segunda-feira, julho 31, 2017

Um antigo responsável da TV diz: "a tv em Portugal é toda uma mesmice"...

 Sol, José Fragoso:

 Há falta de imaginação na televisão?
Muita, na televisão, na rádio e também na imprensa. Diz-se que hoje em dia as pessoas lêem menos, mas não é verdade. As pessoas lêem é outras coisas. O jornalismo hoje em dia tem muitas cumplicidades, não se percebe porque há pessoas ligadas a determinados eventos perniciosos que estão à solta em Portugal. É que passámos por um período de crise em que as pessoas foram obrigadas a fazer um esforço tremendo com reduções de ordenados, trabalhos precários, e depois assistimos a bancos que foram à falência porque emprestaram milhares de milhões não se sabe bem a quem e com que garantias, quem emprestou o dinheiro, e ninguém vê essas caras. A verdade é que a imprensa não deu o devido relevo a essas coisas. Parece um passador de milhares de milhões de euros como se isso fosse uma coisa normal. Uma ponte Vasco da Gama custou dois mil milhões de euros. Nós hoje falamos de sete mil milhões, quatro mil milhões… O público que nos vê, ouve ou lê, tem essa consciência. E quem tem de fazer sacrifícios para voltarmos a ter alguma estabilidade não vê esse sacrifício em quem gastou milhares de milhões. É certo que há uns casos em julgamento, mas é muito pouco. Continuamos sem saber para onde foram esses milhares de milhões. É uma ofensa mesmo no campo moral e de Justiça. Acho que a imprensa não dedica tempo e espaço a esses casos, até porque alguns grupos de comunicação social vivem em cumplicidade com essas pessoas. O leitor não é burro e penaliza. Os jornalistas se querem ter credibilidade têm de perceber se estão a trabalhar para o público ou para super potências  económicas ou para os lóbis políticos. Isto é válido para todos os meios.
Mas acha que os jornalistas trabalham para esses lóbis?
Em muitos casos, sim. Nalguns casos de forma inconsciente, noutros de forma consciente, acabam por cobrir esse jogo. Por exemplo, os jornalistas de economia andaram a dormir muitos anos. Isso é óbvio. Se o que se passou em Portugal, com a dimensão que teve, em que um conjunto de bancos foram ao tapete e os jornalistas não viram é porque estavam distraídos com outras coisas. Podia-se dizer que apanharam uma situação, e falharam outras. Mas não é verdade. Não apanharam nenhuma.
E por que acha que não apanharam?
Porque estavam distraídos com outras coisas ou estavam a trabalhar noutras áreas, a dar espaço a outros projectos que não tiveram viabilidade. Era importante que fizessem um reset e se perguntassem onde é que andaram durante esse tempo todo.

Comentário:

Uma mesmice e uma corrupção moral generalizada.

Ed Lourenço: o filósofo que nunca existiu


 Eduardo Lourenço, o professor jubilado de universidades francesas e filósofo encartado em Portugal há décadas, pelos media de esquerda, concedeu mais uma entrevista extensa, desta vez ao Público que é uma espécie de herdeiro do velho O Jornal onde o então professor escrevia de vez em quando as prosas adequadas à situação.
Ed Lourenço tem sido figura muito marcada por aqui et pour cause. 

Na entrevista de hoje, o filósofo que nunca existiu, Eduardo Lourenço,  fala de tudo um pouco do modo habitual: aproveitando os fait-divers para os enfatizar de filosofias peregrinas, como sempre. Hoje são os incêndios, vistos como tragédias, o futebol encarado como batalha e até o próprio governo apresentado como grande solução política quiçà de génio e capaz de "resolver democraticamente os conflitos que uma nação moderna tem de encarar". Depois, a talhe de foice aparecem as proclamações grandiosas sobre a Literatura, a Arte, a Música e o diabo a sete que nunca evita e empestam sempre os seus escritos.

Este Lourenço sempre me pareceu um completo bluff, mas enfim. Acaba a entrevista a dizer que "gostava de acabar os dias reconciliado com o mundo, e sobretudo saber que mundo foi este que vivi e  o que é a vida. Sei disso tanto agora que tenho quase cem anos como quando tinha dois".

Pois bem, o que me parece é que Lourenço nunca aprendeu nada e pouco esqueceu. Vejamos por isso como passou os últimos 40 anos, a tentar aprender o que era a vida.

Em 1976 escrevia no tal O Jornal coisas como esta que foram recolhidas num livrito intitulado "O fascismo nunca existiu", uma obra publicada com gáudio pela esquerda carente de afectos.



Um artigo de meia dúzia de páginas, publicado originalmente no O Jornal Novo em fins de Janeiro de 1976 e no rescaldo da derrota da Esquerda comunista no 25 de Novembro de 1975 e que defende a ingenuidade do grande Otelo, contra o cinismo do então articulista Marcelo Rebelo de Sousa, que agora louva circunstancialmente.
Lourenço nunca se enganou no vento que sopra, para o lado do poder em Portugal e parece ser essa a  filosofia que nunca lhe permitiu compreender o mundo e a vida. 


Em 9 de Abril de 1976 no O Jornal,  voltou ao tema do fascismo que teria existido em Portugal, citando profusamente Salgado Zenha, um advogado de Braga, do reviralho e ressabiado socialista que ajudou a implantar esta democracia que agora existe.
"O 1º de Maio de 1974 foi a grande festa da liberdade e da libertação e, como todas as festas, teve o seu lado exorcista de banho lustral." , escrevia então o filósofo agregando na Esquerda comunista e socialista todo o sentido da sua democracia.
E é disto que a casa Lourenço gasta e sempre gastou. Um filósofo de esquerda nunca chegará ao céu que lhe permitirá compreender a vida e o mundo porque a Realidade é outra coisa. Quem não entende isto, nunca entenderá patavina do que o rodeia. Quem lhe dá voz, replica-lhe o tique e patinha no mesmo charco, como é o caso notório do Público do Dinis, Dinis, alguém assim quis.

Em 4 de Junho de 1980, o filósofo que nunca existiu escrevia sobre o mesmo fenómeno recorrente da Esquerda política e da encruzilhada histórica em que se encontrava em Portugal: optar por um socialismo como destino nacional, mas sem o ferrete totalitário e principalmente sem o labéu das "criadas de quarto da burguesia" que eram as sociais-democracias, no dito de Lenine.
Em 1980, Lourenço queria um socialismo à moda de uma geringonça, a funcionar em paradoxos. Isto, um filósofo? 



Mais uma vez, Lourenço, na figura de utópico se equivocou. E passados mais de 40 anos continua na mesma. Não há dúvida, assim: nada aprendeu e nada esqueceu.
Um filósofo, este Lourenço? Talvez, do género dos que só sabem que nada sabem porque nunca nada souberam efectivamente.


terça-feira, julho 25, 2017

Salazar morreu há 47 anos

jornal i de hoje:



A imagem de baixo, com o corpo jacente de Salazar e D. Maria no velório foi picada deste blog. Daqui. É de uma revista que guardo e é minha não tendo direitos de autor, por esta altura, a prestar. Aliás, deve haver exemplares da mesma revista por essas bibliotecas gerais fora ( Lisboa, Porto, Braga e Coimbra) que guardavam todos os exemplares de publicações periódicas. Não percebo a razão de os jornalistas não explorarem esse filão informativo inesgotável...

Estas mãos baixas no que é dos outros, não tem importância por aí além, mas quando coloco imagens do i, digo de onde vêm...e a ética jornalística ainda não é uma batata, julgo.

E para melhor recordação aqui ficam as imagens dos jornais do Norte, da altura:

O Costa que ri

CM de hoje, crónica de Francisco José Viegas:






Retrato da ministra que chora e se apatetou no ministério para que não tem competência:


segunda-feira, julho 24, 2017

Governo e Pedrógão: fuga para a frente da vigarice pura

Nova táctica tipo vigarista nesta "indignidade de patife": respaldar-se no Ministério Público:

O primeiro-ministro contactou esta segunda-feira a Procuradora-geral da República, que lhe “confirmou” que a lista de vítimas do incêndio de Pedrógão Grande está abrangida pelo segredo de justiça e que a sua divulgação depende do Ministério Público.
Esta posição consta de uma nota enviada à comunicação social pelo gabinete do primeiro-ministro, António Costa, a propósito da lista de vítimas resultantes do incêndio de Pedrógão Grande, no distrito de Leiria, em junho passado.
Relativamente às solicitações que têm vindo a ser formuladas para que o Governo divulgue a lista de vítimas do incêndio de Pedrógão Grande cumpre esclarecer o seguinte: no dia 14 de julho o Instituto Nacional de Medicina Legal foi notificado pelo Ministério Público de que o processo das vítimas dos incêndios de Pedrógão Grande se encontrava em segredo de justiça”, lê-se no comunicado.
De acordo com a mesma nota, o primeiro-ministro “contactou esta segunda-feira a sra. procuradora-geral da República que confirmou que o segredo de justiça abrange a lista das vítimas”. “Como decorre da lei, a divulgação da lista de vítimas será feita pelo Ministério Publico se e quando o considerar adequado”, acrescenta-se no texto."

Comentário:

Andou mal o Ministério Público, pelas seguintes razões:

Num caso como este, de tamanha repercussão social, o segredo de justiça tem que ser muito relativizado e a lei processual permite esclarecimentos públicos, sem tal consistir em violação de segredo de justiça algum.
Por outro lado, a lista dos mortos em Pedrógão não foi recolhida inicialmente pelo MºPº que aliás esteve no terreno a investigar, logo no Domingo, dia 18 de Junho, com a presença activa do procurador-Geral distrital de Coimbra, Euclides Dâmaso, o que me parece inédito ou pelo menos inovador e muito positivo. Tal lista foi recolhida pelas "autoridades" que dependem do Governo, directamente.
É preciso recordar que o primeiro-ministro solicitou logo publicamente informações concretas a várias entidades de si dependentes e fê-lo de um modo patético, como se não fosse o topo da pirâmide do poder administrativo que se organiza no Estado e que envolve a Protecção Civil  e as forças policiais.
O inquérito que corre no MºPº não se liga necessariamente a esses inquéritos pedidos pela tutela governamental e por isso não estão em segredo de justiça algum. Era preciso que o MºPº tivesse dito isto claramente e aparentemente não disse.

Por outro lado mesmo a divulgação do número de mortos conhecidos, pelo MºPº , não prejudica qualquer investigação em curso, razão principal e última do segredo de justiça. Divulgar os números é um dado objectivo sem repercussão alguma na investigação e tal reveste um interesse público inegável.

De resto se formos por esta interpretação qualquer dia, se se apreender um código penal, não se poderá divulgar o conteúdo do mesmo sob pena de violação de segredo de justiça...

Aditamento: o malhadinhas Santos Silva, segunda figura triste deste governo disse na SIC-N, esta noite que o Governo não vai divulgar a lista que o PSD exigiu fosse feita em 24 horas, para não cometer um crime...que seria de violação de segredo de justiça.

O jogo de palavras destes aldrabões continua. A lista foi realizada por quem?  Qual o organismo do Governo que a compilou, de modo autónomo e independente do inquérito do MºPº? Acaso a divulgação de tal documento representa violação de segredo de justiça? Não, mas para este aldrabão faz muito jeito dizer que sim.



Será este o retrato de um patife?



O primeiro-ministro António Costa, a propósito do número de mortos no incêndio de Pedrógão:


Ontem: "isso já está tudo esclarecido pela Autoridade Nacional da Protecção Civil e pelo Ministério da Justiça".

Hoje:  “Não é o Governo que contabiliza [os mortos].

Conclusão apropriada: "uma indignidade de patife". 



Os 65 mortos de Pedrógão com nome e foto.

Correio da Manhã de hoje: a imprensa a fazer o que o Governo e a Protecção Civil que dele depende, não fazem, ou seja, publicar os nomes e os rostos dos mortos no incêndio de Pedrógão Grande. Mais e pior: o Governo esconde o nome de vítimas e o jornal publica um número de telefone para que alguém possa indicar o nome de familiar, amigo ou vizinho que não esteja nesta lista e tenha desaparecido no incêndio. Pior vergonha para o Governo não pode existir. Pior desgraça para este Primeiro-Ministro sempre sorridente também: os mortos chamam por esse responsável e o indivíduo vai de férias...divertir-se.

Francisco José Viegas escreve hoje no jornal que "esconder os mortos e falsear o seu número em nome das sondagens de opinião seria uma indignidade de patife".




Entretanto, sobra isto:

O primeiro-ministro desvalorizou esta segunda-feira a questão “estatística” em torno do número real de vítimas de Pedrógão Grande. António Costa foi cauteloso em assumir o número final, destacando que a “dimensão desta tragédia não se mede pela dimensão dos números”. Pressionado a ser mais claro, o chefe de Governo atirou: “Não é o Governo que contabiliza [os mortos]”
Minutos antes, a ministra da Administração Interna reforçou que 64 pessoas morreram no incêndio de Pedrógão Grande, acrescentando que o processo está nas mãos do Ministério Público e em segredo de justiça.

Será este o retrato de um patife?  Como é possível dizer o que disse o PM e a sua ministra, a pateta do MAI, dizer aquilo?

O renovável Marques Mendes

 Observador:

O antigo líder do PSD Luís Marques Mendes defendeu que o PSD devia ter retirado o apoio ao candidato do PSD à Câmara de Loures, André Ventura, que tem estado no centro de uma polémica depois de declarações sobre a comunidade cigana, e diz que este nunca deveria ter sido candidato, não pelos comentários considerados racistas criticados pelos restantes partidos, mas por ter sido comentador de futebol numa televisão portuguesa.
No seu habitual espaço de comentário na SIC, Marques Mendes confessou que gostaria que o PSD tivesse tomado outra decisão quando, depois das declarações do candidato e de o CDS-PP ter decidido sair da coligação em Loures, manteve o apoio ao candidato. “Gostaria de uma posição diferente”.

 Este gnomo do ambiente mediático, desde há uns largos anos habituado às altitudes dos vários areópagos da politiqueira nacional, agora dá palpites na TVI, em substituição do professor Marcelo, o "bispo" que nunca foi e que anda a procura de algo que o antigo governante de Marcello Caetano, Joaquim Silva Pinto, explicou agora num livrito ( 159 pgs) à venda por aí.

Entre os palpites avulsos que expende como se fosse um oráculo, sinal da politiqueiro-dependência das tv´s nacionais, surgiu agora este sobre o candidato do PSD a uma câmara municipal.

Marques Mendes é Conselheiro de Estado. Antes disso foi governante de Cavaco e quando acabou a tarefa o industrial e comercial Belmiro de Azevedo disse que nem o queria para porteiro dos seus supermercados, o que atesta bem a categoria profissional do dito. Na altura disse que iria para a advocacia, sabendo-se que o pai tinha escritório em Fafe. Parece que foi, mas não para essa comarca longínqua do poder. Ainda antes disso, em tempos que já lá vão, o Independente meteu-se com ele e com o então colega Joaquim Nogueira por causa de uma casa geminada que ambos mandaram construir na linha de Cascais. As contas das facturas não batiam certo e alguém bufou por causa do cargo que ocupavam. Tudo ficou em águas de bacalhau mas não esquecido.

Depois de dizer que ia para a "advocacia" meteu-se "nas Renováveis" no tempo do Inenarrável e alvitrava um futuro radioso para os projectos nascentes que se multiplicavam com milhões, emprestados por qualquer banco. Qualquer banco? Não propriamente, porque estava lá o BES. E isso deu que falar em certa altura, mas este gnomo tem artes de se escapar de sarilhos como poucos.  "Não é nada comigo"...disse, fazendo-se ainda mais pequenino, como o "pequenu" dos livrinhos da minha infância.

Portanto os sarilhos não foram apenas esses, mas ainda estas vergonhas inauditas num conselheiro de Estado. Porém, este gnomo safa-se sempre e lá vai continuando o percurso de komentador que quer chegar a outro lado qualquer neste país de parolos que dá importância a estes frequentadores do  "país dos gigantones que passeiam a importância e o papelão, inaugurando esguichos no engonço do gesto e do chavão", como dizia O´Neill, referindo-se aos antigos colegas de poder do referido Joaquim Silva Pinto...

As pessoas já nem se lembram disto, quanto mais daquilo...


E é este gnomo que julga ter a autoridade moral e política para criticar o advogado Ventura que não tem qualquer lastro de poucas-vergonhas à mostra como o dito ostenta.

Se fosse ao advogado Ventura lembrar-lhe-ia publicamente estes feitos e exigiria que o mesmo fosse corrido do Conselho de Estado porque até envergonha quem representa.


Quanto ao livrito de Joaquim Silva Pinto que se lê em pouco tempo ( uma hora?) vale a pena ler as últimas 35 páginas sobre as "carências e afectos" do tal "bispo" que nunca chegou a ser e que se incubou em Marcelo Rebelo de Sousa, actual presidente da República que é quem respalda politicamente o aludido gnomo.

JSP foi governante de Marcello Caetano e não abjurou a antiga companhia, tendo apenas passado para o lado oculto da lua maçónica em companhia do seu "amigo fraternal" João Cravinho. O seu conhecimento da realidade política nacional, porém, merece atenção e leitura e no outro dia ( Sábado no jornal da TVI24 com Henrique Garcia disse umas coisas com muito interesse e que denotam que vale a pena falar com o homem. Tem boa memória e conhece os personagens pitorescos da actual cena política nacional.  O que escreve sobre o "bispo" é um pouco criptográfico e procura dar um retrato psicológico da personagem.
Quem quiser saber porque razão Marcello tem actuado do modo que se vê, com distribuição de afectos a torto e direito,  deve ler essas poucas páginas do livro em que o autor expõe a sua opinião   acerca dessas razões. Por mim não concordo muito com tais razões, porque demasiado redutoras e psicanalíticas.

Para mim que acompanho a personagem mediatizada há décadas, com particular atenção aos artigos de Artur Portela Filho na antiga Opção ( 1976) é mais outra coisa que julgo que o mesmo partilha com outra personagem da vida política do cavaquismo de antanho, Leonor Beleza. Mas essa coisa é demasiado prosaica para escrever aqui, comum a muita gente e a caridade me impede do o fazer.

domingo, julho 23, 2017

Pedrógão: e se afinal houver mais mortos que a contagem oficial, fica assim?

 Jornal i:


Isabel Monteiro, empresária de 57 anos, natural de Lisboa, reuniu uma base de dados com as vítimas mortais do incêndio dos concelhos de Pedrógão Grande e já contabilizou mais de 80 mortos, dos quais 69 estão confirmados pelas famílias com nomes completos, localidade e local da morte.
A intenção era criar uma lista de vítimas para a criação de um memorial na Estrada Nacional 236, hoje conhecida como “Estrada da Morte”, mas foi ao recolher a informação junto das famílias, funerárias, bombeiros e dados da comunicação social que Isabel constatou que o número de vítimas mortais seria superior ao número oficial divulgado pelas instituições do Estado. Começou então uma investigação de fundo e o total de mortos contados até à data, na sua base de dados, já ultrapassa os 80.
A experiência dizia-lhe que, para ser útil na situação de Pedrógão, teria de ir directamente ao local e perceber de que tipo de ajuda as famílias precisavam.
O instinto tem uma história. Em 1996, na guerra do Kosovo, Isabel viu um apelo da AMI e da Cruz Vermelha Portuguesa e decidiu ajudar, mas apercebeu-se que os donativos não estavam a ser encaminhados. Organizou, nesse ano, o Concerto dos Cobertores, na Praça Sony, cujo bilhete de entrada era um cobertor que seria enviado para Kosovo. O evento foi um sucesso e Portugal foi o segundo país a entregar o maior número de cobertores no Kosovo.
Isabel entrou em conflito com a AMI e pressionou o governo para ir directamente no avião C130, que transportou muita da ajuda humanitária enviada de Portugal. Quis ir directamente ao local dos acontecimentos entregar em mão a ajuda às vítimas do histórico conflito.

Isabel contou ao i que aprendeu com essa experiência a não doar dinheiro ou a entregar donativos sem ser directamente a quem precisava e, ao saber da catástrofe de Pedrógão, decidiu pôr em prática mais uma vez o método de solidariedade direta.
“Fui a primeira vez a Pedrógão no dia 21 de junho. Dirigi-me ao quartel dos bombeiros e fiquei mesmo muito impressionada com tudo o que vi. Decidi então recolher donativos e voltei no dia 3 de Julho. Fui directamente à junta de Castanheira de Pêra levar donativos que uns amigos da família que teve nove vítimas mortais me pediu para entregar”, conta. “Fui recebida por uma senhora que me disse que não era a Junta que tratava desse assunto e mandou-me entregar tudo aos Médicos do Mundo”.
Isabel que se recusa a entregar donativos às ONG, decidiu seguir caminho pelas aldeias. Foi então que o seu grupo de voluntários se cruzou com quatro senhoras que recolhiam sementes de eucalipto, na localidade de Vermelho, certificando-se de que estas árvores não voltariam a crescer perto das suas zonas de habitação. As mulheres, apesar de terem perdido todas as árvores e hortas, não quiseram receber donativos uma vez que as suas casas por dentro estavam intactas. "Foi aí que me disseram pela primeira vez que o número de mortos seria muito superior ao anunciado".


A Contagem
“Falaram-me de uma família de duas pessoas que salvaram tudo sozinhos e deixámos lá donativos, já que tinham dado abrigo à sobrinha que só tinha a roupa do corpo desde o dia do incêndio”, conta ao i.
Foi depois deste contacto que Isabel decidiu ir à aldeia de Nodeirinho, uma vez que tinha sido uma das localidades mais faladas na comunicação social. “Quando cheguei lá, as pessoas estavam todas reunidas na capela. Falei com toda gente, disseram-me o que lhes fazia falta e voltaram a confirmar a teoria de que o número de mortos seria muito superior ao anunciado” .
Isabel, intrigada com o assunto, terá falado telefonicamente no sábado dia 8 de julho com uma agência funerária em Vila Facaia que pelo telefone lhe confirmou, mais uma vez, que o número era muito superior. Abordou os funcionários com uma história que acabara de inventar. “Tive de inventar uma história, caso contrário nunca se iriam abrir comigo. Falei-lhes então que procurava um rapaz amigo de uma amiga minha que estaria a chegar para o tentar encontrar e que precisava de saber se o nome dele estaria entre os 64 mortos”.
Terá sido neste momento que a primeira pista lhe foi dada. Uma das funcionárias terá respondido sob pressão com um sincero “eu sei lá menina, são muito mais, só eu vi mais de 95 corpos”, desabafo que Isabel nunca mais conseguiu que se repetisse, já que a senhora em causa nunca mais o confirmou.

Isabel explica ao i que, nas suas visitas às localidades dos concelhos afectados pelo incêndio, “os locais estão muito pressionados politicamente e há um estado de medo instalado”.
Mas ao falar com as famílias de luto, a ideia da criação de um memorial surgiu. “É o mínimo que se pode imaginar depois de uma tragédia destas, nada faz sentido se não houver uma homenagem a todos os que morreram”.

A empresária de Lisboa terá então iniciado um processo de recolha de informação. "Primeiro procurei tudo o que a imprensa tinha escrito sobre os mortos, chegando mesmo a perceber que tinham dado como mortas pessoas que estavam vivas. Com o é o caso da dona Gina, que estava internada e viva e na comunicação social deram o nome dela como falecida”.
Ao verificar se os dados da imprensa estavam correctos, comecei a ir de família em família, a abordar bombeiros e cheguei a contar as campas frescas de um dos cemitérios para confirmar que os números são superiores, parece macabro mas tive de o fazer”.

Segundo Isabel e dois bombeiros que não querem ser identificados, várias vítimas foram encontradas mortas depois de os números oficiais terem sido dado como certos. Terá sido o caso de Leonor Silva Henriques e Armindo Henriques Modesto que não estavam referenciados em lugar nenhum, mas morreram dentro do carro de Anabela Lopes Carvalho, de Sarzedas, que circulavam na EN236.
Otília, irmã de Anabela, teve de identificar o corpo da irmã na estrada e falou a Isabel dos dois acompanhantes da irmã que não faziam parte das listagens.

Também Fernando, de Campelo, foi encontrado carbonizado por uma local de Pobrais no meio do mato vários dias depois. “Estes corpos foram encontrados e enterrados mas os números nunca foram actualizados”, explica Isabel Monteiro.
O i contactou várias das famílias das vítimas que pertencem à listagem de Isabel e que pedem para não ser identificadas, mas que garantem que o número de mortos (64) dado pelas autoridades "está muito longe da verdade".

Isabel Monteiro e a sua amiga Ana Sousa e Silva juntaram algum dinheiro e, com a ajuda e confiança do padre da Paróquia de Nossa Senhora dos Navegantes, no Parque das Nações, e um de Bragança, conseguiram uma quantia de dinheiro que lhes permitiu a aquisição local de animais e hortícolas para doar às famílias. Compraram 80 animais (com 208,99 euros) e com 197 euros compraram 700 mudas de hortícolas que transportaram às famílias afectadas pelos incêndios. Foi aí que constataram que, depois de 30 dias, a ajuda ainda continuava por chegar. “Chegaram-me a dizer que havia certamente mais de 100 mortos, eu não queria acreditar. Mas realmente assim que comecei a juntar toda a informação percebi que pelo menos mais de 80 mortos tínhamos listados”.
Para Isabel há demasiadas falhas em tudo que se relaciona com este assunto, como o exemplo dos questionários online para as vítimas dos incêndios. “Como é que o ministério da agricultura espera que idosos que não fazem ideia do que é usar a internet, depois de todo o trauma, ainda preencham formulários?”, pergunta. O formulário poderia ser entregue na Câmara Municipal até ao sábado dia 15 de julho.
Como Alcafache 
No dia 13 de julho, às 18h21, Isabel publicou a lista na sua página do facebook pedindo que a ajudassem a actualizar e a corrigir os dados disponíveis. “As chamadas, até hoje ainda não pararam, sempre com novas informações”.
“Isto como bombeiro não me surpreende, já tivemos situações destas em Portugal, como no caso do comboio de Alcafache que nunca chegaram a dar o número real de vítimas e soubemos de corpos enterrados em vala comum”. O bombeiro de Viseu conta que militares já lhe haviam falado de um número de mortos muito superior ao anunciado, logo no primeiro dia de acção em Pedrógão. “Entre pessoal das operações sempre se ouviu falar em mais de 100 mortos. Mas sempre se falou disto sem provas, eram apenas boatos. Agora há nomes, como é que se mentem nomes de pessoas?”.
Segundo a empresária e os dois bombeiros que o i contactou, têm sido várias as pressões para que este assunto “morra na praia”. “Disseram-me que devia estar calada porque isto envolve interesses nacionais. Mas eu não quero viver num país em que interesses do Estado valem mais do que vidas humanas”.
A Autoridade Nacional de Protecção Civil (ANPC) reiterou neste sábado que o incêndio do mês passado em Pedrógão Grande fez 64 vítimas mortais, em "consequência directa" do fogo, e que outros eventuais casos não se integram nos critérios "definidos". Os critérios que foram identificados para apurar as vítimas do incêndio são "mortes por inalação e queimaduras", resultantes do fogo, adiantou à agência Lusa a adjunta nacional de operações Patrícia Gaspar.
Segue-se a listagem das vítimas mortais contabilizadas por Isabel Monteiro, que reuniu informação com famílias, populares, funerárias e bombeiros.

Comentário:

Factos são factos e mortos são mortos. Ou há esclarecimento cabal e completo ou ficar-se-á sempre na dúvida sobre o número de pessoas  que  pereceram na tragédia de Pedrógão Grande na tardinha de 17 de Junho de 2017.

Os serviços oficiais que dependem do governo e pouca autonomia têm para poderem ser autoridade credível e suficiente já contaram 64 vítimas e nem querem contar mais. O Expresso, ontem, relatava que houve uma pessoa que foi atropelada naquelas circunstâncias que rodearam o incêndio e por causa dele. Não a querem contar como vítima porque não pereceu devido a queimaduras ou inalação de fumo...e estamos nisto. Como terá sido atropelada por veículo que se pôs em fuga, nem o seguro quererá nada com ela...
Por outro lado, o que relata o i é assustador:

"Segundo Isabel e dois bombeiros que não querem ser identificados, várias vítimas foram encontradas mortas depois de os números oficiais terem sido dado como certos. Terá sido o caso de Leonor Silva Henriques e Armindo Henriques Modesto que não estavam referenciados em lugar nenhum, mas morreram dentro do carro de Anabela Lopes Carvalho, de Sarzedas, que circulavam na EN236.
Otília, irmã de Anabela, teve de identificar o corpo da irmã na estrada e falou a Isabel dos dois acompanhantes da irmã que não faziam parte das listagens.

Também Fernando, de Campelo, foi encontrado carbonizado por uma local de Pobrais no meio do mato vários dias depois. “Estes corpos foram encontrados e enterrados mas os números nunca foram actualizados”, explica Isabel Monteiro."

Isto são factos que podem ser investigados e confirmados ou não.  Será que alguém o irá fazer?


sábado, julho 22, 2017

Incêndio de Pedrógão: os 65 mortos que nos interpelam

O Expresso de hoje, de longe o jornal que melhor noticiou e investigou o assunto do incêndio de Pedrógão Grande, mostra a lista dos mortos: 65.

Foi constituída uma associação de familiares das vítimas e algumas já se constituíram assistentes no processo criminal de inquérito que corre na comarca de Leiria. Ajudam o MºPº na investigação.

Uma delas disse o fundamental: Por que razão o comando operacional dos bombeiros falhou tanto e por que não foram disponibilizados os meios, se houve avisos com 48 horas de antecedência sobre o agravamento das condições climatéricas? Em duas horas, o que era fumo transformou-se numa catástrofe".

A primeira resposta a esta questão deve ser dada por um comandante de bombeiros de Pedrógão chamado Augusto Arnaut. Até me incomodou ao ouvi-lo falar na SIC, numa reportagem no outro dia. Não é possível uma criatura assim estar a comandar bombeiros...não devia ser possível. Mas foi.


 Entretanto o que faz este Governo? Censura, impedindo os bombeiros de falar. Por causa de quê?  Medo de perderem votos...o que é típico das democracias. Mas não a Censura...


O grande pecado de Ricardo Salgado



Entrevista de Ricardo Salgado ao DN de hoje:

A questão fundamental: quem liquidou o BES foi o BdP? Foi, segundo Salgado. Em meados de Julho de 2014 um investidor de Londres- Daniel Loeb, da Third Point LLC- foi ao BdP dizer que queria recapitalizar o BES e o BdP nem o ouviu.
Foi assim? E tal salvaria o BES da bancarrota iminente e evitaria a corrida aos depósitos? É preciso ouvir o Governador do Bdp mas não é crível que seja assim tão simples.

Outra questão: Salgado nunca se meteu em política, segundo diz, mas parece-lhe que outro governo que não o de Passos teria evitado a queda do BES.
Sobre meter-se em política ou não é preciso ouvir outras vozes, como a do primo Ricciardi que já disse ter visto o antigo PM, Sócrates, em conciliábulos privados e secretos com Salgado. O que combinavam? 
Sócrates já disse que foi um erro a resolução do BES…portanto, se estivesse no Governo, em 2014 teria evitado a queda do BES. Com que custo para o erário público? Basta recordar o que se passou com o BPN para adivinhar e multiplicar o custo, numa altura de crise e austeridade.
De resto o enquadramento geral é mais esclarecedor: quem levou o país à bancarrota? Quem ajudou no negócio da PT que destruiu o valor da empresa e provocou o que agora está a suceder com a Altice ( a empresa tem mais do dobro dos trabalhadores necessários…quem é que os contratou e porquê?)
Quem ou como se aliaram Ricardo Salgado e certos interesses para evitarem a opa da Sonae? Quem são os pivots desta tramóia em que "estavam todos feitos"?  
Quem é que incentivou o assalto ao bcp e o abuso dos dinheiros públicos da CGD para investir num banco que perdeu o valor que tinha em pouco tempo? Quantos milhares de milhões custaram ao país tais ideias e actuações? Quem as pensou e executou em modo determinante? Foi só o pindérico Sócrates?
Quem é que esteve sempre no meio dessas embrulhadas criminosas? Ricardo Salgado, voilà! E ainda falta falar nas “luvas” que permitiu fossem distribuídas a certos políticos. E não foi só a José Sócrates, como Hélder Bataglia sabe muito bem.E isso que para Salgado serão "peanuts" é o que conta agora para o julgamento em processo criminal, o que Salgado parece não compreender. 

E isso é imperdoável, a Ricardo Salgado. Porque além de ser um crime de corrupção que deverá ser punido severamente, atenta a dimensão da ilicitude (e não tanto da culpa, por causa da anomia vigente) foi a razão da nossa bancarrota de 2011. 
Fosse Passos Coelho a governar o país desde 2005 e Portugal não tinha passado por esta bancarrota, esta austeridade que ainda pagamos e estas dificuldades. E o BES ainda existiria, se calhar…
Ricardo Salgado sabe muito bem que assim é. O pecado que cometeu foi tão grande que nem o Papa lho pode perdoar. Só Deus Nosso Senhor. Se houver arrependimento e confissão, claro.

Pode dizer o que quiser, Salgado.  Claro que se o BdP não decidisse a resolução do BES o mesmo não teria falido do mesmo modo, sem falência declarada mas com extinção pura e simples do nome, o que juridicamente ainda dará muito que falar.Será que sobreviveria? É incerto e insegura, tal asserção.
Claro que se o governo de Passos Coelho lhe tivesse dado a mão, como o fez o governo de Sócrates ao BPN, o banco ficaria nas mãos do Estado que pagaria depois todas as contas. 

Claro quese não tivesse existido crise internacional em 2008 tudo teria corrido bem. Mas...correu bem para outros que resolveram os problemas de outro modo. Porque não correu bem para Salgado? 

Por uma razão simples: tal como o Inenarrável e pindérico Sócrates, nunca acreditou que lhe acontecesse o que acabou por acontecer.  Soberba, portanto. 
O tempo mudou e ela não voltou. A sorte, claro. Mas há quem lhe chame outra coisa. 

A tragédia que atingiu Salgado é shakespereana ou grega ou clássica, se quiser. Que medite nas causas. Algumas serão as que  acabei de enunciar.  E não, a culpa não é dos governos de Passos ou do BdP. É sua e só sua.

sexta-feira, julho 21, 2017

A troupe dos novos inquisidores

Observador, artigo de José Ribeiro e Castro:

A notícia de a Ordem dos Médicos ter aberto processo a António Gentil Martins obrigou-me a ler toda a entrevista ao “Expresso” que desatou reacções furiosas. Só tinha seguido títulos e um ou outro ataque da reacção ou respostas. Sem terceiros, quis fazer o meu juízo.
Confirmei a opinião que tenho, há muitos anos, sobre António Gentil Martins, um dos médicos mais notáveis da vida portuguesa, grande cidadão, homem bom. Se há justiça em Portugal e a queixa disciplinar versa sobre a matéria dessa entrevista – aquilo que se chama uma entrevista de vida –, o caso só pode resultar em público louvor e testemunho de gratidão a tão brilhante veterano da nossa saúde.
O que aprendemos (ou recordamos) com a entrevista de Gentil Martins?
Isto! Criou a primeira unidade multidisciplinar de oncologia pediátrica no mundo – não é coisa pouca. É um reputado cirurgião pediátrico e plástico. Tem 87 anos de idade e continua a trabalhar, depois de reformado por lei há 17 anos no Hospital de D. Estefânia, quando atingiu os 70. Permanece activo como cirurgião, no privado, a tratar e a salvar, e como consultor no “seu” IPO, a consolidar e transmitir experiência. Tem 63 anos de carreira hospitalar, sobretudo na Estefânia e IPO. Realizou mais de 12.000 cirurgias, destacando-se a separação de gémeos siameses. Quantos lhe devem cura, alívio, a vida? Quantos lhe devem felicidade e melhor qualidade de vida? Recebeu vários prémios – só neste ano, o Prémio Manuel Sobrinho Simões, da Liga Portuguesa contra o Cancro, e o Prémio Nacional da Saúde. É continuador de longa linhagem familiar na medicina portuguesa, desde meados do século XIX. Cresceu sem pai, morto precocemente num acidente de tiro, tendo sido criado apenas pela mãe. Quando se formou, em 1953, trabalhou dois anos sem receber, até obter reconhecimento bastante. Fez uma especialização de 3 anos em Inglaterra, em regime intensivo. Dedicou-se a cirurgias pediátricas, porque gosta muito de crianças e para tratar e corrigir malformações congénitas. Chegava a ir ao hospital com o pijama debaixo da roupa. Nunca discriminou um doente e trata todos por igual, nomeadamente heterossexuais ou homossexuais. O único lamento que carrega é o de ter prejudicado a vida familiar pela extrema dedicação à medicina, aos hospitais e aos doentes. Ousou inovações de tratamento oncológico contra protocolos internacionais estabelecidos, provando o seu sucesso e ajudando a estabelecê-las, mundialmente, como novas práticas médicas. Condena bruxos e charlatães. Denuncia a vigarice organizada em torno das células dendítricas e da exploração da ansiedade de doentes e seus pais.
Em matéria da competência disciplinar da Ordem dos Médicos não se tira desta entrevista – mais, não se tira desta vida! – nada que seja reprovável, antes quadro de honra e de exemplo. Em Portugal, Estado de direito democrático, creio que, se a Ordem dos Médicos ainda é Ordem e ainda é dos Médicos, o Conselho Disciplinar não poderá deixar de concluir por uma de duas: ou afirmação de incompetência estatutária para apreciar a queixa apresentada; ou mais um louvor ao exemplo de vida do seu antigo, insigne e bondoso bastonário.
Houve um trecho que desatou esta fúria. Não se tratou daqueles em que Gentil Martins confirma ser católico praticante e se assume democrata-cristão, “mais à direita do que à esquerda”. Também não foi o trecho em que verbera Cristiano Ronaldo por ter recorrido a barrigas de aluguer e em que se alastrou no seu, como diria Mário Soares, “direito à indignação”. Foi a parte em que afirmou que a homossexualidade «é uma anomalia, é um desvio de personalidade». Não discrimina, mas não aceita promovê-la – diz.
Ainda o “Expresso” estava quentinho e a manhã de sábado não chegara ao fim e já a deputada Isabel Moreira expedia o comando, por telegrama em caixa alta no Facebook: «URGENTE UMA DENÚNCIA À ORDEM DOS MÉDICOS». Emitia também a sentença: «Estas declarações violam a deontologia médica». O caso disciplinar da Ordem arranca daqui.
Também no Facebook, critiquei esta posição, o que Isabel Moreira (infelizmente, como é seu hábito) distorceu, a fim de desfocar o que eu disse e tentar vitimizar-se – quando se diverge, convém manter alguma honestidade, para a discussão poder seguir e não descair em zaragata. Em momento algum, acusei Isabel Moreira de ser da Gestapo ou da Stasi. Escrevi que «segue a escola de direitos humanos da Stasi e da Gestapo», o que é diferente e é rigorosamente verdade. Porquê? Porque Isabel Moreira tem-se especializado em perseguir e ordenar perseguições a cidadãos e a profissionais com base nas suas convicções, opiniões e afirmações, o que era uma das tarefas da Gestapo e da Stasi. De outras polícias políticas também. É um triste ofício e, não raramente, tenebroso.
Podemos constatar que esta obsessão com ordens profissionais e sua subjugação ideológica tornou-se não só uma mania da deputada e dos que a acompanham, mas um verdadeiro programa político. O propósito é claro: usar os poderes de autoridade pública das Ordens para perseguir, difamar e confinar os profissionais desafectos, impondo a agenda ideológica isabélica e condicionando a própria liberdade técnica, científica e profissional. Em qualquer Ordem, este programa é um abuso. Nas Ordens relacionadas com a saúde, o programa é um perigo – um perigo para a saúde pública.
Já há algum tempo que Isabel Moreira emerge a capitanear profissionais e dirigentes alinhados, como o guru destes movimentos disciplinares – melhor, direi a gurua, para não ferir hipersensibilidades de género e acreditando que a palavra se diz tal como perú e perua.
Por exemplo, no fim do ano passado, Isabel Moreira ingeriu grosseiramente no período eleitoral na Ordem dos Psicólogos. Por essa época, escreveu no “Expresso” um artigo elucidativo, cujo título diz tudo do descoco extremista em que anda: «Pode um psicólogo violar a Constituição?» Na altura pareceu ter dirigentes da Ordem dos Psicólogos por conta. Agora, também em médicas, surgiram esbirros servis à instrução Facebook – todas as classes podem albergar bufaria, delação, velhacaria traiçoeira, gestos pidescos. É da natureza humana, capaz do melhor e do pior também.
Se eu fosse a um psicólogo ou a um médico e este me mandasse esperar porque tinha de ir ver a Constituição, ou tal cena se passasse com alguém da minha família, aí, sim, é que eu faria queixa à Ordem, por estar diante de alguém manifestamente inapto para atender doentes. Os profissionais de saúde devem agir unicamente de acordo com as regras da sua arte e ciência, dando o melhor das suas capacidades técnicas. Algum que tenha a Constituição como fonte é porque não bate bem – e precisa de ir descansar. Seria de fugir a sete pés desse consultório.
Porém, a pergunta já tem inteiro cabimento aplicado à própria: «Pode uma deputada violar a Constituição?» Pelos vistos, pode. Não deve, mas, se for Isabel Moreira, acha que pode.
A Constituição garante: «todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio» – excepto, diz Moreira, se for Gentil. A Constituição assegura: «o exercício destes direitos não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura» – mas a deputada anda a montar uma maquinaria que, por vagas consecutivas de intimidação, construa apertada teia de censura e auto-censura. A Constituição estipula: «ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual» – mas Isabel Moreira e companhia pretendem ver prejudicados e privados de direitos os que têm convicções políticas e ideológicas que lhes desagradam e privilegiados e beneficiados os prosélitos. A Constituição determina: «os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas» – mas Isabel Moreira entende que só se aplicam como, quando e onde quer; e ataca como se não se aplicasse na Ordem dos Médicos quanto a Gentil Martins. Este, por autoritário ditame isabélico, deixaria de ser um par para passar a ser um pária.
A constância e a força com que a deputada se aplica a este sórdido exercício recorrente fez-me pensar que a maquinaria que pôs de pé é servida por um poderoso tractor, importado da Coreia do Norte, para onde fora pela cooperação da defunta RDA: um clássico Kirovets de 1975, o tractor soviético K-701, máquina impressiva de 13 toneladas de envergadura e 300 cavalos de potência. Um mimo! Desgastado já para usos agrícolas, ainda dá bem para triturador de opinião, e os norte-coreanos apreciam ajudar nestes usos.
O quadro em que vivemos é tanto mais deplorável quanto a generalidade dos partidos consentem, quando não estimulam, estes desenvolvimentos persecutórios, em flagrante abuso das leis e do seu espírito, dos regulamentos e da autoridade pública. O problema não é só Isabel Moreira cultivar a manipulação do Direito como amarra carcerária, em vez de ferramenta e alavanca de liberdade. O problema é tudo isto rolar sem que ninguém com peso, com voz e obrigação de voz, reaja e ponha as coisas na ordem da liberdade.
Os partidos foram capturados antes das ordens profissionais, ou bem por esta agenda, ou apenas pelo politicamente correcto – e são, assim, pilotados pela tibieza, pela cobardia e pelo silêncio, quando não pela conivência e cumplicidade. Por isso, nesta hora, os protestos estão devolvidos unicamente à pura coragem individual e espontânea que se solte da cidadania e se levante da sociedade civil – isto é, a liberdade foi confinada ao território por excelência da liberdade, porque o Estado já não a garante, antes consente ser instrumentalizado para perseguir. É aqui que estamos.
Evelyn Beatrice Hall, biógrafa de Voltaire, escreveu uma frase célebre, que ficaria colada ao filósofo francês: «Discordo do que você diz, mas defenderei até à morte o seu direito de o dizer.» É uma bela frase clássica da liberdade de expressão, normalmente atribuída ao próprio Voltaire. Isabel Moreira e as duas médicas mancomunadas não conhecem a frase, nem a ideia; ou, se a conhecem, violam-na, tal qual a Constituição.
Percorrendo a literatura produzida por Isabel Moreira nestes exercícios persecutórios, constata-se a sua absoluta frieza policial e a implacável determinação do ódio que vocifera e com que pontapeia os seus alvos. Percebe-se que não vacila, nem recua diante do olhar de um homem ou de uma mulher, não hesita defronte da humanidade, não se impressiona com a condição humana, não se comoveria diante do choro de uma criança. Este caso de Gentil Martins mostra à sociedade e à saciedade que não respeita uma carreira, que não venera a idade, que não presta honra a um exemplo profissional, que não pára diante de cabelos brancos.
Podia dizer o que entendesse. Podia irritar-se e mandá-lo bugiar. Tinha o direito – e o dever – de discordar e contrapor assertivamente as suas convicções. Mas não pode perseguir. E, muito menos, pode montar a partir da Assembleia da República uma máquina de perseguição pública, orientada contra indivíduos e visando a subjugação ideológica de profissões.
Tem obrigação de ter respeito pela casa onde se senta e que aprecia ser conhecida como a Casa das Liberdades. A canção dizia: «Não há machado que corte a raiz ao pensamento.» Sim, não há Machado. Mas, perigosamente, há Isabel. E lá foi o poeta pelo cano.
No seu post enfurecido que tudo começou, Isabel Moreira escrevia «Chega!» É verdade. Basta! Páre com isto em nome da liberdade! Discuta. Responda. Contradiga. Mas não persiga. Conheça a fronteira da liberdade e não passe para o lado de lá.

Comentário:

Isabel Moreira é uma inquisidora. Se tivesse vivido no séc. XVI seria responsável por muitos mortos na fogueira. Se tivesse sido educada nos anos trinta, na Alemanha, seria uma eficiente agente da Gestapo. Se tivesse sido educada nos anos 50 na Alemanha de Leste, seria provavelmente uma das colaboradoras mais activas da STASI.
Quanto à PIDE, o seu pai dava-se bem com ela.
Porquê? Pela simples razão que esta Moreira por uma causa é capaz de tudo, mesmo denunciar ao poder do Estado quem pretende amarfanhar em virtude das suas ideias.
Conclusão: parece-me doida varrida.

A obscenidade do jornalismo televisivo