transmissão de informações e de comunicações é de tal ordem que o silêncio dos magistrados nunca é de inocentes mas de medrosos e temerosos que não sabem comunicar ou informar. E isso não é valor que se possa creditar. Por isso mesmo temos o problema candente da dificuldade em sabermos o que se passa nos processos mediáticos: ninguém quer falar, por medo de ser acusado de ser protagonista ou procurar os focos mediáticos da exposição pública, como se isso fosse uma lepra intangível e permanente. Quando alguém fala, como a PGR ( o serviço propriamente dito que não a titular do cargo) nota-se a dificuldade em explicar, em comunicar, em informar. O medo impera naqueles comunicados. Um medo atávico que ressuma atraso e inferioridade de um poder que deveria ser mais assertivo e não é.
Noutros países, como por exemplo a Itália nunca foi assim e não consta que tenham uma magistratura inferior à nossa. Ou o Brasil, agora em foco.
Por isso coloco a imagem acima, de dois magistrados exemplares que em Portugal faziam agora muita falta, em vez dos silenciosos que têm medo de sair à rua mediática.
Falcone e Borselino davam entrevistas e até se pronunciavam sobre os temas que tinham em mãos: o terrorismo mafioso. Ninguém se incomodava com tal atitude ou os acusava de falarem do que não deviam. E muito menos de os relegarem para os corredores e gabinetes escuros dos palácios de justiça.
Alguém duvida da honorabilidade, qualidade humana, competência e categoria de ambos? A Itália é um país mais atrasado que o nosso? Quem é que lhe copiou as leis, precisamente as de processo penal? Fomos nós...
Assistiu-se nos últimos meses a comportamentos dos advogados deste Sócrates inacreditáveis, incompreensíveis e intoleráveis. A PGR nem um pio de desagrado mostrou. Inacreditável, incompreensível e intolerável também. Tudo por medo. O presidente do Sindicato do MºPº falou e devido a um lapso de comunicação foi comido vivo na praça pública por esses mesmos salafrários sem um pio de defesa da PGR e ainda por cima com um processo disciplinar por ter dito o que disse.
Neste contexto, as declarações públicas do juiz Carlos Alexandre assumem o ar de lufada fresca que desanuvia este medo atávico da magistratura em geral.
É isto que estes cristos e apóstolos não querem entender e gostaria de saber porquê. Gostaria principalmente que me dessem uma única razão para exigiram a continuação do medo e do silêncio dos magistrados.
Por outro lado e como o escrito vai longo fica para a próxima a análise de outro ponto importante e revelador também da hipocrisia militante destes cristos e seus apóstolos:
"O sistema judicial indirectamente retratado pelo juiz exibe uma Justiça à qual falta força."
Muito bem
ResponderEliminarMas é por estupidez e também por falta de informação que até um neotonto como este cristo escreve a bacorada no Observador
É burro, neste caso. Simplesmente.
ResponderEliminarSim. A burrice causa danos.
ResponderEliminarO Gabriel do Blasfémias reagiu da mesma forma atávica.
Não pensam, agarram-se a supostos dogmas, não interrogam quem os lançou e depois sai asneira.
ResponderEliminarHá mais de uma dúzia de anos que andamos nisto e fui agora ver textos no Grande Loja do Queijo Limiano que assim mostram.
Não avançamos um milímetro e até recuamos...
Veja aqui
O link não leva a página nenhuma
ResponderEliminarAh, ok. tem um sinal a mais no link, a seguir a html
ResponderEliminarAssim dá
http://grandelojadoqueijolimiano.blogspot.pt/2004/06/o-inadaptado.html
O "dever de reserva", pois...
ResponderEliminar"Expresso - Quer dizer que os magistrados não se devem calar?
Cunha Rodrigues - Quero dizer que há um limite e que a certa altura devem usar a palavra. Há um pouco a ideia de que os magistrados devem ser discretos e apagados. É um fenómeno tão universal que foi necessária uma recomendação da ONU, dizendo que os magistrados têm o direito e até o dever de falar quando houver questões relacionadas com os direitos do Homem, com a Justiça, com as liberdades ou com a independência dos tribunais.
Expresso - Parece-lhe que há falta de líderes na magistratura portuguesa?
Cunha Rodrigues - Sim. A magistratura, neste momento, precisa de líderes, os quais deviam aparecer mais perante a oipinão pública. (...) "
Mais no meu dá perfeitamente...
ResponderEliminarAqui vai outra vez:
aqui
Agora está bem. Tinha um sinal de = a seguir a html
ResponderEliminarDigitando "Liberdade de expressão grandelogadoqueijolimiano" no Google aparece uma série de postais sobre o assunto...com mais de uma dúzia de anos.
ResponderEliminarComme le temps passe vite, madame.
c'est vrai, mon ami
ResponderEliminar";O)
a máfia rosa e vermelha
ResponderEliminaré muito mais poderosa que a siciliana
porque está no poder
O juiz Carlos Alexandre foi burro e não devia ter dado a entrevista.
ResponderEliminarSe a desse deveria ter escolhido o canal e o entrevistador(a).
Tenho para mim que a SIC agiu de forma malévola ao destacar a entrevistadora, cujo propósito era 'enterrar' Carlos Alexandre.