Sábado de ontem. A crónica de Pacheco Pereira sobre as cheias de 1967 apontam no sentido do costume: os estudantes universitários, filhos de família, católicos de tradição aliados a extremistas da esquerda, acabados de descobrir a Revolução apesar da Censura, foram ajudar os desalojados das cheias e descobriram o Portugal paupérrimo que não conheciam antes: "aquele País de mortos por contar, aquele País de vivos miseráveis, aquele país que deliberadamente se tentou esconder por todos os meios"...
O articulista disse "eu vi". Viu o quê, afinal?
Há no mesmo número da revista quem tenha visto outra coisa e morava perto do sítio das cheias. Nuno Rogeiro sobre as mesmas cheias de 1967:
Nuno Rogeiro é filho de Clemente Rogeiro que foi ministro de Marcelle Caetano.
Pacheco Pereira é filho de alguém da classe média do Porto.
O percurso pessoal, político e intelectual de ambos não difere no essencial: fazem parte da elite nacional dos educados no regime anterior com estudos universitários.
Sobre as cheias de 1967 têm visões diametralmente opostas. Quando Pacheco diz "eu vi", será retórica. Viu a partir do Porto. Quando Rogeiro escreve sobre o que viu percebe-se que viu mesmo o que descreve.
A quem se deve comprar um carro em segunda mão? Ao primeiro ou ao segundo?
A pergunta é apenas retórica porque Pacheco não é de confiança no que relata.