terça-feira, janeiro 22, 2019

A extrema-esquerda nunca existiu...

O Bloco de Esquerda não é de extrema-esquerda: é da esquerda radical. Foi assim que a dirigente Catarina Martins considerou no outro dia, numa entrevista ao Observador, comentada aliás por Luís Rosa que colocou os pontos nos ii. Catarina Martins considerou mesmo insultuosa tal designação do BE como sendo de extrema-esquerda...

Segundo este artigo do Público de hoje, os pensadores dessa esquerda mais à esquerda, já comentaram e também acham que o BE não é de extrema. Para o impagável Boaventura Sousa Santos nem devia ser radical, porque afinal aceita as "instituições". Quais? BSS não diz, mas devem ser as que o Estado tem para lhes oferecer. A instituição capitalista não é com certeza. A instituição democrática que integre uma extrema-direita também não.


Um professor do ISCTE considera que o BE apareceu vindo do Política XXI e por isso não se insere na extrema-esquerda. Afinal, fizeram a "crítica à herança totalitária" o que chega para os demarcar desse radicalismo de doença infantil, como lhe chamava o PCP.

Até o velho bispo da igreja trotskista, Louçã, filho de almirante do antigo regime, considera um dislate tal classificação: "o bloco nunca se chamou extrema-esquerda".

Temos por isso, no espectro político nacional, um único partido de extrema-esquerda: o PCP. Foi o único que não se demarcou de tal "herança totalitária" uma vez que continua a tecer loas aos bons velhos tempos da URSS estalinista. Quem diria? Ao longo das décadas o Avante o O Militante não deixam enganar ninguém. Basta ler o que se escreve nessas publicações comunistas.

Ora então se o BE nunca se chamou extrema-esquerda, chamou-se o quê? Já aqui o tenho escrito, dito pelo próprio Louçã, em 2005 e 2009:

Diz assim Louçã, sobre a essência ideológica do BE, depois da pergunta "Em que é que o BE acredita?":


"Numa esquerda socialista. (...) Para nós o socialismo é a rejeição de um modelo assente na desigualdade social e na exploração, e é ao mesmo tempo uma rejeição do que foi o modelo da União Soviética ou é o modelo da China. Não podemos aceitar que um projecto socialista seja menos democrático que a "democracia burguesa" ou rejeite o sistema pluripartidário. Não pode haver socialismo com um partido político único, não pode haver socialismo com uma polícia política, não pode haver socialismo com censura. O que se passa na China, desse ponto de vista, é assustador para a esquerda. (...) Agora, a "esquerda socialista" refere-se mais à história da confrontação, ou de alternativa ao capitalismo existente. Por isso o socialismo é, para nós, uma contra-afirmação de um projecto distinto. Mas, nesse sentido, só pode ser uma estrutura democrática."


O que dizia Louçã em 2005 a este propósito? Isto:


"O BE é um movimento socialista ( diferenciado da noção social-democrata, entenda-se-nota minha) e desse ponto de vista pretende uma revolução profunda na sociedade portuguesa. O socialismo é uma crítica profunda que pretende substituir o capitalismo por uma forma de democracia social. A diferença é que o socialismo foi visto, por causa da experiência soviética, como a estatização de todas as relações sociais. E isso é inaceitável. Uma é que os meios de produção fundamentais e de regulação da vida económica sejam democratizados ( atenção que o termo não tem equivalente semântico no ocidente e significa colectivização-nota minha) em igualdade de oportunidade pelas pessoas. Outra é que a arte, a cultura e as escolhas de vida possam ser impostas por um Estado ( é esta a denúncia mais grave contra as posições ideológicas do PCP). (...) É preciso partir muita pedra e em Portugal é difícil. Custa mas temos de o fazer com convicção."

Desde há uns anos a esta parte que andam a partir pedra. É muita pedra, para partir...mas desde quando é que Louçã e o BE proclamam aceitar o "jogo democrático"?  É difícil de saber, mas torna-se evidente que  tal conceito de democracia à ocidental é absolutamente incompatível com o desiderato comunista de sempre: alterar, subverter e revolucionar as estruturas sociais e produtivas essenciais. Louçã e o BE pretendem e sempre pretenderam "democratizar" os meios de produção fundamentais. Tal como o PCP, aliás. Isso significa nacionalizar e estatizar. O BE e o PCP nunca esconderam que pretendem concluir o que foi iniciado no PREC de há um pouco mais de 40 anos e tem sido sempre frustrado pela "burguesia" e pela "reacção".

Tal desiderato assumido pelos comunistas do BE e do PCP em que difere na essência? Em nada. A diferença, de vulto, está na praxis, no modo de realizar tal objectivo e de o manter em funcionamento. O Bloco tem uma matriz trotskista, mas também maoista e tais correntes ideológicas, digamos assim, eram adversárias do marxismo-leninismo praticado pelos soviéticos e seguido pelo PCP, até hoje.

A diferença entre ambas as forças políticas assenta nisso, como pretexto e fundamenta ideologicamente as pretensas diferenças. Afinal ambos pretendem acabar com o modo de vida tal como o conhecemos no Ocidente, desde sempre. Afinal, pretendem instaurar na sociedade portuguesa algo parecido com o sistema político da Venezuela, com os resultados conhecidos. E por isso o BE foge da designação extremista como o diabo da cruz.

O PCP também fugiu e bem cedo da famigerada "ditadura do proletariado".  Bem cedo? Pois, apenas depois de 25 de Abril de 1974 aquando do Congresso que realizaram em Outubro de 1974, para o aggiornamento que deixou tudo na mesma, como dantes. 

Além das alterações ao Programa e Estatutos, tornadas indispensáveis pelas novas condições de liberdade e legalidade em que o PCP passara a intervir (entre outras a alteração da expressão «ditadura do proletariado», deixando de se usar a formulação mas mantendo-se o conceito). 


Repare-se na ausência de vergonha que aliás nunca incomodou seja quem for: eliminaram a expressão ditadura do proletariado mas "mantendo-se o conceito". Até hoje...

Para além disso que o sítio do Avante enuncia, havia mais e melhor, mas escondido desde então: nesse congresso ficou claríssimo a jogada táctica, assumida, do PCP em Outubro de 1974.

Vida Mundial em reportagem sobre tal congresso dizia:

" todas as outras alterações introduzidas no Programa foram de carácter formal, pois mantém-se os conceitos e doutrina a que se referiam algumas das expressões suprimidas. Apenas uma questão táctica parece ter determinado essa supressão, como aliás  transparece das palavras de Álvaro Cunhal:
" a principal razão dessas alterações é que algumas expressões não são entendidas geralmente com o sentido que nós lhes damos. Têm na linguagem corrente um significado completamente contrário, A sua utilização nas condições actuais daria lugar a inconvenientes e incompreensões acerca da nossa política e uma especulação que, junto das forças democráticas e das massas teria efeitos negativos". 

Claro como água: suprimiram a expressão mas mantiveram o conceito até hoje, de ditadura do proletariado. O que o PCP ainda hoje defende, claro está embora sem confissão expressa. Proletariado do género do genro do Jerónimo? Nem tanto. Será mais do género Bernardino Soares, funcionário exemplar, medalhado.



Portanto, a mudança de linguagem é coisa muito antiga para o PCP.  E qual era então a diferença entre o PCP e os ditos "esquerdistas"?

Não era assim tão grande como poderia parecer e o PCP sempre fez questão de vincar...denunciando os aventureiros dessa extrema-esquerda que lhe preparava os caminhos para tomar o poder. Foi isso que sucedeu até 25 de Novembro de 1975.

O ensaista Eduardo Prado Coelho, um activista  ideológico e oportunista ( desde o PCP ao PS percorreu o leque todo...) já falecido e pai da jornalista Alexandra Lucas Coelho que lhe herdou o esquerdismo endémico, escreveu um livro para distinguir essas questões magnas. Outro ensaísta-jornalista, Miguel Serras Pereira escrevia assim na Vida Mundial de 28.8. 1975 sobre as tais hipóteses que Eduardo PC balançava como plausíveis no panorama nacional e explicava as diferenças do PCP com os trotskistas, além de outros:





O PCP bem queria aproximar-se dos primos trotskistas e maoistas, mas...

Para além do trostkismo havia outras correntes políticas à esquerda e era bem extremadas, mas nunca admitiam serem de extrema-esquerda. Eram de esquerda e bastava.  A discussão entre Eduardo PC, rendido ao socialismo assim-assim e Miguel Serras Pereira, apostado no socialismo como ante-câmara do comunismo assentava nos mesmos pressupostos: o exercício do poder pela "classe trabalhadora" e a "ditadura do proletariado" era assumida claramente na discussão. 

Portanto o esquerdismo radical, extremado e o esquerdismo do PCP eram uma e a mesma coisa: formas de tomar o poder e derrubar a "burguesia", leia-se os detentores de capital. A mesma luta portanto e sem qualquer equívoco. Como hoje, aliás. 

Isso torna-se mais claro com a leitura do texto seguinte, do mesmo número da Vida Mundial. A LUAR do pirata Mortágua, pai das manas do Bloco, mais a FRS esquerdizada de Manuel Serra e ainda o PRP -BR de Carlos Antunes ( e Isabel do Carmo) procuravam o entendimento acerca do modo de chegar ao poder usando as "massas trabalhadoras" e como alternativa ao "antifascismo do PCP" que não lhes interessava imitar, embora emulassem. 



Seria esta a extrema-esquerda que o BE renega, agora?  Vejamos:

Em 1975 realizaram-se as primeiras eleições em democracia. A ela concorreram várias forças políticas e o espírito geral era este: o marxismo über alles, no desenho do comunista ( do PCP) João Abel Manta, no primeiro número de O Jornal, logo em Maio de 1975.


E este era o panorama que o comunismo propagandeava: Portugal como terra de experimentação marxista, leninista, maoista, trotskista, estalinista,  tudo menos fassista.


A campanha eleitoral prometia democracia a rodos com partidos de esquerda. Todos. É natural que houvesse nessa esquerda uma extrema, não? Parece que não. Nem um partido se reclamava dessa margem. Nem um. A UDP? Claro que não, como diz agora o democrata Luís Fazenda, antigo militante dessa agremiação cripto-maoista, leninista, estalinista.

Em 21 Novembro de 1974 o intelectual António José Saraiva, antigo comunista do PCP bem se esforçava por explicar a génese das revoluções: vinha tudo da Revolução Francesa. Igualdade...afinal é o que irmana toda a gente de esquerda, seja da extrema ou da moderada. É tudo igual, na igualdade.


A discussão estava nessa altura na ordem do dia e até o MES já sem  Jorge Sampaio ou João Cravinho, mas ainda com Ferro Rodrigues, entrava nela:


 Mas sempre houve quem quisesse seguir pelas vias extremas e entre eles, estavam naturalmente os precursores do Bloco, a "esquerda revolucionária", como era então definida:



Dentre as forças políticas extremadas à esquerda houve então um esforço de união: também lá está o Vítor Dias do PCP e o Pedro Goulart ( já falecido), do PRP. Se este não era de extrema-esquerda não existe tal coisa, em Portugal...


Estas são as "raízes" do Bloco de Esquerda. Não são raízes democráticas, no sentido que se dá a tal expressão na Europa Ocidental. São raízes profundamente totalitárias, mesmo com contributo trotskista. São raízes de intolerância à diferença política. São raízes de exclusão de forças políticas que não comunguem estes ideais marxistas.

Álvaro Cunhal sabia o que queria nessa altura, tal como os precursores do BE:



É por isso que esta gente mete dó. E muito mais quem a elegeu:


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