"A investigação a Isabel dos Santos é uma bomba que expõe a construção de um império à custa do saque feito a um país, de uma imensa riqueza roubada a um povo na miséria."
Para este político do BE, Angola tem um "regime cleptocrático", de roubalheira generalizada. Este mantra generalizado é a palavra de ordem neste caso.
Tem mesmo? Que regime político tem Angola? O que é a Sonangol, como empresa?
O regime é este, aqui definido:
O regime político vigente em Angola é o presidencialismo, em que o Presidente da República é igualmente chefe do Governo, que tem ainda poderes legislativos. O ramo executivo do governo é composto pelo presidente João Lourenço, pelo vice-presidente Bornito de Sousa e pelo Conselho de Ministros.
Bornito é vice-presidente, actualmente. Vale a pena reler uma história de Bornito e da filha casadoira, contada num livro recente...
Vamos aqui ver o que se escreve sobre tal empresa...
Sonangol (abreviação de Sociedade Nacional de Combustíveis de Angola) é uma empresa estatal do ramo petrolífero, responsável pela administração e exploração do petróleo e gás natural em Angola. O grupo possui várias subsidiárias, que normalmente têm a própria Sonangol como principal cliente.
O percurso histórico da Sonangol começou, em 1953, com a fundação de uma subsidiária da companhia portuguesa Sociedade Anónima de Combustíveis e Óleos Refinados (SACOR). A subsidiária, que receberia o nome de Sociedade de Lubrificantes e Combustíveis-SARL (ANGOL), foi criada para iniciar a prospecção e futura extração de áreas petrolíferas descobertas na então colônia de Angola.
Com a independência de Angola e na sequência da tomada do poder pelo MPLA, a companhia ANGOL foi nacionalizada e dividida em duas, formando a "Sonangol U.E.E." e a "Direcção Nacional de Petróleos". A Diretiva 52/76 instruiu que a Sonangol deveria ser uma empresa estatal com poderes para administrar as reservas de gás e petróleo do país. Utilizando as instalações remanescentes da Texaco, FINA, Shell e Mobil, a Sonangol obteve a assistência da empresa argelina Sonatrach e da italiana Eni.
Na década de 1980 Angola permitiu alguma abertura ao capital estrangeiro no negócio da extração e refino do petróleo bruto, removendo o monopólio da estatal, tanto para minar a defasagem tecnológica, quanto como instrumento político para frear as ambições coloniais belgas, estadunidenses e francesas, que interferiam fortemente na Guerra Civil Angolana.
Em 1991 o governo angolano resolveu nomear Albina Africano como presidente da empresa; química que havia vindo da administração privada do negócio petrolífero no país, marcou a primeira tentativa de abertura de capitais na Sonangol.
Em 20 de dezembro 2011, a organização não governamental Human Rights Watch em Nova Iorque chegou a exigir que o Governo de Angola explicasse onde estão os 32 bilhões de dólares em falta nos cofres do Estado, relacionados com a petrolífera estatal Sonangol.[3][4]
Em junho de 2016, o presidente de Angola nomeou Isabel dos Santos presidente da Sonangol,[5] naquele que foi considerado um dos atos de maior nepotismo do governo.[6]
Dos Santos foi exonerada do cargo de Presidente do Conselho de Administração da Sonangol em 15 de novembro de 2017, pelo novo presidente angolano João Lourenço.[7][8]
Primeira curiosidade: nem uma referência sequer ao nome de Manuel Vicente, ex vice-presidente de Angola, à sua passagem pela Sonangol durante quase vinte anos e muito menos ao que por lá terá feito.
Este Manuel Vicente estava "acabado", para o activista Rafael Marques, quando foi corrido da Sonangol, pelo governo do Dos Santos.
Como escrevi aqui em tempos:
Importa ainda pensar numa questão que me surgiu há uns meses, ao ouvir uma entrevista do opositor angolano Rafael Marques, em 28.2.2017, sobre o assunto Manuel Vicente-Sonangol-vice-presidência do Estado angolano, branqueamento de capitais, compra de apartamentos na Estoril Residence, por membros da elite angolana.
Antes do mais torna-se interessante reparar na afirmação do jornalista Rafael Marques, activista da oposição angolana, que disse claramente ter sido o antigo administrador da Sonangol, Manuel Vicente, chamado à vice-presidência angolana como meio de o presidente José Eduardo dos Santos o controlar mais de perto. "Ali foi o fim de Manuel Vicente", disse Rafael Marques.
O motivo principal para a acusação a Orlando Figueira reside na circunstância aduzida de o arguido Manuel Vicente poder ser ilibado a tempo de ser "promovido" a vice-presidente de Angola. Ou seja, na acusação entende-se tal nomeação como uma promoção e que o inquérito por cá instaurado contra o mesmo, seria um factor impeditivo e por isso a pressa do referido procurador em o arquivar a tempo de evitar tal "incómodo". Corrupção para acto lícito, se assim fosse. "Jeito" do procurador ao arguido a fim de o mesmo poder ser entronizado no cargo que afinal, segundo Rafael Marques, constituiu o fim dele...
Ora o que Rafael Marques disse é o contrário daquela conclusão do MºPº no caso da corrupção do procurador Orlando: Manuel Vicente foi retirado da Sonangol para o desmobilizar e permitir que o presidente o controlasse. Portanto, uma verdadeira despromoção. "Foi o fim de Manuel Vicente", diz mesmo Rafael Marques.
Assim, este jornalista de oposição em Angola, co-autor da participação criminal ao DCIAP que originou o processo que o procurador Orlando Figueira arquivou e em relação ao qual terá cometido o crime de corrupção será a melhor testemunha de defesa do procurador. Tanto que provavelmente fica sem sentido a própria acusação. A não ser que tenha existido "erro de percepção", fenómeno recorrente nos dias que passam.
Este assunto sobre Manuel Vicente, agora outra vez no governo, juntinho a João Lourenço, vai voltar novamente à berlinda, com este entendimento sobre o "regime de cleptocracia angolana"?
Não creio. Por vários motivos. O primeiro é que o actual regime angolano está interessado em tudo menos sindicar-se a si mesmo como um regime cleptocrata. E no entanto...é o que dizem, escrevem e proclamam os arautos da nossa praça mediática.
Em segundo lugar, o "regime cleptocrata de Angola" amnistiou-se relativamente a tais práticas cleptocráticas anteriores a Novembro de 2015. Assim:
A lei, que abrange cidadãos nacionais e estrangeiros, prevê um regime geral de amnistia para os crimes comuns, puníveis com penas de prisão até 12 anos, com exceção dos crimes dolosos cometidos com violência ou ameaça contra pessoas e as contravenções cometidas por militares e não militares até 11 de novembro de 2015.
E o MºPº de cá, o que vai fazer? Cingir-se ao formalismo legal e do "costume", (re)activando agora a nova queixa contra a tal "princesa", esquecendo tudo o resto e não ligando patavina ao "regime cleptocrático de Angola" nem sequer àquela amnistia geral?
É exactamente isso que vai suceder, tendo em conta estas notícias:
Notícia no Negócios de 20.1.2020:
Em menos de 24 horas, a conta da Sonangol no Eurobic Lisboa, banco de que a empresária angolana Isabel dos Santos é a principal acionista, foi esvaziada.
Foi a 15 de novembro de 2017 que o presidente de Angola, João Lourenço, anunciou a exoneração do conselho de administração da petrolífera angolana. Isabel dos Santos tinha sido escolhida para o cargo pelo pai, José Eduardo dos Santos, quando este liderava os destinos de Luanda.
A liderança da empresa, que começou a junho de 2016, é uma das passagens mais polémicas de uma mega-investigação internacional, na qual participaram o Expresso e a SIC, que ajuda a reconstruir o caminho que levou a filha do ex-presidente angolano a tornar-se a mulher mais rica de África.
Portanto, é desse facto que se está a tratar em Angola, relativamente a Isabel dos Santos e ao processo crime de que será alvo? Se é, então será por isso que esteve cá o PGR angolano, o general Grós?
Parece que sim.
Mas não é disso que trata aquele artigo de Pedro Filipe Soares e quase todos os komentadores que escrevem...porque para estes o assunto é a "cleptocracia angolana".
Um equívoco portanto...
Quando falamos de Angola, convém recordar estes factos, para além de muitos outros. Cingir esta questão à "princesa" e ao "desvio" de fundos da Sonangol que determinou a investigação em curso é o que realmente acontece nas instâncias judiciárias, pelos vistos.
Mas não é isso de que tratam os media e daí o tremendo equívoco. Em que o MºPº português alegremente participa e que evidentemente os media nem se dão conta.
Para se ver melhor a concepção de justiça do actual PGR de Angola, leia-se isto do Observador:
Na entrevista em Portugal, após um encontro com o procuradora-geral da República portuguesa por causa da investigação à empresária Isabel dos Santos, Hélder Pitta Grós também rejeitou que a justiça angolana seja “seletiva” e que só vise a família do ex-Presidente (o filho mais velho, José Filomeno dos Santos, já esteve detido ao abrigo de uma investigação a uma transferência de 500 milhões de dólares, 450 milhões de euros, por parte do Fundo Soberano, de que era administrador).
A justiça em Angola é “seletiva porque só vai agir contra aqueles que cometeram atos ilícitos penais”, mas “atua sobre todos”, disse o procurador-geral, dando o exemplo de outros políticos condenados no passado recente.
Um dos parceiros preferenciais de negócio de Isabel dos Santos é o general Leopoldino [‘Dino’] do Nascimento, do círculo próximo do ex-Presidente, mas Hélder Pitta Grós defendeu que os casos foram diferentes. “Não estou em defesa do General Dino, mas ele nunca ocupou um cargo de gestão do erário, daí não ser tão fácil chegar-lhe”, referiu.
No entanto, o general e empresário na área das telecomunicações (parceiro da Isabel dos Santos na operadora móvel Unitel) “fez a devolução do valor que estava em dívida para com a Sonangol e, chamado, cumpriu com a obrigação que havia e fez a devolução do valor correspondente”, revelou Pitta Grós.
Leopoldino Fragoso do Nascimento, conhecido como ‘Dino’, foi o antigo responsável pelas telecomunicações presidenciais entre 1995 e 2010, tendo sido também ministro de Estado e chefe da Casa de Segurança durante o reinado de José Eduardo dos Santos.
‘Dino’ fez parte do chamado triunvirato que gravitava à volta da família de José Eduardo dos Santos, juntamente com o general Hélder Vieira Dias Júnior (‘Kopelipa’) e o ex-vice-presidente de Angola Manuel Vicente.
Entre as principais participações empresariais conhecidas estão o Banco Económico, que resultou da falência do Banco Espírito Santo Angola, o grupo de comunicação social português Newshold, e a participação de 15% na Puma Energy.
Portanto, o general Dino não lidou com o erário público e por isso não faz parte da elite cleptocrática. E como até aceitou devolver uma importância calada que não fazendo parte do "erário público" era efectivamente parte do erário público está tudo perdoado.
Perceberam?! É com estes princípios constitucionais e de processo penal que o MºPº português vai colaborar. Uma farsa.
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