Tinha chegado da Áustria no dia anterior; já tinha ido ao Algarve, onde tem residência; e já tinha regressado a Lisboa. Esse rodopio de viagens não o impediu de chegar à redação do Observador bem-disposto ou não tivesse já visitado uma boa parte dos países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico (OCDE) como diretor do Departamento de Estudos. Com o mandato recentemente renovado, Álvaro Santos Pereira defende, em entrevista ao programa “Sob Escuta” da Rádio Observador, uma autêntica revolução no combate à corrupção.
Contrariando a aposta exclusiva do Governo em medidas de natureza preventiva e educacional, o economista propõe, entre outros pontos, a criação de um tribunal de competência especializada para crimes económico-financeiros, a execução de penas de prisão após o encerramento da matéria de facto na segunda instância e antes do trânsito em julgado, o reforço dos meios orçamentais e humanos do Ministério Público e Polícia Judiciária, a criação de uma Agência Nacional Contra a Corrupção e insiste na criação do crime de enriquecimento ilícito. Para o ex-ministro da Economia, Portugal não conseguirá atingir um crescimento económico estrutural sem determinar o combate à corrupção como uma das principais prioridades do regime.
O segundo Governo de António Costa assume no seu programa de Governo querer combater a corrupção com uma aposta exclusiva na área da prevenção, em vez de tomar “soluções simples e populistas” que “não funcionam”. Concorda que é possível combater a corrupção sem ter novos instrumentos legais ou mais meios para a Justiça?
O combate à corrupção tem de ser feito por todos os meios possíveis. Acima de tudo, temos de promover uma cultura de integridade e não a prática da impunidade, que é o que temos neste momento. Como é que podemos adotar as melhores práticas internacionais? Temos que, em primeiro lugar, reforçar os meios de combate à corrupção. O relatório da OCDE [“Economic Survey”, publicado em fevereiro de 2019] demonstra claramente que Portugal gasta menos do que outros países.
Investimos menos no combate à corrupção do que outros países?
Sim, investimos menos. É preciso haver mais meios. Por exemplo, Portugal vai ter muitos procuradores e investigadores que vão atingir o limite de idade e reformar-se. Temos de os substituir atempadamente e treinar os novos quadros. É essencial perceber, acima de tudo, que não pode haver crescimento económico e uma democracia sustentada, assim como uma Justiça credível, sem haver um combate sem tréguas à corrupção.
Como deve ser construída uma estratégia global de combate à corrupção e quais as suas áreas prioritárias?
Essa estratégia é essencial e tem de ser feita em cooperação com os agentes do setor e de forma muito rápida: em seis meses podemos ter uma estratégia concreta, propostas claras, mecanismos e datas para implementar as mesmas.
Diga-me duas ou três medidas dessa estratégia global de combate à corrupção.
Temos de ter uma Agência Nacional Contra a Corrupção, que tem funcionado bem noutros países. Sou insuspeito para propor uma nova estrutura porque, desde há muitos anos, defendo que temos de emagrecer o Estado. Simplesmente, há áreas em que o Estado tem de estar presente, nomeadamente no combate à corrupção. Outra medida importante é a criação de um tribunal de competência especializada no combate à criminalidade económico-financeiro — o que foi salientado no relatório da OCDE. Sei que há um problema de constitucionalidade, mas Portugal já tem um tribunal especializado — o Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão — que, por acaso, foi criado no tempo em que estive no Ministério da Economia.
Os vários lacerdas, costas, rios, advogados dependentes do Estado, como alguns pazes que por aí andam e outros apaniguados do sistema, não gostam deste discurso. O problema é que são eles quem manda...
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