terça-feira, maio 09, 2017

Proença-as novas.

 Daqui, de um sítio sindical, uma notícia que o Expresso não divulgou online:

 Micael Pereira

Na primeira das duas vezes em que foi ouvido como testemunha na 'Operação Fizz', em Agosto de 2016, o juiz de instrução Carlos Alexandre revelou ao Ministério Público que o seu amigo Orlando Figueira - o antigo procurador do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) acusado de ter sido corrompido pelo vice-presidente angolano Manuel Vicente - lhe contara que foi o advogado Daniel Proença de Carvalho quem tratou de encontrar uma solução em 2015 para pôr fim ao contrato suspeito que o magistrado tinha assinado com uma empresa-fantasma da Sonangol, a Primagest.

Para o Ministério Público, esse contrato é um elemento importante de prova na 'Operação Fizz', o nome com que o inquérito-crime foi baptizado, e serviu alegadamente para Manuel Vicente corromper Orlando Figueira, a troco de o procurador encerrar rapidamente uma investigação que corria contra o vice-presidente de Angola por suspeitas de branqueamento de capitais - o que acabou por acontecer.

O contrato de trabalho com a Primagest, cuja primeira versão foi assinada em Janeiro de 2012 quando o procurador ainda estava no DCIAP e Manuel Vicente era ainda presidente da petrolífera angolana Sonangol, implicava a ida de Orlando Figueira para Luanda como director dos serviços de compliance dessa empresa em regime de exclusividade a troco de um salário de 15 mil dólares por mês. Embora os termos do contrato não tenham sido cumpridos e o procurador nunca tenha ido para Luanda trabalhar, um acordo de revogação assinado em maio de 2015 contornou esses factos e permitiu que Orlando Figueira ainda recebesse duas tranches finais no montante de 184 mil euros.

É nesse acordo de revogação que, segundo o testemunho de Carlos Alexandre, o advogado Daniel Proença de Carvalho, sócio principal de um dos maiores escritórios em Portugal, a Uría Menéndez, teria estado envolvido. Contactado pelo Expresso, Proença de Carvalho, que também é presidente do grupo Global Media, detentor do "Diário de Notícias", do "Jornal de Notícias" e da estação de rádio TSF, nega qualquer envolvimento no assunto. "Isso são fantasias." Nos interrogatórios a que foi sujeito, Orlando Figueira não menciona qualquer intervenção feita pelo sócio da Uría Menéndez. Contactado também pelo Expresso, o advogado do ex-procurador, Paulo Sá e Cunha, não quis fazer qualquer comentário sobre o caso.

Proença de Carvalho foi advogado de Carlos Silva, presidente do Banco Privado Atlântico (BPA) Europa e vice-presidente do Millennium BCP, em representação do seu maior accionista, a Sonangol, sendo que todo o dinheiro suspeito pago a Orlando Figueira foi canalizado pelo Atlântico, um banco detido a 100% por capitais angolanos, sem que nenhum dos valores tenha sido reportado ao Banco de Portugal, apesar de o procurador ser considerado uma Pessoa Politicamente Exposta (PEP). Em vez de se mudar para Angola, Figueira acabou por ir trabalhar para o compliance do Millennium BCP em Portugal, transitando mais tarde para o Activobank, um pequeno banco do grupo BCP.

Na transcrição do depoimento que Carlos Alexandre fez a 5 de Agosto de 2016 perante a procuradora Patrícia Barão, o juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal reproduziu o que o "amigo" Orlando Figueira lhe contara pessoalmente: "Essas pessoas [angolanos], segundo ele [Orlando Figueira] diz, nomearam um distinto advogado da nossa praça jurídica da capital, para acompanhar as negociações de deslindamento dessa ligação profissional, tanto quanto ele me disse na pessoa do 'sôtor' Daniel Proença de Carvalho, do escritório Uría Menéndez. Ele terá ido à presença do sr. dr. Proença de Carvalho. Terão chegado a um consenso qualquer a fim de por termo a essa relação profissional."

Ressalvando que isso foi o que o amigo lhe contou e que nunca viu nenhum papel, Carlos Alexandre admite: "Ele não ia inventar uma ida ao dr. Proença de Carvalho, sem mais pormenores... 'Já me acertei', 'eles indicaram-me o dr. Proença de Carvalho', 'apareceu-me o dr. Proença de Carvalho que pediu-me para me deslocar ao consultório dele, eu fui lá e esclarecemos as coisas'."

O juiz concretizou que estes pormenores lhe foram revelados por Orlando Figueira durante uma visita que o antigo procurador fez ao seu filho, que esteve internado no hospital de Santa Maria entre Setembro de 2015 e maio de 2016.

Crime imputado a Paulo Blanco O acordo de revogação assinado entre Figueira e a Primagest em maio de 2015 foi considerado pelo Ministério Público como um crime de falsificação de documento, a par do contrato-promessa de Janeiro de 2012 e de um contrato de trabalho definitivo estabelecido em Março de 2014. No despacho de acusação em

que deram por concluída a investigação do caso, em Fevereiro deste ano, as procuradoras Inês Bonina e Patrícia Barão imputaram esse crime a Paulo Blanco, então advogado de Manuel Vicente e do Estado angolano. Blanco é suspeito de ter elaborado todos os documentos assinados por Orlando Figueira e pela empresa-fantasma da Sonangol. Questionado pelo Expresso, o advogado garante: "Não fiz nenhum dos contratos que o dr. Orlando Figueira assinou com a Primagest e que constam do processo."

Segundo a acusação feita pelas procuradoras, o acordo de revogação com a Primagest foi feito no dia a seguir a Orlando Figueira ter descoberto que estava a ser investigado pelo Ministério Público. O antigo magistrado terá sido alertado para isso quando a 25 de maio de 2015 o DCIAP enviou um ofício para o Activobank a pedir cópias sobre operações bancárias envolvendo o próprio Orlando Figueira. "Por via desses ofícios, directamente ou por terceiros, o arguido teve conhecimento de que correria termos contra si uma investigação criminal", diz o despacho de acusação. Então, "com o intuito de justificar o recebimento dos valores pecuniários descritos nesse contrato [com a Primagest] que haviam sido prometidos e ainda não tinham sido pago, o arguido elaborou um documento, datado de 26 de maio de 2015, denominado 'Acordo de Revogação de contrato de trabalho'".

As procuradoras sublinham que, "pese embora nenhuma actividade laboral tivesse sido realizada pelo arguido Orlando Figueira a favor da Primagest, ainda assim, com o termo do referido contrato, essa sociedade aceitava pagar ao primeiro as remunerações relativas aos meses de Setembro de 2014 a maio de 2015, bem como os valores respeitantes a férias vencidas e não gozadas e respectivos subsídios relativos a 2014, no montante de 150.000,00 USD, uma compensação pecuniária no valor de 210.000,00 USD como contrapartida da revogação do contrato de trabalho".

Com base nisso, entre Junho e Julho de 2015, o antigo procurador recebeu na sua conta do Atlântico Europa 184 mil euros (o equivalente na altura a 210 mil dólares) com origem na Primagest. Ao todo, entre 2012 e 2015, a empresa-fantasma acabou por lhe pagar 633 mil euros. Além disso, Figueira ainda recebeu mais 130 mil euros através de um empréstimo contraído no Atlântico Europa em Dezembro de 2011
.

O caso de Orlando Figueira assume aspectos de interesse particular se o advogado Proença de Caravalho interveio nalguma fase do contrato que ligou aquele aos angolanos do banco para onde supostamente iria trabalhar e acabou por não ir.

Proença de Carvalho deveria ter sido ouvido como testemunha no processo e jurado responder com verdade às perguntas colocadas. Tê-lo-á sido e respondido em conformidade? Como o processo já é público, parece que não...e importa por isso perguntar a quem de direito porque razão o não foi, se tal não resultar do despacho final.

Importa ainda pensar numa questão que me surgiu há uns meses, ao ouvir uma entrevista do opositor angolano Rafael Marques, em 28.2.2017, sobre o assunto Manuel Vicente-Sonangol-vice-presidência do Estado angolano, branqueamento de capitais, compra de apartamentos na Estoril Residence, por membros da elite angolana.
 Antes do mais torna-se interessante reparar na afirmação do jornalista Rafael Marques, activista da oposição angolana, que disse claramente ter sido o antigo administrador da Sonangol, Manuel Vicente, chamado à vice-presidência angolana como meio de o presidente José Eduardo dos Santos o controlar mais de perto. "Ali foi o fim de Manuel Vicente", disse Rafael Marques.

Então vejam-se os factos, relativos ao processo que originou a acusação ao procurador Orlando Figueira por corrupção:

"O processo que foi arquivado em 2011 pelo procurador Orlando Figueira, sete dias depois de ter sido instaurado e 14 dias antes de Manuel Vicente ser nomeado ministro de Estado do governo de José Eduardo dos Santos, é agora reaberto pelas procuradoras portuguesas Inês Bonina e Patrícia Barão."

O motivo principal para a acusação a Orlando Figueira reside na circunstância aduzida de o arguido Manuel Vicente poder ser ilibado a tempo de ser "promovido" a vice-presidente de Angola. Ou seja, na acusação entende-se tal nomeação como uma promoção e que o inquérito por cá instaurado contra o mesmo, seria um factor impeditivo e por isso a pressa do referido procurador em o arquivar a tempo de evitar tal "incómodo". Corrupção para acto lícito, se assim fosse. "Jeito" do procurador ao arguido a fim de o mesmo poder ser entronizado no cargo que afinal, segundo Rafael Marques,  constituiu o fim dele...

Ora o que Rafael Marques disse é o contrário daquela conclusão do MºPº no caso da corrupção do procurador Orlando: Manuel Vicente foi retirado da Sonangol para o desmobilizar e permitir que o presidente o controlasse. Portanto, uma verdadeira despromoção. "Foi o fim de Manuel Vicente", diz mesmo Rafael Marques.

Assim, este jornalista de oposição em Angola, co-autor da participação criminal ao DCIAP que originou o processo que o procurador Orlando Figueira arquivou e em relação ao qual terá cometido o crime de corrupção será a melhor testemunha de defesa do procurador. Tanto que provavelmente fica sem sentido a própria acusação. A não ser que tenha existido "erro de percepção", fenómeno recorrente nos dias que passam.

Os tribunais o dirão, no entanto...

2 comentários:

Floribundus disse...

'uns comem os figos, aos outros rebenta a boca'

Luis disse...

Começa a ser usual determinada gente não ser ouvida em declarações no processo para que nunca possa vir a ser confrontada com outras declarações que ali constem. Já o mesmo aconteceu no caso "Freeport". Evita-se, assim, que tenham que ser constituídas arguidas.
Esperemos que não seja, de novo, necessário ler no relatório final as perguntas que os procuradores gostariam de ter feito a algumas testemunhas.

A obscenidade do jornalismo televisivo