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segunda-feira, abril 22, 2019

A besta do fassismo e os seus adoradores

Ontem publiquei aqui um apontamento em modo de elegia a um dos maiores responsáveis pelo nosso atraso cultural no relato historiográfico de acontecimentos recentes.

Esta alimária do antifassismo publicou um livro recentemente, mais um do mesmo género, destinado aos " estudantes de História dos Fascismos na Europa da FCSH/Nova", ou seja, um texto academizado para a madrassa e para os neófitos aprenderem e debitarem nos exames.
É assim que se formam os alunos da "mais bem preparada" geração actual: seguindo a cartilha destes mestres da manipulação ideológica e que depois aplicam nos programas de informação ou nas redacções que os acolhem. É um pensamento já unificado e corrente. Não há divergências ou narrativas que fujam do estereotipo definido por estas alimárias intelectuais erigidas em  mestres da História.



Ser-lhes-á sempre muito difícil senão impossível perceber o que este entrevistado, Joaquim Silva Pinto, antigo governante com Salazar e Caetano,  disse ontem à Visão online, numa entrevista de Filipe Luís:

A conversa flui, à volta de um cozido à portuguesa, num restaurante tradicional de Campo de Ourique, Lisboa. Munido do saudável apetite com que aprecia o almoço, Joaquim Silva Pinto, 83 anos, revela-se, durante quase três horas, um repositório de memórias vivas e de episódios desconhecidos ou inéditos sobre cinco décadas da História portuguesa recente. De membro do governo de Marcelo Caetano (subsecretário de Estado e secretário de Estado do Trabalho e Previdência, sob a tutela do ministro Baltasar Rebelo de Sousa, pai de Marcelo Rebelo de Sousa, 1970, ministro da Segurança Social, 1973) a membro da comissão política das primeiras duas candidaturas de Mário Soares a Belém e a deputado do PS (de que se afastou por causa de José Sócrates), Silva Pinto esteve no núcleo duro da política em ditadura e em democracia. Já temos as couves, o chispe, os enchidos e o bom tinto. Vamos à conversa.

Antes do 25 de Abril, o senhor foi secretário de Estado do Trabalho e da Previdência, no ministério de Baltasar Rebelo de Sousa, pai do atual Presidente da República. Era amigo dele?


Muito amigo. O Rebelo de Sousa, que começara por ser jovem subsecretário de Estado da Educação, era o menino querido do Marcelo Caetano e seu afilhado de casamento. Uma vez, descaiu-se e chamou-lhe “padrinho”, à minha frente. O Marcelo não gostou muito...

Mas Baltasar Rebelo de Sousa também serviu Salazar...

Esteve no governo e saiu. Mas, depois, ele e o Mota Veiga, ministro de Estado, estreitaram relações. Mais tarde viriam a ser compadres, porque o Marcelo Rebelo de Sousa casar-se-ia com uma filha do Mota Veiga. Bom: houve um ano em que o Veiga convidou o Baltasar para ser comissário das comemorações da Revolução Nacional [efeméride do 28 de Maio de 1926, data do golpe de Estado que impôs a ditadura militar em substituição da Primeira República e, mais tarde (1933), se transformou no Estado Novo]. Como ele se distinguiu muito, o Salazar, que era um homem de equilíbrios – nesse sentido, o António Costa é um “salazarista”... – voltou a chamá-lo para colaborar, mesmo sabendo que ele era um marcelista. O Salazar e o Marcelo andavam de candeias às avessas...

Salazar preferia ter os contestatários controlados...

Chegou a convidar o Ulisses Cortez, depois de críticas deste à política financeira do governo, para substituir o Pinto Barbosa, nas Finanças! E o Cortez, que não queria muito, disse-
-lhe: “Ó senhor Presidente do Conselho, eu tornei-me keynesiano...” E o Salazar: “Vai ver que, ao fim de três meses, isso passa-lhe...”.
Mas voltando ao pai do atual Presidente da República...
Ah! Então, depois dessas comemorações, e preocupado em voltar a ter o Marcelo Caetano com ele, o Salazar convida o Rebelo de Sousa para governador-geral de Moçambique. Um recado para Marcelo Caetano... Ele já tinha feito alguns gestos. Tinha-me convidado, a mim, para subsecretário de Estado do Orçamento, por causa do meu desempenho no Plano de Fomento. É quando eu digo ao Supico Pinto, [então presidente da Câmara Corporativa], uma espécie de 2ª figura da Situação, que poderia colaborar na parte técnica mas que, politicamente, eu não me sentia assim tão alinhado com o regime. E ele responde-me: “Meu caro amigo, ninguém é do regime...”
Aconselhou-se com Marcelo Caetano? Tinha sido seu professor e já eram muito próximos...

Sim. Disse-me textualmente: “Felicito-o por ter sido convidado. Mas fez bem em não aceitar. Ia apanhar o comboio errado.”
E o senhor viu logo que ele contava consigo para o futuro.
Sim. Pensei: “Ele está a convidar-me para daqui a dois ou três anos.” Nem dois meses foram... Entretanto, o Salazar caiu da cadeira...

A INTENÇÃO DE MARCELO ERA DESCOLONIZAR

E Baltasar Rebelo de Sousa?

Mantinha-se em Moçambique. O seu filho Pedro confirmou-me, na presença de Veiga Simão, que o pai, assim que Marcelo substituiu o Salazar, se prontificou para voltar a Lisboa. Mas o Marcelo disse-lhe: “Convém-nos que continue em Moçambique.”
E porquê?

Porque ele tinha a intenção de proporcionar, no futuro, a independência a Angola e a Moçambique. E o Baltasar era o homem da transição para Moçambique!
Pois, mas o Presidente da Republica, almirante Américo Tomás, tinha posto, como condição para nomear Caetano como primeiro-ministro, que mantivesse inalterada a política ultramarina... Não acha que Marcelo fez mal em aceitar o cargo assim limitado?

Eu não teria aceitado.

“FUI EU QUEM FOI BUSCAR SÁ CARNEIRO!”

Porque, sendo um reformista, nunca alinhou pela Ala Liberal, de Francisco de Sá Carneiro?

O senhor está a falar com um dos pais da Ala Liberal, tenha paciência!
Como assim?

Quem foi buscar o Sá Carneiro, fui eu! Quem foi buscar o Magalhães Mota, fui eu! Só não fui buscar o Balsemão... Fui eu quem indicou esses nomes ao Melo e Castro [José Guilherme de Melo e Castro, deputado, considerado mentor da Ala Liberal de Sá Carneiro] que os expôs ao Marcelo Caetano!
Pronto, os nomes terão sido ideia sua. Mas não entrou nesse pacote... Aliás, houve a rutura posterior da Ala Liberal com Marcelo e o senhor ficou do lado dele...
O que uma pessoa faz quando está nesta situação? A rutura foi com o Sá Carneiro e, sobretudo, com o meu amigo Miller Guerra. Bem, eu percebi que devia ter saído. Mas apeteceu-me continuar no governo.

Hoje, acha que fez bem em continuar?

Devia ter saído. Um amigo dizia-me: “A cadeira do poder é um problema. Quando uma pessoa se senta, parece ter lá um prego que nos magoa. Mas ele ferra-se. E quando é para sair ainda dói mais... Você não conhece casos em que se sabe que fulano quer sair, tem vontade de sair, mas, ao mesmo tempo, parece que é obrigado a ficar?

Está sempre a acontecer.

Pois está. Mas a minha posição não era cómoda. O Américo Tomás hostilizou-me sempre, até malcriadamente. E eu malcriadamente correspondia.
Lembra-se de algum episódio mais tenso?
Um dia, quando ele vai inaugurar o edifício da Caixa de Previdência, no Porto, ia a andar muito depressa, como era hábito dele. E o Baltasar Rebelo de Sousa diz: “Espere, senhor Presidente, assim não o conseguimos acompanhar...” E ele, a olhar para mim: “É para que alguns vejam que eu não estou senil...”. E eu, em vez de calar-me: “Ó senhor Presidente, mas ninguém diz que o senhor tem dificuldades de ordem física...” O Marcelo fez muito mal em aceitar a recondução dele, em Belém.
E teria força para a recusar?

Aí é que está. O Marcelo achava que ele lhe ficava a dever uma, mas foi de uma ingenuidade total. O que se passa sempre é o contrário. A primeira coisa que o Tomás disse, foi: “Rogério Martins, Xavier Pintado e Silva Pinto, fora do governo!” E só não saí nessa altura porque o Marcelo fez finca-pé, mas o Rogério e o Pintado caíram. Pouco mais tarde, fui a despacho ao Marcelo Caetano, que me comunicou: “Nas próximas eleições [1973], deve ser candidato a deputado.” E eu: “É o que mais quero. Aí, posso integrar a Ala Liberal (que ainda estava na Assembleia).” Mas, pouco depois, o Magalhães Mota dir-me-ia: “Você pode vir para a Ala Liberal, mas quem já não vai lá estar, sou eu.” Demasiado tarde, portanto. Era, já, a rutura.

A MEDIDA QUE PODIA TER EVITADO O 25 DE ABRIL

O que estava a tolher os movimentos de Marcelo Caetano? O Tomás? Os ultras? A Guerra Ultramarina (Colonial)?

O Marcelo Caetano tem três erros capitais. Sendo certo que tinha a fragilidade constitucional de estar totalmente dependente do Presidente, e não de um Parlamento, como hoje..

.Então, o primeiro dos seus erros será o de não ter assumido, ele próprio, a candidatura a Belém, em vez de aceitar a recondução de Tomás?

Exatamente. Uma das justificações era extraordinária: “O PR deve ser casado e eu sou viúvo”... E a gente dizia-lhe: “Ó senhor professor, mas não faltará quem queira casar-se consigo!” Ele ofendia-se: “Eu fui homem de uma só mulher!” Outro erro foi o de ter empolado a importância da direita, baseando-se no que os generais lhe diziam. O terceiro erro foi o de não se ter libertado do trauma shakespeariano do Brutus perante Júlio César. Ele sentia muito o peso da sua raiz ideológica.

Entretanto, a Segurança Social dá os primeiros passos e Marcelo está ligado a isso. O senhor, que foi ministro da pasta, tornou-se um homem-chave nas suas políticas públicas...
Foi este seu criado que convenceu o Marcelo da importância dessa política social. Mas também o pressionei para encontrar uma solução, a curto prazo, para Angola e Moçambique.
Como e quando?

Foi uma conversa difícil. Eu disse-lhe que ele tinha de encontrar uma solução já, mesmo que isso significasse a rutura com o PR. E acrescentei que era essa a opinião do seu ministro do Ultramar – o Baltasar. O Marcelo Caetano era colérico. Parece que estou a vê-lo. Sentado na sua sala de estar, de pantufas, traçava a perna, com a pantufa a balançar. E quando lhe disse isso, caiu-lhe a pantufa. E diz-me assim: “O seu mal foi nunca ter aprendido Direito Constitucional, como era o seu dever!” E deu-me uma lição de Direito Constitucional. Ora, o País não estava para lições de Direito Constitucional...
Pois, o Direito Constitucional não resolvia a guerra...
Fui contar ao Baltasar, que me disse: “Eu hei de convencê-lo!” E convenceu-o. Passado uma semana...

Espere um momento, por favor! Essa conversa da pantufa foi em que ano?

Foi em 1974, já depois do livro do Spínola [Portugal e o Futuro, no qual o general descarta a guerra como solução para o Ultramar], já depois de ter recebido os generais a mostrarem fidelidade, a famosa “brigada do reumático”, já depois do movimento de 16 de Março das Caldas da Rainha [levantamento militar que precedeu o 25 de Abril]. Ora bem: o Baltasar terá falado com ele e ele foi a Espanha aconselhar-se com o seu amigo Rodó [Laureano Lopez Rodó, político e professor catedrático espanhol]. Depois de ele ter voltado, o Baltasar telefona-me e diz-me, textualmente: “Conseguimos!” E acrescentou: “O senhor Presidente do Conselho incumbiu-me de organizar uma viagem a Angola e a Moçambique, onde pretende anunciar a progressiva autonomia dos territórios, a caminho da independência.”

Ou seja: um ano antes e não teria havido o 25 de Abril...
É isso mesmo. O timing é fundamental. Como me disse o Simões, o futebolista do Benfica, uma vez: “Senhor secretário de Estado, é preciso não perder o ângulo de remate...” Ora, o Marcelo perdeu o ângulo de remate. Já em agosto de 1973, eu tinha avisado o Marcelo, por ter ouvido umas histórias: “Olhe que anda aí um movimento de capitães.” E o Marcelo: “Já me consta.” Toda a gente sabia.

FOI COSTA GOMES QUEM MANDOU MARCELO PARA O CARMO

O movimento de capitães não foi desvalorizado?

Era uma coisa reivindicativa [contra o Decreto-lei 353/73, que equiparava os oficiais milicianos aos do quadro, possibilitando a ultrapassagem destes por aqueles, nas promoções]. Nunca se pensou que chegasse a um golpe de Estado.
Entretanto, os capitães continuavam com o movimento, sem que o regime nada fizesse, nem para os apaziguar nem para os reprimir...
Bem, na remodelação de outubro de 1973, o novo ministro da Defesa, para surpresa de toda a gente, é o Silva Cunha, imposto pelo Américo Tomás. E o Marcelo exige a minha permanência no governo, para que eu não fique com a imagem “do rato que abandona o navio”. Perguntei-lhe se estávamos num naufrágio.

E os capitães?
Bem, é nessa altura que o Marcelo me diz que a questão dos capitães era muito mais profunda do que ele pensava... Passa um mês, ou dois, entretanto dá-se a denúncia sobre o massacre de Wiriamu [atrocidades cometidas pelo Exército na província de Tete, Moçambique] e o Marcelo entra em negação: “Não é possível, isso seria a desonra das Forças Armadas!” O Baltasar disse-me: “Antes não fosse possível...” Ele tinha a informação. Entretanto, o Marcelo recebe, alarmado, o Costa Gomes e o Spínola que, para choque dele, lhe aparecem fardados e lhe oferecem, a ele, a condução de um golpe de Estado!

Para neutralizar os ultras e o Tomás? E o Marcelo?
O Marcelo responde que não é homem para alinhar nisso. E, sem ouvir ninguém, comete um erro fatal: vai ter com o Tomás e conta-lhe tudo. E o Tomás, que era tudo menos estúpido, apesar dos seus maus discursos, diz-lhe: “Muito obrigado, senhor Presidente do Conselho. O problema que me traz passou a ser meu. Tenho de lhe pedir que continue a liderar um governo de gestão.” E o Marcelo sai de Belém em gestão! Sem poder algum! O Baltasar Rebelo de Sousa, quando o soube, ficou verde! Na fase final, o Marcelo reaproxima-se do Costa Gomes e é o Costa Gomes que o manda ir para o Carmo [quartel-general da GNR, onde o Presidente do Conselho se refugiou, na madrugada do 25 de Abril] de onde, supostamente, sairia “em grande”...

Não foi assim. Depois, quem emerge é Spínola, não Costa Gomes...
No dia 25 de abril, às 7h30 da manhã, eu telefono ao Marcelo, e digo-lhe que vou para o ministério, e ele diz-me que faço bem. Mas, às 11 horas, quando lhe liguei de novo para fazer o ponto da situação, ele, já muito nervoso, perguntou-me se eu sabia onde estava o Costa Gomes. Andava desesperadamente a procurá-lo... Mas o general já estava incontactável. Mais tarde, foi o Feytor Pinto que lhe sugeriu que, então, falasse com o Spínola.

COMO SOARES INVENTOU O “REPUBLICANO, SOCIALISTA E LAICO”

Sabemos o resto. Entretanto, em 1975, o senhor vai para Espanha.


Não me perseguiram, mas não tinha trabalho e tinha quatro filhos para criar.

Dedica-se à gestão de empresas e regressa, muito mais tarde, em 1981, a convite de Ramalho Eanes já Presidente da República. Como foi esse contacto com o Eanes?
É quando o Eanes se recandidata, em 1981, contra o general Soares Carneiro, um homem muito à direita do Marcelo Caetano... Eu já tinha feito uma aproximação às pessoas, o meu trabalho era reconhecido em Espanha, tinha boas relações com a nossa embaixada, tinha havido o 25 de Novembro, a AD estava no poder... No início do ano, o José Rabaça [industrial beirão, conterrâneo, amigo e grande apoiante de Ramalho Eanes] contactou-me, dizendo que o Eanes tinha apreço por mim e que insistia para que voltasse para Portugal.

E Mário Soares?
No ano seguinte, estava eu como vice-presidente da AIP, convidámos os líderes partidários para sessões de esclarecimento. Lucas Pires foi um falhanço, o Mota Pinto, meia sala, Mário Soares sala cheia. E é aí que o Mário Soares chega ao pé de mim e faz-me uma festa: “Meu querido colega de faculdade! Eu estava no exílio quando o senhor esteve no governo e sei que fez tudo para que eu voltasse! Agora, quero dar-lhe um abraço!” Houve muitas palmas e eu fiquei conquistado pelo gajo! Como primeiro-ministro, chamava-me – e o Eanes ficava pior do que uma barata...
Depois esteve no MASP [Movimento de Apoio de Soares à Presidência]. No livro O Benefício da Dúvida, fala da origem da expressão “republicano, socialista e laico”, com a qual Soares se apresentou para o segundo mandato...

Foi numa reunião num restaurante, em Paço de Arcos, encontro organizado pelo meu amigo Gomes Mota [mandatário das duas primeiras candidaturas]. Soares diz ao Almeida Santos que ele é o seu braço-esquerdo – porque ficava-lhe mal dizer “direito”... Também estava o Manuel José Homem de Mello, o que levou o Soares a dizer que até tinha um conde [de Águeda] na sua candidatura, tão republicana...
E o senhor era o católico...

E ministro do antigo regime... Ele tinha tudo! É um jantar em que Soares elogia o “borrego” e o dono do restaurante, ofendido, diz que era cabrito. E Almeida Santos justifica que “o senhor Presidente da República não chama filho de cabra a ninguém”... E também em que Soares acaba com um charuto e pede que não o denunciem à Maria de Jesus, porque “este médico que ela lhe tinha arranjado era um chato”... [Risos.]

Imagino. Mas... E o “republicano, socialista e laico”?
Bom, o PSD tinha anunciado o apoio. E ele queria definir bem as águas. Inicialmente, defende uma outra formulação: republicano, socialista e agnóstico. E fui eu que sugeri: “Não diga ‘agnóstico’, homem. Diga ‘laico’. Muitos como eu, que são católicos, mas aceitam o Estado laico, identificar-se-ão melhor com essa expressão!”

E Manuel José Homem de Mello não queria substituir o “socialista” por “democrático”?

Queria. O que motivou outra graça do Soares: “Ainda bem que você, um aristocrata, não quer substituir a palavra ‘republicano’... Isso é que o meu pai não me perdoaria!”
O senhor já vinha da primeira candidatura... Essa tinha sido mais difícil...

Sim, quando estávamos nos célebres 8%, o Jaime Gama aconselhou-o a desistir, a bem do prestígio dele e do PS. O Soares nunca lhe perdoou essa.

E a sua entrada no PS?

Foi em 1991, já com o Jorge Sampaio. Eu era para ser anunciado com grande pompa, no Porto: “Vão entrar o Silva Lopes e o Silva Pinto!” Chego lá e o Sampaio, muito comprometido: “Tenha paciência, mas o Silva Lopes não vem... Você entra, mas já vai ser sem grande espalhafato...” E assim entrei e lá fui eleito deputado em 1991.

Mais tarde, o António Guterres reabilitou outro ex-ministro de Marcelo Caetano, chamando, para o governo, Veiga Simão. Não o chamou a si?
Não. Mas, não obstante, recebeu-me sempre com cordialidade e dei-lhe um conselho ou dois, que ele aceitou, nomeadamente a passagem do Guilherme d’Oliveira Martins para as Finanças. Nessa altura, lá pensei que era desta que ia para a Economia. Mas foi o Braga da Cruz... O Jorge Coelho telefonou-me a dizer que o Guterres me ia convidar para administrador não-executivo da Telecom... Mandei-os à fava.

AS PREOCUPAÇÕES QUE MARCELO REBELO DE SOUSA DAVA AO PAI

E conheceu Marcelo Rebelo de Sousa em que circunstâncias?

Na sala VIP do aeroporto, quando o Baltasar, já ministro, regressava, definitivamente, de Moçambique. Nessa altura, ele namorava uma Beleza [Teresa Beleza] e passou o tempo aos beijos com a namorada. Ao ponto [risos] de um senhor de idade ter ido ter com ele pedir-lhe que se “moderasse”. O Marcelo desfez-se em desculpas, dando toda a razão ao homem e, ato contínuo... prosseguiu com os beijos!

E ela?

Ela não estava desagradada... Ouvi desabafos ao Baltasar, sobre o filho Marcelo, que nunca repeti a ninguém...

Mas que me vai contar agora...

O pai tinha um grande orgulho nele. Mas um dia disse-me: “O senhor não sabe o susto permanente em que eu vivo, a pensar no que o meu filho Marcelo vai fazer no dia seguinte...” Quando ele foi para governador de Moçambique, levou os mais novos, mas o Marcelo, que estava na faculdade, ficou em Lisboa. E o Caetano disse ao Baltasar: “Não se preocupe, que desse rapaz cuido eu, como se fosse meu filho.” Aos sábados, o Marcelo Caetano reunia a família e ele largava os filhos e ia para a sala falar de política com o Marcelo Rebelo de Sousa. Depois, sentiu-se traído, por causa de artigos que o rapaz escreveu e por causa de informações secretas que terá passado cá para fora. Recusou ir ao casamento dele, dizendo, cruelmente, ao pai Baltasar: “Eu não vou aos casamentos de safados.” O que era, realmente, um exagero...

Continuou em contacto com ele?

Sim. Não são contactos frequentes, mas conheço-o bem. Tenho muito receio de que ele não tenha os oito anos dos mandatos em Belém, inteiros, assim tão pacíficos. Porque ele é um sprinter, não um corredor de fundo... Ele tem de sentir que é amado pelas pessoas. E isso dá-lhe uma grande fragilidade.

Sobre a "remodelação" do Governo de Marcello Caetano, em Novembro de 1973 a revista Observador de  então, na edição de 16.11.1973 relatava assim:


E o comentário às eleições realizadas, na edição de 2 de Novembro desse ano:



O modo como Cid viu as eleições, na edição de 26 de Outubro de 1973:



E o modo como se equacionava a Defesa Nacional, um dos "grandes problemas nacionais" que a revista tinha vindo a elencar desde a edição de 29 de Junho ( e este era o 18º da série), na mesma edição de 28 de Outubro de 1973, escassos seis meses antes do 25 de Abril de 1974:


E já agora, porque aparece na edição de 14 de Setembro 1973, do Observador, uma imagem e texto a propósito do "maior supermercado do continente africano": o Jumbo de Luanda, do grupo Pão de Açúcar.  Luanda tinha então cerca de 600 mil habitantes...


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