Estaria numa das estantes da livraria Casa do Globo, em Braga, na rua do Souto, e que percorria com olhos sempre em movimento rápido para abarcar toda a extensão dos livros que me interessavam.
O almanaque do Século tinha um atractivo irresistível: era um pequeno calhamaço de 700 páginas que prometia carradas de informação sobre tudo um pouco. Uma mini-enciclopédia de bolso.
Antes só conhecia os almanaques de S.to António que os missionários combonianos vendiam no início de Dezembro, juntamente com os habituais calendários e ainda os da Bertrand, mais sofisticados e laicos que me fascinavam pelo cuidado artístico das capas.
Um breve folhear deu-me logo o recheio que me interessava: resenha dos acontecimentos do ano, quase nenhumas fotos, a não ser na secção muito desenvolvida de "Cinema". E tinha também Teatro, Música ( erudita), História, Geografia, Literatura, Desporto e mais, muito mais, incluindo os nomes de todos os papas que tinham exercido e de todos os governadores civis da altura e dos bispos portugueses. Até uma secção inteira, no meio, sobre "alguns países e a sua história", com várias páginas de mapas a cores, o que era raro nessa altura. Irresistível, portanto. Comprei e guardei. Durante o ano seguinte, 1970, esse e o das Seleções ( do Reader´s Digest) em brasileiro e com uma secção dedicada a assuntos de Portugal, um almanaque ainda mais sofisticado ( papel quase bíblia, como os brasileiros usam nas revistas, com muitas ilustrações a preto e branco) , extenso ( 1024 páginas, ainda mais enciclopédico que aqueloutro) e portanto mais informativo e didáctico, serviram-me como auxiliar de "estudo" para amenizar as duras horas de estudo aplicado e sem intervalos :
Este almanaque tinha a resenha dos acontecimentos do ano anterior e nos últimos meses era assim. De notar que no mês de Novembro na nota à catástrofe ocorrida na noite de 25 para 26, aparece a menção ao facto de ter sido a maior depois do terramoto de 1755 e ainda à contabilidade dos mortos: em número superior a 500, escreve-se, sem censura.
E os meios de comunicação social mais importantes que então havia:
Imagino como se deve rir agora o nosso amigo "Cortiço", e a pensar lá no outro lado: "Quem iria imaginar que o malandro haveria de fazer coisas bem actuais com aquilo, cinquenta anos depois...".
ResponderEliminarPois...cá o "freguês" guardou a sabedoria de almanaque durante este tempo todo para poder demonstrar algumas causas das coisas.
ResponderEliminarE vem mais, a seguir...
Notei que as páginas 380 e 381 estão repetidas e achei que é um bom pretexto para lhe desejar Boas-Festas.
ResponderEliminarCurioso, ja nao se publicam almanaques e lunarios. Aqui em Inglaterra tambem havia, ja os vi num museu e em alfarrabistas. Semelhantes aos portugueses, com informacoes astrologicas uteis para a agricultura, proverbios, sabedoria antiga. Os ricos ingleses decadas atras tambem tinham isto, que certamente sera visto com nojo e desdem pelos portugueses de agora, como algo do "pais rural, atrasado analfabeto, rude, do fassismo".
ResponderEliminarAlias, as fotografias das aldeias inglesas das zonas rurais, decadas atras, nao diferem muito de aldeias portuguesas da epoca. Casas antiquissimas em pedra ou madeira, algumas sem telhas, muros de tijolo ou pedra, cercas de madeira, agricultores com roupas de trabalho, sujos, a carregar legumes, por vezes ruas sem asfalto ou calcada, muitos animais. Ja nao me recordo qual foi o iluminado portugues, escritor, que foi a Holanda e ficou espantado por ver uma feira de gado.
Esta foi uma das conquistas de Abril: o odio ao mundo rural, a producao local, a pecuaria, as feiras, tudo visto como algo de pais "atrasado". Difundiram entre as massas a ideia de que na mitica "Europa rica" toda a gente trabalharia de "fato e gravata". Medina Carreira conta que alguem do Governo de Cavaco lhe tera dito, "agricultura nunca mais". Ora agricultura e pecuaria nao falta em Franca, Inglaterra, na Holanda, Alemanha ou Dinamarca. O nosso problema era este: nao tinhamos passado no seculo XIX e na primeira metade do seculo XX de uma agricultura de subsistencia e familiar para uma agricultura moderna, mecanizada, especializada, produtiva, ligada a um tecido industrial local de transformacao para consumo interno e exportacao.
Ora o que estava na mente de muitos abrileiros era isto: campos de golfe e urbanizacoes na costa, eucaliptos nas serras, reservas de caca no Alentejo, subsidios de Bruxelas, construcao e obras publicas. Agricultura? Mundo rural? Coisas do fassismo.
Estou farto e parte de Portugal mete-me nojo.
"Notei que as páginas 380 e 381 estão repetidas e achei que é um bom pretexto para lhe desejar Boas-Festas."
ResponderEliminarObrigado. Já corrigi e acrescentei as que faltavam. Ainda faltam mais mas julgo que sem interesse.
Zephyro escreveu: «... reservas de caca no Alentejo...».
ResponderEliminarGostei!
E o Manel Alegre a poia.
E o know it all Miguel Sousa Tavares também a poia!
ResponderEliminarEu tenho um monte de almanaques da Bertrand… eram de um familiar da minha mulher que faleceu… e ia tudo para o lixo, ninguém quer nada! Ainda não dei uma olhada naquilo como deve de ser. Porque é que duas publicações religiosas estão riscadas com vigor?
ResponderEliminarMuito boa a página das cheias, mais uma prova que a imprensa actual não tem emenda. À censura ainda se juntam as causas da esquerda e da direita que temos.
ResponderEliminarPorque são protestantes...ahahahah!A sério.
ResponderEliminarCaro Zepyrus.
ResponderEliminarNão deve ter andado por cá na altura do 25 de A bril. Mas um dos grandes objectivos da esquerda era precisamente a reforma agrária.
Essa reforma agrária foi destruída pela direita que em vez de campos de trigo fez campos de golfe.
Grande parte dessa direita é a mesma das grandes famílias capitalistas do estado novo, como os Espirito Santo.
Por isso não deite as culpas aos "abrileiros".
Hehe… podia ser pior José…
ResponderEliminarZephyrus os comunas sempre tiveram jeito para a agricultura e mandar trabalhar os trabalhadores. Na URSS foram milhões de mortos, milhões de deslocados, milhões de esfomeados… na China, depois do grande salto em frente, milhões e milhões de mortos de fome. Cá também queriam e há um filme muito eloquente de um agricultor a explicar ao comunista que a sachola era dele, foi ele que a comprou. Mas o comuna não percebia esse conceito simples.
Hoje como faltam trabalhadores, a revolução vai ser feita com os LGBT e bi-curiosos. O amanhã vai cantar fininho.
Escreve-se sem censura, pois. O epitáfio do Che em Outubro e o regozijo com a paz ao Vietename apregoada pelo Ike são propaganda da boa.
ResponderEliminarQue censura tão atroz!
«Porque são protestantes»
ResponderEliminarAAHHAHAHAHAHAHA
Cheguei e já tenho que ler
ResponderEliminarCaro Bic, peco desculpa pelos erros mas o teclado e o software anglo-saxonicos...
ResponderEliminarPedro sabe la o que fizeram na Reforma Agraria. Os jornalistas deveriam ir a Alcacer do Sal e falar com umas certas pessoas e por tudo em horario nobre. Basta de ter medo de comunistas.
ResponderEliminarHá sempre uns pândegos a animar aqui o blogue, o Rb anda em parte incerta agora aparece este Pedro que é muito engraçado nos comentários que faz. De qq modo não convém dar-lhes muita trela porque senão nunca mais desamparam a loja.
ResponderEliminarhttps://www.publico.pt/2017/12/28/politica/noticia/nicolau-santos-vai-presidir-ao-conselho-de-administracao-da-lusa-1797432
ResponderEliminar...só porque tem graça.
Caro Zephyrus.
ResponderEliminarFalar com pessoas assim como estas daqui, que me garantem que livros à venda em todas as livrarias são "proibidos" pelo actual regime ?
Se calhar é melhor não me dar ao trabalho...
Havia vários projectos d reforma agrária para além do comunista, que foram abafados no ovo, devido à traição do partido socialista, que nunca arrancou com a reforma agrária de orientação social-democrata.
Quanto à reforma agrária comunista, a única que arrancou, foi logo liquidada pelo mesmo partido socialista.
Só restaram as negociatas com grupos económicos nas mãos de capitalistas que já vinham de antes do 25 de Abril, que criaram a "agricultura de campos de golfe".
De qualquer maneira a questão da agricultura foi crucial para os abrileiros de esquerda.
Quem deu cabo desses planos, bons ou maus, foi a direita, que se aliou aos capitalistas do antigo regime.
Por isso atribuir essa política aos abrileiros toou court é um abuso. De resto não passou da continuidade de uma tendência que já vinha dos fins do estado novo.
Caro José Luís.
ResponderEliminarSim, já tinha reparado que têm sérios problemas em lidar com o contraditório.
O que é bem indicativo da consciência que têm da validade do vosso argumentário...
Mas para correr comigo, temo que tenham de usar mesmo a vossa querida censura, não é por ficarem amuados que me vou embora.
É que sinto-me bem aqui.
Farto-me de rir.
Dá para contarem outra vez aquela de que os judeus é que perseguiam os nazis ?
Vá lá !
Alguma alma caridosa que dê o contacto de um pretalhão dispponível para atender o carente!
ResponderEliminar«Porque são protestantes»,
ResponderEliminarEm relação ao ano 1969 e a «riscar com vigor porque são protestantes» vale a pena recordar/conhecer o Breve Exame Crítico do Novus Ordo Missæ dos Cardeais Ottaviani e Bacci:
https://www.fsspx.com.br/wp-content/uploads/2009/09/Breve_Exame_Critico_do_Novus_Ordo_Missae.pdf
O salazarismo de bordel da zanzei é encantador.
ResponderEliminarEstá visto porque nunca a "ostracizarão" !
Os problemas do Alentejo, a meu ver, eram estes: o regadio nao estava desenvolvido e ao lado em Espanha o franquismo tinha conseguido que o pais vizinho tivesse ja perto de metade da area irrigada da Europa; o azeite nao tinha a qualidade do azeite produzido em Espanha ou Italia e so veio a ter em anos recentes, sucedendo o mesmo com os vinhos; nao havia um tecido industrial a nivel local nas vilas e sedes de concelhos que produzisse presuntos, enchidos, queijos, pates, licores, que transformasse a cortica, essencias ou oleos para mercado interno e exportacao (ainda hoje nao existe). A reforma agraria atacou algum destes problemas? Nao! Que os comecou a atacar foi o Estado Novo. Em Inglaterra encontro facilmente azeites, queijos, presuntos, vinhos e outros produtos alimentares de Espanha, Italia ou Franca. O que ha de Portugal? Nada, nada, nada. So vinho do Porto. Esta e a nossa tragedia. Nao produzimos o suficiente e importa perceber porque. E em 40 anos de democracia isto nunca foi prioridade absoluta. So a porcaria do social e da solidariedade para enganar as massas...
ResponderEliminarA 23 de Abril de 1974 tinhamos tudo para chegar agora a 2017 mais ricos e com menos carga fiscal que uma Catalunha. Se assim nao foi devemos em grande medida as ideias e medidas propagadas por uma geracao de Esquerda. Devemos a Mario Soares, Vital Moreira, Vitor Constancio, Rosa Coutinho, Alvaro Cunhal, Boaventura de Sousa Santos, Francisco Louca, Manuel Alegre, Antonio Guterres, Vasco Goncalves, Jose Socrates, entre muitos outros, mas tambem em certa medida a Cavaco Silva ou Pinto Balsemao, entre tantos outros nomes de uma suposta "Direita" que em boa verdade nunca existiu...
ResponderEliminarEste problema, da producao local, da ausencia de burguesia local, de industrias, de exportacao, so foi abordado como deve ser por um Professor Jose Hermano Saraiva, por Medina Carreira ou por um Ministro que foi corrido pela canalha do sistema, Alvaro dos Santos Pereira.
ResponderEliminarQuem e o maior empregador em cerca de dois tercos do pais? De que vive a populacao? A conta do Estado. Trabalham ou para o Estado Central, em escolas, SNS, camaras e juntas de freguesia, Estado paralelo (Misericordias, Fundacoes), ou vivem de prestacoes sociais, entre pensoes, fundos de desemprego, subsidios diversos. Isto nao e sustentavel ha muitos anos e se Buxelas nos tira o tapete constataremos a nossa real miseria dourada...
A reforma agraria nunca pretendeu atacar nenhum destes problemas pois os seus objectivos eram outros...
ResponderEliminarAlem do mais, que fariam com a pequena propriedade do Norte e do Centro? Teriamos uma guerra civil. Naquela altura, o povo ainda era mais agarrado a sua pequena hortinha que hoje...
Zephyrus, comentários inteligentes e acertados. Concordo a 100% com tudo quanto escreveu.
ResponderEliminarCaro Zephyrus.
ResponderEliminarEu não disse se a reforma agrária era boa ou má.
Eu disse que a questão agrária era uma questão central para a esquerda que foi abafada pela ala direitista em conluio com capitalistas do estado novo que cagaram nisso e plantaram campos de golfe.
Conforme eu disse reforma agrária havia duas. A social-democrata e a comunista.
A primeira nem chegou a ser lançada e a segunda foi liquidada num ano ou dois.
Claro que a reforma agr nunca chegou a atacar nenhum dos grandes problemas porque passado um ano já estava cercada por todos os lados a lutar pela sobrevivência. Atribuir-lhe resoonsabilidades pelo que outros fizeram depois de a destruir não tem sentido.
Entretanto o estado em 40 anos também não tinha resolvido os nossos problemas rurais. E houve alguns avanços pós 25. A barragem do alqueva e várias outras, mecanização, melhoria da qualidade dos vinhos.
Ainda recentemente a agricultura vinha a recuperar, até a seca começar a deitar tudo abaixo.
Caro Zephyrus.
ResponderEliminarA crise já tinha começado antes do 25. Deveu-se á recessão dos anos 70 que afetou todo o ocidente e da qual o ocidente nunca recuperou.