sábado, abril 30, 2022

Marcello Caetanto: uma reflexão sobre o poder, a liberdade e a democracia

 Em 1972, António Alçada Baptista, preparou um pequeno livro, publicado no ano seguinte, com algumas conversas que manteve com Marcello Caetano, a propósito de vários assuntos que então eram importantes para o país.

O livro começa com uma apresentação de Marcello Caetano e das circunstâncias em que as conversas decorreram.

Voltei a ler tal narrativa que apresenta uma imagem bem diferente da que é mostrada sempre que se fala do antigo regime, o do fassismo. 

Alçada Baptista termina esses primeiros três capítulos cogitando no "enigma indecifrado do português e do seu enigmático destino". 

É nestas passagens que Marcello Caetano diz o que pensa do exercício do poder político, do que significa a liberdade e que a democracia não é o que parece, na Europa. 

Apoiado no que Alçada Baptista também discorre, diz que nessa altura, em Portugal, havia mais liberdade do que em vários países europeus. E cita-os: Espanha, Grécia, Jugoslávia, Albânia, Bulgária, Hungria, Alemanha Oriental, Polónia, Roménia, Letónia, Estónia, Lituânia, União Soviética. Alguns destes países eram modelos de organização política e social por que aspiravam os que agora ainda chamam fascista a Marcello Caetano...

Vale a pena ler e por aqui fica registado porque tal livro é outros dos que não se encontram por aí. 






















sexta-feira, abril 29, 2022

As realidades de há 50 anos e os carteiristas que "trabalhavam na praça"

 Tentando encontrar um vislumbre da realidade de há 50 anos, com vista a mostrar o que é geralmente ocultado nas narrativas de esquerda acerca do nosso tempo de então, vou colocar mais recortes de jornais diários que contêm notícias de casos do dia e pequenos artigos sobre a vida dessa época em Portugal.

Na A Capital de 1 de Fevereiro de 1972, um certo Vítor Constâncio, da SEDES, tentava explicar o fenómeno da emigração para países europeus.


Este fenómeno percebia-se melhor com o artigo de Eugénio Rosa, outro esquerdista, no Diário de Lisboa de 10 de Julho de 1973. 
Os nossos salários eram muito inferiores aos europeus. No caso de Espanha eram cerca de metade. O que compensava era o índice do custo de vida. E hoje?
 

No mesmo número do D.L. um artigo de um certo Carlos Carvalhas mostrava que nem sequer tínhamos estatísticas. Nem fiáveis nem sem o serem...


E quanto a capitalismo até tínhamos Bolsa, mas era assim, à nossa dimensão, em 1973:

Apesar disso lá íamos cantando e rindo. Alguns, porém, sofriam como se dava notícia e se escrevia em modo realista.

Por exemplo, este artigo de António Alçada Baptista, na A Capital de 1 de Fevereiro de 1972.  Alçada Baptista chegou a entrevistar Marcello Caetano e publicou as conversas num livro que já foi por aqui mencionado e sê-lo-á novamente, em breve. Advogado, contava as suas experiências profissionais com um realismo que hoje seria difícil de encontrar, na franqueza e exposição da realidade vivida. 

Os pequenos casos que conta são resumos de alguns modos de vida, desse tempo e em certos meios. A advocacia de então não era bem a de certos escritórios de hoje, como os contratados pelo Estado e suas dependências,  para certas questões a custo inacreditável para o erário público.
Tal como a história do carteirista, contada por Alçada Baptista, também "trabalham na praça":

Na mesma edição e na página 5 dava-se conta dos julgamentos "no Plenário" de comunistas apanhados a prevaricar contras as leis existentes. Assim:


No Diário de Lisboa de 16 de Outubro de 1972 mostra-se uma explicação para o cartaz de João Abel Manta já aqui mostrado sobre o "nacional-cançonetismo" que nada mais era do que uma fronda dos escribas social-comunistas contra os artistas que não alinhavam com a "oposição" e preferiam cantar para ganhar a vida, sem compromissos políticos. Assim, os mais populares e artisticamente menos exigentes eram fustigados com o epíteto enquanto os demais que compunham e publicavam música de alguma qualidade eram simplesmente ignorados. A revistinha Mundo da Canção que se publicava no Porto e era um cóio de comunistas, era também o barómetro de tal movimento cultural.

O crítico de televisão, o comunista Mário Castrim que aproveitava as crónicas para se manifestar politicamente em tom encriptado para iludir a Censura, fustigava a RTP e o cantor Gabriel Cardoso por isto que revela a tendência para tomar conta do Portugal cultural, como até hoje acontece:


Na última página dava-se notícia do funeral de Ribeiro dos Santos, o estudante do então MRPP, morto por um agente da PSP [ da DGS, fica corrigido o lapso].

A notícia foi objecto de censura, pela certa, mas dá-se conta do essencial:



quinta-feira, abril 28, 2022

A história de Portugal contada pelo comunismo

 Vem na edição de Março Abril do O Militante. É a história do fassismo e da sua doutrina execranda que escravizou o povo português durante 48 anos, marcando o país, para sempre, até hoje. Portugal esteve "refém do fascismo", praticamente desde que Salazar tomou conta dos destinos governativos e durou até 25 de Abril de 1974. Hoje continua a fazer-se sentir na "reconstituição dos monopólios" e no controlo do Estado, "na submissão ao capitalismo e cassação dos direitos democráticos". E há a perspectiva sombria de "recidivas fascistas" no horizonte, de que o Chega é ponta de lança. Até as "redes" militam contra os bravos comunistas que nunca deixaram de lutar por uma política alternativa, patrótica e de esquerda, por uma democracia avançada com os valores de Abril no futuro de Portugal, pelo socialismo"

Estes autênticos fósseis respiram assim nas catacumbas onde se encerraram. Passam as décadas e continuam tolhidos por este ideário de 1935, do tempo do internacionalismo dos proletários todos unidos.

Não há vento da história que os varra nem som de fúria que os acorde. Continuam exactamente como eram há mais de oitenta anos! 







Esta história de Portugal é muito popular entre a esquerda que aceita estas aberrações como normais e correntes, democráticas e coerentes com o ideário que já foi o seu e de que padecem de secreta nostalgia. 

Daí que ao contrário dos países europeus estas ideias continuem a medrar por cá como se fossem a fonte história primordial e viva do nosso passado recente. 

É exactamente por causa disso que vemos ouvimos e lemos todos os dias odes à democracia por oposição ao fassismo negro e sinistro que capava liberdades como só os comunistas sabem dar. 

É exactamente por isso que vemos ouvimos e lemos historiadores assumidos, da estirpe de uns pachecos pereiras rosas e flunsers a perorar sobre os males do fassismo tal como contado pelos comunistas. E toda a gente engole o sapo fedorento e viscoso, como se fosse remédio contra o mal da "extrema-direita". 

Uma das últimas que li por aí tem a ver com a censura que o fassismo fazia nos jornais a casos de suicídio. Pura e simplesmente não havia notícias de suicidas e isso era obra da censura. Se não fosse seria como hoje, um cardápio de casos do dia em que os suicídios são apresentados como coisa banal de quem pôe termo a uma vida. É ver o interesse noticioso, escolhido pelas redacções ensinadas nas madrassas de agora, em mostrar que este ou aquela se matou, ao contrário do antigamente em que se escondia do conhecimento público tais práticas, hoje apresentadas como modelos jornalísticos e para dar a conhecer a todos. 

Enfim, para mostrar que era assim, ficam aqui recortes de jornais diários, na maioria dos casos do Norte do país, da década de 60, 70 e 80. 

Servem para mostrar algo que é cilindrado e completamente adulterado no modo como se conta a história à moda daqueles seguidores do marxismo histórico. 

Qualquer pessoa que se dê ao cuidado de ler estes "casos do dia" percebe instantaneamente que a linguagem era outra, os costumes eram outros e o entendimento das realidades da vida corrente eram comuns a quem escrevia e lia jornais, ao contrário de hoje que se estabelece uma barreira intransponível entre jornalistas e leitores, tidos como criaturas cujo entendimento da realidade deve passar pelo crivo da ideologia escrita em subtexto ou em texto nenhum, a não ser de fantasia.  

Quem escreve hoje nos jornais e media em geral conta a realidade não como ela se lhe apresenta mas como a mesma deve ser apresentada ao leitor. E à força de tanto forçar essa narrativa da realidade acaba por criar uma outra, paralela, com uma linguagem alternativa e conceitos operativos que acabam por ter significado remoto para quem os alcança mas que acabam também por ter eco em quem tem funções de governo e de feitura de leis.

Um dos nossos problemas mais graves, actualmente, é a distância entre uma realidade vivida por todos e a tradução verbal da mesma, em frases e conceitos distantes dos que eram perfeitamente perceptíveis nestas notícias, para quem souber ler. Apesar da Censura...

Jornal de Notícias, de 14 de Outubro de 1961. 

Notícias sobre "uma ratoeira perigosa", uma rapariga acometida de dores de parto e prostrada na via pública, um agressão à tamancada praticada por duas "Gabrielas" na pessoa da esposa de um queixoso que foi à polícia por isso e por lhe terem rasgado as calças. E uma notícia sobre alguém que foi parar à cadeia por causa do jogo do "copinho", apanhado que foi em flagrante delito. etc. , incluindo a história de um puto pequeno que apanhou uma enguia do tamanho dos seus oito anos, a pescar à cana. Mostrem-me actualmente o exemplo de um único rapazinho com tal idade a pescar à cana..


Diário de Notícias de 6 de Agosto de 1966 ( dia da inauguração da ponte Salazar). 

Os casos do dia aparecem junto à "necrologia" com referência a vários acidentes de viação mortais alguns envolvendo crianças e não mortais, como o de uma camioneta que "descaiu dos calços" e a história, na necrologia de um artista popular de que nunca mais se ouvir falar: 


Diário de Notícias de 11 de Setembro de 1966: vale a pena ler a história de um "grande artista que desapareceu em silêncio", dando atenção à linguagem escrita e ao que se escreve sobre o mesmo. Ou então os comentários sobre o que em França começou a ser norma: o registo na carta de condução das infracções ao código, praticadas pelos seus titulares...com vista a mostrar um verdadeiro registo ambulante de infracções e permitir julgamentos mais adequados à personalidade do mesmo. Por cá seria fasssismo se tal existisse!


Comércio do Porto, 28 de Setembro de 1968:

Noticia-se o caso de uma "rapariga que abandona lar", ou seja uma jovem casada e que "desapareceu de casa da mãe", tendo sido pedida a sua captura às autoridades. É todo um programa sociológico o que se esconde por trás desta notícia e que todos provavelmente entenderiam na época, de um modo ou outro. Não era preciso pôr muito mais na carta escrita. 

Tal como é significativa a notícia sobre o "lavrador-caseiro" que furtou quatro eucaliptos de uma bouça, "violando a propriedade", para fazer escadas de vindima. Estávamos no tempo delas...

Além disso era pedida a expressa comparência de um indivíduo identificado para "tratar de assuntos de interesse para si", na secção administrativa da PSP, neste caso de Braga. Outra notícia cujo conteúdo dava um escrito sociológico interessante e capaz de desafiar a história da realidade de então tal como contada pelos jornalistas de agora. 

Ao lado aparece o anúncio para subscrição de obrigações da CUF que renderiam uns prometidos juros de rendimento líquido de 5,5% ao ano e amortizáveis em cinco anos. Era este o capitalismo de monopólios que o partido comunista e o socialista queriam substituir pelo que vieram a fazer em 1975. Com os resultados que se viram. 

Na mesma edição de tal jornal, na secção de Lisboa, aparecem vários casos do dia. Um deles refere-se obviamente a um suicídio, contado de modo inequívoco mas com o pudor próprio do tempo. "Morto por asfixia", foi encontrado um indivíduo em Moscavide e "parece que deu motivo à morte terem roubado um fogão à vítima"

E que tal para os pachecos pereiras se entreterem com esta notícia?! E perceberem de uma vez por todas que o que escrevem não tem ponta por onde se lhe pegue para perceberem a realidade de então para além do que vêem com os antolhos que usam em permanência? O que é que a Censura tem a ver com esta elegância de explicar claramente um suicídio por motivos que dariam um romance?

Diário de Notícias, 3 de Fevereiro de 1969: vale a pena ler a história do homem que desapareceu do tabuleiro exterior da ponte D. Luís...


Comércio do Porto 29 Julho de 1970:

Um acidente de viação envolvendo crianças ( eram muitos os que assim aconteciam, nessa época) serve para uma frase que hoje seria improvável em qualquer notícia, mas não deixa de ser verdadeira: "amor de mãe" que se sacrifica pelos filhos.

Também merece destaque o julgamento de um homicida que assassinou à facada em Maio e foi julgado em Julho, tendo sido condenado em pena de prisão de 4 anos e sete meses, por se ter provado ter agido em estado de grande "exaltação" e pelo facto de ter morto o indivíduo que "estabelecera relações com a mulher do réu". Delegado do MºPº? O dr. Borges de Pinho, ilustre magistrado do MºPº, ainda vivo, e que foi durante anos inspector da corporação. 


O Comércio do Porto de 30 de Julho de 1970:

Destaque para o menor que desapareceu da casa dos pais e que se presume tenha seguido na companhia de um indivíduo conhecido como "marinheiro", transportando-se na bicicleta a pedal do primeiro.


O jornal de 28 de Julho de 1970 tinha esta capa e como se pode observar a foto de um cadáver, o que hoje seria impossível de ver. Muito menos a de um chefe de Estado. Quem sabe interpretar este sinal? Quem consegue concatenar tal interpretação com o sentido das outras notícias que aqui coloquei agora e retratam um tempo que não se compadece com historietas de fassismo e merdas semelhantes que nos são contadas pelos pachecos pereiras que ainda por cima viveram este tempo?!


Jornal de Notícias 28 de Julho de 1970:

O estranho caso de um assalto a uma capoeira para furtarem uma perua e quatro galinhas mereceu prosa de algumas linhas e ao lado das notícias sobre os acidentes na estrada e o caso de um "desordeiro" em Matosinhos, reincidente e que bêbado agrediu um polícia que o queria ajudar a ir para casa. Preso na hora foi julgado e condenado pelo juiz Atáz Godinho na pena de quatro meses de prisão efectiva. 

Um miúdo de cinco anos, quando apanhava ameixas ( em Julho, claro, que boas eram!) caiu da árvores sofrendo traumatismo craniano.


E o caso da "bicicleta de senhora abandonada", na edição do Primeiro de Janeiro de 28 de Julho de 1970?  Só tem paralelo na notícia sobre o aumento do número de candeeiros sem luz...ou do tremendo choque de motorizada com um cão que feriu o condutor da mesma, fracturando-lhe a tíbia.


O Comércio do Porto 26 de Maio de 1972:

As notícias sobre acidentes de estrada, de "perigo na estrada" eram constantes, tais como as que envolviam acidentes com crianças, muito frequentes.

Há a notícia de agressão de duas senhoras por "familiares". Num caso o marido que partiu o braço a uma; no outro uma agressão praticada por um irmão. Tudo no mesmo enquadramento noticioso em que avultava a circunstância de os agressores serem familiares das vítimas. Como seria hoje? 


E em 18 de Fevereiro de 1986, no Jornal de Notícias, ainda se noticiava que tinha aparecido uma quantia em dinheiro que se entregaria a quem provasse pertencer-lhe.


E a necrologia, na mesma edição ocupava uma página, com fotos...



Quem quiser escrever a História contemporânea e recente, de há umas décadas a esta parte, tem que saber interpretar estes sinais, antes de escrever baboseiras, sobre o fassismo, a censura e o diabo a sete. 
Porque são estas pequenas coisas que ajudam a perceber o povo que somos e sempre fomos, apesar das claras de sousa e quejandos pés de microfone televisivo que disto sabem zero. Nem querem saber.

terça-feira, abril 26, 2022

A política dos magistrados

 O magistrado António Cluny, colocado num lugar de luxo profissional- Eurojust- por incumbência de políticos, defende num artigo publicado no INevitável, a classe dos magistrados que querem ser políticos e regressar à profissão que obriga a uma isenção política. 

Que argumentos aplica à sua opinião? Poucos e fracos, a meu ver. O primeiro é o usual estigma esquerdista- Cluny foi social-comunista e provavelmente continua a sê-lo- sobre o antigo regime em que os magistrados são tomados como corrompidos pelo sistema político. Sem qualquer pejo ou fundamentação séria afirma  as "relações promíscuas então existentes entre a política e a justiça". Ninguém o irá contrariar porque já se tornou lugar-comum tal género de afirmação e se houver alguém será imediatamente reduzido a uma insignificância reaccionária, com a bordoada dos "plenários".  Enfim.

Ao contrário da magistratura de então, a advocacia da época justifica-lhe vastos encómios a propósito da bravura com que se debateu contra a temível "ditadura" que perseguia os que pretendiam instaurar em Portugal um regime comunista. Ainda no outro dia mencionei aqui o caso do poster de João Abel Manta que em 1973 foi alvo de processo crime e que os magistrados dos tribunais entenderam dever ser objecto de absolvição, contra o regime que insistia numa condenação. Enfim outra vez.

Depois disso até reconhece que haverá alguns casos em que se justificarão as preocupações manifestadas publica e recentemente ( pelo presidente do STJ, por exemplo) a propósito dos inconvenientes de magistrados tomarem assento ministerial e depois regressarem aos tribunais. No entanto, as razões que assim o aconselham, designadamente a promiscuidade com políticos manifestamente corruptos, não colhem suficientes obstáculos para se decidir em comungar de tal opinião e apresenta o argumento respectivo: afinal houve três ministros que foram magistrados e não se notou qualquer pecha do género na respectiva prestação. Três exemplos: Pedro Macedo, Menéres Pimentel e Laborinho Lúcio! E o argumento arrasador: tem havido mais magistrados cobertos de tal vergonha e que nunca se dedicaram à promiscuidade política. Não apresenta exemplos, mas alguns são conhecidos e o primeiro deles é Rui Rangel. É um exemplo bom? Nem por isso e nem é preciso explicar porquê, bastando dizer que foi autor de acórdão salvífico para José Sócrates. 

Por outro lado, aqueles magistrados que foram políticos e regressaram à magistratura quando é que exerceram tais funções? Pois foram todos num tempo em que os problemas da promiscuidade nem se colocavam na praça pública ou privada e muito menos mediaticamente.  

Passou a existir depois. Como e quando? Já por aqui tentei dar uma resposta concisa mas precisa: algures no final dos anos  noventa. Por onde andava então Cluny? Nas lides sindicais e depois esteve no tribunal de Contas, onde um presidente cessante, pai de uma ministra posterior e que usava sapatos de ténis, branquinhos,  ao visitar área de incêndios, disse que o MºPº foi muito pouco proficiente na função, para dizer o menos. 

E principalmente aqui tentei mostrar, provavelmente num exercício de "loucura inimaginável" o que determinou todos os receios agora existentes e as precauções e avisos enunciados pelo actual pSTJ: o sistema judicial modificou-se, a partir da alteração da composição dos conselhos superiores, com participação maioritária ( CSM) ou de influência maioritária ( CSMP) de políticos nomeados por partidos e cliques partidárias de topo, numa propalada e equívoca manifestação de legitimação  democrática. 

Há um exemplo de escola neste assunto e que congrega só por si o problema todo e a exposição de todas as preocupações veiculadas no discurso do pSTJ: o caso particular de um antigo director-geral, tornado magistrado vindo da escola do funcionalismo judiciário e que chegou ao STJ "with a bullit", como dizia Frank Zappa. 

Ei-lo no seu esplendor! Cluny o que diz disto?! E disto? E ainda disto?

Estamos muito, muito longe do tempo de Pedro Macedo e até de Laborinho Lúcio, para não falar do pobre Menéres Pimentel, um santo que nem vislumbrava este tipo de coisas nos seus monólogos indecifráveis sobre as regras das sociedades comerciais...

O problema exposto pelo pSTJ e ao qual Cluny parece alheio é algo sério e agudizou-se há uns bons dez anos, depois disto. O poder político de então imiscuiu-se nos poderes da magistratura, tentou condicioná-los e fustigou quem de algum modo exerceu o seu papel de magistrado com a dignidade que outros não conseguem ter. Sim, estou a falar de Carlos Alexandre, de quem nunca ouvi ou li Cluny defender publicamente. 

Nem sequer ouvi ou li Cluny manifestar-se por causa disto que é bem o exemplo do que o pSTJ quer prevenir e evitar. E já foi há três anos:


Cluny sabe disto? Claro que sabe. Tal como sabe quem são estes dois magistrados, a que partidos de bloco centralizado pertencem e que figuras fizeram no governo, a ajudar os socialistas no poder. 

Quando regressam aos tribunais vão esquecer tudo isso, assumir a isenção que nunca conseguiram ter na função política e mostrar publicamente que voltaram a ser magistrados de corpo inteiro? Enfim pela terceira vez.

Depois, como argumento para convencer acerca da bondade da sua opinião alvitra que os magistrados não são anjos ( "têm sexo"! escreve...) e que portanto "têm experiências pessoais e convicções próprias, que, inclusive, alguns deixam transparecer, a propósito ou a despropósito, nas peças processuais que subscrevem." 

Ora tal admissão de ausência de neutralidade e de inerente parcialidade ideológica e política poderia, segundo o mesmo,  resolver-se com a assunção de pertença publicamente reconhecida e preferível à ocultação e a solução encontrada por Cluny reside no associativismo judiciário. 

Ora, eu a pensar que os sindicatos da função serviam para defender os associados da "entidade patronal" e afinal vejo que me enganei e servirão também para exprimirem  "pontos de vista diferentes sobre os problemas da justiça, refletindo, assim, de algum modo, as perspetivas políticas que coexistem nas suas sociedades."

Ou seja, para Cluny poder dizer publicamente que é contra o fassismo do antigo regime ditatorial e que perfilha antes as concepções social-comunistas que sempre teve, afinal, fustigando por escrito quem se lhes oponha, relegado-os para a catalogação de reaccionário ou pior que isso. 

Ora é exactamente por isso que os magistrados não devem imiscuir-se na função política, parecendo-me muito fracos e até reversíveis os argumentos de Cluny. Nem deve apoiar publicamente candidatos presidenciais ou afins, mostrando claramente de que lado político se coloca. 

Um magistrado comunista ou socialista ou social-democrata ou liberal, esquerdista ou extremista, convocado para exercer funções políticas, por se mostrar como tal,  vai ajudar o governo que o recrutou e os políticos que lhe telefonaram e com quem se reúne a debater problemas políticos que passam necessariamente por um exercício que pouco ou nada tem de isento, imparcial e neutro. Um magistrado viciado nesse exercício apelativo e até recompensador a vários títulos com prebendas e reconhecimentos vários, perde a inocência se é que alguma vez a teve. E ao regressar ao múnus inicial, se alguma vez lhe surgirem problemas que contendam com o referido exercício político não deixará de "tomar partido", naturalmente. 

É isso que pode acontecer em todo o qualquer processo actualmente em curso que envolve políticos e o sistema político nacional, como acontece com os casos BES/GES, Marquês, etc. 

Cluny não vê esta evidência?!  De que vale dizer que mais vale sabermos quais as preferências partidárias dos magistrados do que ignorá-las, como usa no seu argumento derradeiro? 

Um magistrado que exerceu politicamente em funções governativas ou outras, convidado pelo poder político circunstancial, não deveria regressar aos tribunais por esse motivo simples, de senso comum e fácil de entender por qualquer cidadão. 

Pretender o contrário e argumentar como Cluny o faz parece-me estultícia desnecessária. 

Aliás, Cluny está no lugar que está porque foi escolhido por um poder político, após sugestão da direcção da magistratura em que se insere, em Julho de 2014, no tempo de Passos Coelho. E o seu processo de escolha, polémico, com recuos e avanços,  releva exactamente dos problemas expostos, parece-me... 

Daí que nem sequer o seu exemplo pessoa possa ser aproveitado para defender o que defende. 

Razão tem por isso Henrique Araújo que aliás me parece um Magistrado, sem apêndices de política espúria ou amizades promíscuas. Como há muitos por aí...infelizmente.

Quem melhor que Cluny explicou o problema e o verdadeiro motivo de preocupação foi um jornalista já há uns tempos e foi mencionado aqui.

Fê-lo assim e só não sei se Cluny assenta neste retrato, esperando que não:

"Do lado da Justiça, alguns dos seus mais importantes titulares olham para a política como pares de uma mesma história de manutenção de privilégios que se concretizam numa maquinaria de favores onde impera a lógica clientelar de portas giratórias, que se remunera em empregos, avenças, pequenos, médios e grandes favores. A justiça não é imune aos pequenos círculos de amizades que se vão fazendo nas comissões de serviço por nomeação política, nas colocações eternas em ministérios, no que fica das velhas solidariedades que vêm dos tempos da faculdade e sempre alimentadas pelas confraternizações anuais dos respectivos cursos."

O artigo todo de 6.9.2020:


E o pSTJ insiste na ideia...hoje, quinta-feira, tal como se conta aqui:




Hnerique Araújo arranjou muitos inimigos, na classe, com estas declarações. Alguns estão mesmo o STJ...