Segundo este artigo do Público de hoje, os pensadores dessa esquerda mais à esquerda, já comentaram e também acham que o BE não é de extrema. Para o impagável Boaventura Sousa Santos nem devia ser radical, porque afinal aceita as "instituições". Quais? BSS não diz, mas devem ser as que o Estado tem para lhes oferecer. A instituição capitalista não é com certeza. A instituição democrática que integre uma extrema-direita também não.
Um professor do ISCTE considera que o BE apareceu vindo do Política XXI e por isso não se insere na extrema-esquerda. Afinal, fizeram a "crítica à herança totalitária" o que chega para os demarcar desse radicalismo de doença infantil, como lhe chamava o PCP.
Até o velho bispo da igreja trotskista, Louçã, filho de almirante do antigo regime, considera um dislate tal classificação: "o bloco nunca se chamou extrema-esquerda".
Temos por isso, no espectro político nacional, um único partido de extrema-esquerda: o PCP. Foi o único que não se demarcou de tal "herança totalitária" uma vez que continua a tecer loas aos bons velhos tempos da URSS estalinista. Quem diria? Ao longo das décadas o Avante o O Militante não deixam enganar ninguém. Basta ler o que se escreve nessas publicações comunistas.
Ora então se o BE nunca se chamou extrema-esquerda, chamou-se o quê? Já aqui o tenho escrito, dito pelo próprio Louçã, em 2005 e 2009:
Diz assim Louçã, sobre a essência ideológica do BE, depois da pergunta "Em que é que o BE acredita?":
"Numa esquerda socialista. (...) Para nós o socialismo é a rejeição de um modelo assente na desigualdade social e na exploração, e é ao mesmo tempo uma rejeição do que foi o modelo da União Soviética ou é o modelo da China. Não podemos aceitar que um projecto socialista seja menos democrático que a "democracia burguesa" ou rejeite o sistema pluripartidário. Não pode haver socialismo com um partido político único, não pode haver socialismo com uma polícia política, não pode haver socialismo com censura. O que se passa na China, desse ponto de vista, é assustador para a esquerda. (...) Agora, a "esquerda socialista" refere-se mais à história da confrontação, ou de alternativa ao capitalismo existente. Por isso o socialismo é, para nós, uma contra-afirmação de um projecto distinto. Mas, nesse sentido, só pode ser uma estrutura democrática."
O que dizia Louçã em 2005 a este propósito? Isto:
"O BE é um movimento socialista ( diferenciado da noção social-democrata, entenda-se-nota minha) e desse ponto de vista pretende uma revolução profunda na sociedade portuguesa. O socialismo é uma crítica profunda que pretende substituir o capitalismo por uma forma de democracia social. A diferença é que o socialismo foi visto, por causa da experiência soviética, como a estatização de todas as relações sociais. E isso é inaceitável. Uma é que os meios de produção fundamentais e de regulação da vida económica sejam democratizados ( atenção que o termo não tem equivalente semântico no ocidente e significa colectivização-nota minha) em igualdade de oportunidade pelas pessoas. Outra é que a arte, a cultura e as escolhas de vida possam ser impostas por um Estado ( é esta a denúncia mais grave contra as posições ideológicas do PCP). (...) É preciso partir muita pedra e em Portugal é difícil. Custa mas temos de o fazer com convicção."
Desde há uns anos a esta parte que andam a partir pedra. É muita pedra, para partir...mas desde quando é que Louçã e o BE proclamam aceitar o "jogo democrático"? É difícil de saber, mas torna-se evidente que tal conceito de democracia à ocidental é absolutamente incompatível com o desiderato comunista de sempre: alterar, subverter e revolucionar as estruturas sociais e produtivas essenciais. Louçã e o BE pretendem e sempre pretenderam "democratizar" os meios de produção fundamentais. Tal como o PCP, aliás. Isso significa nacionalizar e estatizar. O BE e o PCP nunca esconderam que pretendem concluir o que foi iniciado no PREC de há um pouco mais de 40 anos e tem sido sempre frustrado pela "burguesia" e pela "reacção".
Tal desiderato assumido pelos comunistas do BE e do PCP em que difere na essência? Em nada. A diferença, de vulto, está na praxis, no modo de realizar tal objectivo e de o manter em funcionamento. O Bloco tem uma matriz trotskista, mas também maoista e tais correntes ideológicas, digamos assim, eram adversárias do marxismo-leninismo praticado pelos soviéticos e seguido pelo PCP, até hoje.
A diferença entre ambas as forças políticas assenta nisso, como pretexto e fundamenta ideologicamente as pretensas diferenças. Afinal ambos pretendem acabar com o modo de vida tal como o conhecemos no Ocidente, desde sempre. Afinal, pretendem instaurar na sociedade portuguesa algo parecido com o sistema político da Venezuela, com os resultados conhecidos. E por isso o BE foge da designação extremista como o diabo da cruz.
O PCP também fugiu e bem cedo da famigerada "ditadura do proletariado". Bem cedo? Pois, apenas depois de 25 de Abril de 1974 aquando do Congresso que realizaram em Outubro de 1974, para o aggiornamento que deixou tudo na mesma, como dantes.
Além das alterações ao Programa e Estatutos, tornadas indispensáveis pelas novas condições de liberdade e legalidade em que o PCP passara a intervir (entre outras a alteração da expressão «ditadura do proletariado», deixando de se usar a formulação mas mantendo-se o conceito).
Repare-se na ausência de vergonha que aliás nunca incomodou seja quem for: eliminaram a expressão ditadura do proletariado mas "mantendo-se o conceito". Até hoje...
Para além disso que o sítio do Avante enuncia, havia mais e melhor, mas escondido desde então: nesse congresso ficou claríssimo a jogada táctica, assumida, do PCP em Outubro de 1974.
Vida Mundial em reportagem sobre tal congresso dizia:
" todas as outras alterações introduzidas no Programa foram de carácter formal, pois mantém-se os conceitos e doutrina a que se referiam algumas das expressões suprimidas. Apenas uma questão táctica parece ter determinado essa supressão, como aliás transparece das palavras de Álvaro Cunhal:
" a principal razão dessas alterações é que algumas expressões não são entendidas geralmente com o sentido que nós lhes damos. Têm na linguagem corrente um significado completamente contrário, A sua utilização nas condições actuais daria lugar a inconvenientes e incompreensões acerca da nossa política e uma especulação que, junto das forças democráticas e das massas teria efeitos negativos".
Claro como água: suprimiram a expressão mas mantiveram o conceito até hoje, de ditadura do proletariado. O que o PCP ainda hoje defende, claro está embora sem confissão expressa. Proletariado do género do genro do Jerónimo? Nem tanto. Será mais do género Bernardino Soares, funcionário exemplar, medalhado.
Portanto, a mudança de linguagem é coisa muito antiga para o PCP. E qual era então a diferença entre o PCP e os ditos "esquerdistas"?
Não era assim tão grande como poderia parecer e o PCP sempre fez questão de vincar...denunciando os aventureiros dessa extrema-esquerda que lhe preparava os caminhos para tomar o poder. Foi isso que sucedeu até 25 de Novembro de 1975.
O ensaista Eduardo Prado Coelho, um activista ideológico e oportunista ( desde o PCP ao PS percorreu o leque todo...) já falecido e pai da jornalista Alexandra Lucas Coelho que lhe herdou o esquerdismo endémico, escreveu um livro para distinguir essas questões magnas. Outro ensaísta-jornalista, Miguel Serras Pereira escrevia assim na Vida Mundial de 28.8. 1975 sobre as tais hipóteses que Eduardo PC balançava como plausíveis no panorama nacional e explicava as diferenças do PCP com os trotskistas, além de outros:
O PCP bem queria aproximar-se dos primos trotskistas e maoistas, mas...
Para além do trostkismo havia outras correntes políticas à esquerda e era bem extremadas, mas nunca admitiam serem de extrema-esquerda. Eram de esquerda e bastava. A discussão entre Eduardo PC, rendido ao socialismo assim-assim e Miguel Serras Pereira, apostado no socialismo como ante-câmara do comunismo assentava nos mesmos pressupostos: o exercício do poder pela "classe trabalhadora" e a "ditadura do proletariado" era assumida claramente na discussão.
Portanto o esquerdismo radical, extremado e o esquerdismo do PCP eram uma e a mesma coisa: formas de tomar o poder e derrubar a "burguesia", leia-se os detentores de capital. A mesma luta portanto e sem qualquer equívoco. Como hoje, aliás.
Isso torna-se mais claro com a leitura do texto seguinte, do mesmo número da Vida Mundial. A LUAR do pirata Mortágua, pai das manas do Bloco, mais a FRS esquerdizada de Manuel Serra e ainda o PRP -BR de Carlos Antunes ( e Isabel do Carmo) procuravam o entendimento acerca do modo de chegar ao poder usando as "massas trabalhadoras" e como alternativa ao "antifascismo do PCP" que não lhes interessava imitar, embora emulassem.
Seria esta a extrema-esquerda que o BE renega, agora? Vejamos:
Em 1975 realizaram-se as primeiras eleições em democracia. A ela concorreram várias forças políticas e o espírito geral era este: o marxismo über alles, no desenho do comunista ( do PCP) João Abel Manta, no primeiro número de O Jornal, logo em Maio de 1975.
E este era o panorama que o comunismo propagandeava: Portugal como terra de experimentação marxista, leninista, maoista, trotskista, estalinista, tudo menos fassista.
A campanha eleitoral prometia democracia a rodos com partidos de esquerda. Todos. É natural que houvesse nessa esquerda uma extrema, não? Parece que não. Nem um partido se reclamava dessa margem. Nem um. A UDP? Claro que não, como diz agora o democrata Luís Fazenda, antigo militante dessa agremiação cripto-maoista, leninista, estalinista.
Em 21 Novembro de 1974 o intelectual António José Saraiva, antigo comunista do PCP bem se esforçava por explicar a génese das revoluções: vinha tudo da Revolução Francesa. Igualdade...afinal é o que irmana toda a gente de esquerda, seja da extrema ou da moderada. É tudo igual, na igualdade.
A discussão estava nessa altura na ordem do dia e até o MES já sem Jorge Sampaio ou João Cravinho, mas ainda com Ferro Rodrigues, entrava nela:
Mas sempre houve quem quisesse seguir pelas vias extremas e entre eles, estavam naturalmente os precursores do Bloco, a "esquerda revolucionária", como era então definida:
Dentre as forças políticas extremadas à esquerda houve então um esforço de união: também lá está o Vítor Dias do PCP e o Pedro Goulart ( já falecido), do PRP. Se este não era de extrema-esquerda não existe tal coisa, em Portugal...
Estas são as "raízes" do Bloco de Esquerda. Não são raízes democráticas, no sentido que se dá a tal expressão na Europa Ocidental. São raízes profundamente totalitárias, mesmo com contributo trotskista. São raízes de intolerância à diferença política. São raízes de exclusão de forças políticas que não comunguem estes ideais marxistas.
Álvaro Cunhal sabia o que queria nessa altura, tal como os precursores do BE:
É por isso que esta gente mete dó. E muito mais quem a elegeu:
Sem comentários:
Enviar um comentário
Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.