Observador:
O Acórdão da Relação do Porto sobre o adultério e violência
doméstica, tão publicitado na imprensa nacional e internacional, é um
exemplo claríssimo da necessidade de introduzir um recurso de amparo
constitucional na ordem jurídica portuguesa. Parece-me que é altura de
revisitar a questão das competências do nosso Tribunal Constitucional,
aperfeiçoando a nossa justiça e evitando vazios de proteção
constitucional.
O recurso de amparo constitucional é um mecanismo permite a um
particular sindicar a violação dos seus direitos e liberdades
fundamentais. Funciona, então, como a última instância (última
oportunidade) de proteção de direitos fundamentais perante o Tribunal
Constitucional, na hipótese de estes não terem sido suficientemente
protegidos pela justiça ordinária (justiça levada a cado por todos os
tribunais).
Qual é a resposta que o ordenamento português oferece perante
violações de direitos fundamentais praticadas por uma decisão judicial?
Uma solução é o recurso a um tribunal superior. Tendo a revisão da
legislação processual penal de 2007 limitado excessivamente o recurso
para o Supremo Tribunal de Justiça em matéria penal, esta hipótese não
será viável para o caso recentemente decidido pelo Tribunal da Relação
do Porto. Existirá sempre a possibilidade de recurso para o Tribunal
Europeu dos Direitos do Homem (artigo 34.º da Convenção Europeia dos
Direitos do Homem), no entanto, a requerente teria de invocar a violação
de direitos consagrados na Convenção e de se sujeitar, goste-se ou não,
à limitada força executiva da jurisprudência do Tribunal Europeu.
Ora, estando em causa direitos fundamentais, poder-se-ia pensar que o
Tribunal Constitucional seria um candidato natural a avaliar esta
questão. Não é esta, porém, a realidade portuguesa. É a própria
Constituição que limita o objeto dos processos perante o Tribunal
Constitucional ao controlo de normas. Os atos normativos, vulgo normas,
são atos jurídico-públicos gerais e abstratos, tais como as leis da
Assembleia da República ou os decretos-leis do Governo. “Gerais”
significa que se aplicam à generalidade das pessoas e “abstratos” indica
que não são pensados para um caso concreto. Pelo contrário, as decisões
judiciais são atos jurídico-públicos não normativos, isto é, são
individuais e concretos. De facto, as decisões tomadas por um juiz ou
por um coletivo de juízes aplicam-se apenas às partes no processo e
àquela específica situação trazida a tribunal.
Quanto a este aspeto, não deixa de ser curioso notar a total
disparidade entre a consagração do princípio da constitucionalidade
(artigo 3.º, n.º 3 da Constituição) – que dispõe que a validade de todos
os atos jurídico-públicos (normativos ou não normativos) depende da sua
conformidade com a Constituição – e o modelo de fiscalização da
constitucionalidade adotado, que é meramente normativo, ou seja, só
controla atos gerais e abstratos. De fora ficam os atos não normativos
e, por consequência, as decisões judiciais.
Foram várias as propostas de inserção de um mecanismo inspirado no
“amparo constitucional” espanhol ou na “queixa constitucional”
(Verfassungsbeschwerde) alemã.
A introdução de um recurso de amparo constitucional implicaria uma
alteração à Constituição, porquanto teria de compatibilizar-se com
algumas peculiaridades da nossa fiscalização concreta da
constitucionalidade (fiscalização que ocorre na sequência de um processo
a correr num tribunal nacional e em que surge um problema de
constitucionalidade de uma norma a aplicar), em especial por os
julgamentos de inconstitucionalidade em sede desta fiscalização terem
meros efeitos entre as partes processuais (e não, efeitos para toda a
comunidade jurídica).
A defesa deste mecanismo tem um apoio significativo na doutrina
constitucional portuguesa (Jorge Miranda, J. J. Gomes Canotilho, Jorge
Reis Novais, Maria Lúcia Amaral, como exemplo de juristas que têm obra
expressamente dedicada a esta questão). Aquando das revisões
constitucionais de 1989 e 1997, foram apresentadas, à direita e à
esquerda, várias propostas de introdução de uma ação direta de controlo
da constitucionalidade de atos jurídico-públicos lesivos de direitos,
liberdades e garantias. Contudo, não obtiveram, nos termos do n.º 2 do
artigo 286.º Constituição, a maioria de dois terços (153 Deputados) para
serem aprovadas pela Assembleia da República.
Os principais receios na introdução de um amparo foram, entre outros,
o surgimento de atritos com os supremos tribunais ordinários (Supremo
Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Administrativo) e o perigo de
entupimento do Tribunal Constitucional com uma aluvião de processos.
Para contornar este problema de défice de tutela, o nosso Tribunal
Constitucional tem desenvolvido uma jurisprudência “amiga dos direitos
fundamentais”, admitindo, em certas circunstâncias, a fiscalização da
constitucionalidade das normas na interpretação concreta que delas faz o
juiz ordinário. Como facilmente se adivinhará, não é fácil saber onde
está a linha que separa o controlo da norma do controlo da interpretação
da norma. O domínio desta filigrana distinção exige certamente um
advogado de elevado mérito técnico-jurídico e não favorece a
democratização da justiça constitucional.
Tenho obviamente consciência dos problemas que a eventual criação de
um recurso de amparo constitucional potencia. A preocupação com a
sobrecarga de trabalho do nosso Tribunal Constitucional é tudo menos um
argumento fútil. Não se pretende metamorfosear o Tribunal Constitucional
numa quarta instância de recurso. Concomitantemente, de nada interessa
afundar o Tribunal Constitucional numa ingrata tarefa de admissão de
requerimentos de amparo, negligenciando questões relevantíssimas, tais
como os processos de fiscalização abstrata preventiva e sucessiva da
constitucionalidade.
Por essa razão, seria imperativo consagrar exigentes e eficazes
mecanismos de filtragem, que impeçam um bloqueio da atividade do
Tribunal Constitucional ou a utilização deste mecanismo como expediente
dilatório. Com este desiderato, seria avisado que, a ser introduzido
este mecanismo, o legislador acompanhasse os resultados das reformas de
processuais constitucionais que tiveram lugar na Alemanha e em Espanha e
que procuraram reservar o recurso de amparo para situações genuinamente
excecionais e extraordinárias.
Se, por um lado, a Constituição Portuguesa exige que os direitos
fundamentais sejam amplamente protegidos (n.º 1 do artigo 18.º), por
outro lado, é preciso ter em conta os limites da atividade que o
Tribunal Constitucional pode realisticamente desempenhar. Por isso, em
vez de um “amparo-tutela”, poderia introduzir-se um “amparo-controlo”,
apostando numa lógica de horizontalidade que é, aliás, veiculada pela
nossa Constituição. Nestes termos, a tutela dos direitos fundamentais
compete à jurisdição ordinária (artigo 204.º), reservando-se ao Tribunal
Constitucional os casos especialmente complexos ou que sejam de elevada
importância para a futura interpretação e aplicação do Direito
Constitucional.
Como já escrevi
defendo que a inserção de um recurso de amparo constitucional traria as
seguintes vantagens: “(i) em primeiro lugar, uma tal “democratização”
da justiça constitucional alteraria significativamente o modo como os
cidadãos perspetivam o Tribunal Constitucional, incutindo neles uma
cultura democrática, com substrato na proteção efetiva dos direitos
fundamentais dos particulares e promoveria uma atitude de militância em
defesa dos seus direitos; (ii) depois, não os deixaria tão profundamente
reféns de uma atitude generosa do Tribunal Constitucional e/ou do
mérito técnico-jurídico do seu advogado, permitindo maior certeza e
segurança jurídicas; (iii) algo inesperadamente, a jurisdição ordinária
também lucraria, com um acréscimo de confiança no aparelho judicial,
dada a hipótese do cidadão poder recorrer contra decisões judiciais
lesivas de direitos, liberdades e garantias e direitos fundamentais de
natureza análoga; (iv) e, por fim, teria como consequência a atribuição
ao TC de uma tarefa de unificação hermenêutica da interpretação sobre o
conteúdo e alcance dos direitos fundamentais”.
Catarina Santos Botelho
Professora de Direito Constitucional na Universidade Católica Portuguesa.
Comentário:
Esta professora de direito constitucional ou não leu o acórdão em causa ou equivocou-se no assunto. A suspensão da pena de prisão aplicada na decisão não contende com as considerações avulsas em que pretensamente os desembargadores incorreram e que são relativamente inúteis para o caso concreto.
Defender recursos de amparo como esta professora defende, valendo-se deste exemplo é muito mau sinal da qualidade de ensino que existem nas faculdades de Direito actuais, mesmo a Católica.
o rectângulo social-fascista está na agonia em todos os aspectos
ResponderEliminarEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminarA educação em geral e especializada está pela hora da morte… é aquilo que mais me mete impressão neste mundo pós-25A. Já há resultados, com os paizinhos de 40 anos a serem literalmente piores que os filhos pequenos que andam na escola. O futuro só poderá ser negro, idiotas a ensinar idiotas que mais cedo ou mais tarde saltarão das jotas para liderar as empresas e o país.
ResponderEliminardos conhecidosda geração do meu filho: 55 anos
ResponderEliminar5 nunca conseguiram emprego apesar da qualidade inteçectuak
nos concursos foram preteridos por analfas
5 já faleceram por doenças diferentes
a Legionella veio para ficar
cativações
sempre ratos ao seu dispor
impostos e divida sempre a subir
ResponderEliminarÀ boleia da matéria controvertida queria saber a opinião do José sobre o seguinte: Há quem diga que os dirigentes catalães só poderiam ser julgados pelo Tribunal Superior da Catalunha. Tal não caberia às instituições de Madrid. Qual é a opinião do José sobre o assunto ?
João Pedro
Nenhuma. Não me interesso pelo problema catalão e por isso não tenho opinião.
ResponderEliminarmesmo a Católica....
ResponderEliminarE a pensar que nem era sequer fac. de direito isso.
E noutra nota, José Manuel Fernandes no Observador: "Este é o Orçamento da função pública e das corporações, não um OE para servir a economia e os portugueses. Um OE para anestesiar o país e viver sem contestação. "Viver naturalmente" como diria Salazar" e diz que "Há um certo aroma salazarista na economia da geringonça".
ResponderEliminarEstes indivíduos afinam todos pelo mesmo diapasão. Este JMF julga que ofende os indivíduos da tal geringonça com estas tiradas quase inteligentes? Um orçamento que não é para servir a economia e os portugueses tem aroma salazarista? Este tipo ou é burro ou come merda. Deve ser outro ressabiado que transitou do MRPP… Não dá mais nada na imprensa. E é isto um jornal da dita direita. Deve ser de extrema-direita, segundo a geringonça.
só o nome recurso de amparo...cópia de qqer recurso estrangeiro--demonstra a fraca qualidade do texto da profª (???)
ResponderEliminarna realidade, o aspeto relevante neste texto é exatamente o uso pelo trib constitucional da competência...que não se sabe onde a foi buscar...de apreciar decisões de juízes na interpretação que fizeram de uma dada norma....
ora isto não é fiscalização de constitucionalidade tal como determina a constituição....NÃO é fiscalização de normas...é fiscalização de casos concretos.....coisa que a constituição não admite....
mas é a maioria dos acórdãos do trib constitucional.....
Há juízos/afirmações factuais inconstitucionais?
ResponderEliminarParece-me que a maior parte do texto polémico é feito de afirmações factuais, de juízos de natureza factual, embora complexos, conclusivos, por ocultarem os factos básicos; e não de juízos valorativos ou de direito.
Sendo assim, o tribunal Constitucional não poderia ocupar-se se tais juízos.
Vejamos:
«Por outro lado, a conduta do arguido ocorreu num contexto de adultério praticado pela assistente» (é um facto provado, que ocorreu no mundo).
«Sociedades existem em que a mulher adúltera é alvo de lapidação até à morte» (é um facto que se afirma existir no mundo, embora não concretizado).
«Na Bíblia, podemos ler que a mulher adúltera deve ser punida com a morte» (é um facto que existe no mundo).
«Ainda não foi há muito tempo que a lei penal (Código Penal de 1886, artigo 372.º) punia com uma pena pouco mais que simbólica o homem que, achando sua mulher em adultério, nesse acto a matasse» (foi/é um facto que existe/iu no mundo).
«…o adultério da mulher é uma conduta que a sociedade sempre condenou e condena fortemente…» (quando se afirma que a sociedade condena uma certa conduta está-se a afirmar algo que existe no mundo, logo um facto. Poderá a afirmação não corresponder à realidade).
«…por isso vê com alguma compreensão a violência exercida pelo homem traído, vexado e humilhado pela mulher» (afirma-se aqui algo que existe no mundo, a dita «compreensão» por parte da sociedade. A afirmação poderá não corresponder à realidade, sendo certo que se trata de um facto conclusivo, mas ainda tem natureza factual).
Seria necessário fazer alguma ginástica para o Tribunal Constitucional exercer a sua tutela, pois não há factos inconstitucionais, nem factos constitucionais.
Censuraria afirmações de natureza factual, dizendo que o tribunal recorrido não as podia ter afirmado na fundamentação por serem inconstitucionais?
Se o pudesse fazer então existiriam factos inconstitucionais, o que me parece uma impossibilidade jurídica.
Mas enfim, sempre se poderá dizer, como já se disse, que jurídico é aquilo que quem manda diz que é jurídico.
"perspetivam"
ResponderEliminarPorreiro, pá!
Muja, não é só esse vocábulo que é porreiro, também o são 'aspeto' e 'exatamente' e porventura mais alguns, como agora é a norma.
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