sexta-feira, novembro 24, 2017

Os pontos do i: 700 mortos em vez de 500...

O jornal i deste fim de semana "trata" o caso das cheias de 1967 de um modo alargado e ilustrado a condizer.
Desta vez foram, aparentemente, mas nunca se sabe,  consultar as revistas da época, não dizendo de onde tiraram as fotos, sendo suspeito que as imagens de capa da Flama e Século Ilustrado não tenham os carimbos das bibliotecas públicas, mas enfim...

Os textos são escolhidos e redigidos por  jornalistas como um fantástico António Ribeiro Ferreira que logo nos primeiros parágrafos vitupera o antigo regime como o responsável pela catástrofe: "o regime falhou antes e falhou depois. Restavam-lhe a censura e a repressão."  Nem era preciso escrever mais nada, depois destas aleivosias intencionalmente expelidas no escrito.
Portanto, o que se depreende é que havendo censura prévia, os jornais foram publicando nos primeiros dias notícias e fotos sobre a tragédia e até publicaram  imagens de urnas e pessoas a chorar, para além de números de mortos, aproximados da realidade comprovável mas impossível de contabilizar com rigor que agora se exige retroactivamente, sob pena de tal significar o falhanço do regime.
O que não se compreende muito bem, segundo esta lógica é o facto de as revistas mostradas terem sido publicadas alguns dia depois da catástrofe ( no caso do Século Ilustrado em 5.12.1967) e portanto com tempo mais que suficiente para a Censura censurar e...não censurou. Azar destes flibusteiros da versão conveniente ao regime que corre e que mesmo assim não desistem da apresentação das contradições, mesmo evidentes e escarrapachadas. Tomam os demais por esterco intelectual? É o que parece, a não ser que afinal o sejam eles próprios e portanto, similis cum similibus.. 
Como se sabe, este efeito deletério da Censura da época, o de proibir manifestações de miséria física ou moral é coisa do passado e hoje, os jornais, mesmo o Correio da Manhã e outros publicam livremente qualquer imagem de urnas em cemitérios, cadáveres a boiar nas águas ou de queimados vivos, sem qualquer censura interna de quem manda nos jornais.
É por isso politicamente correcto vituperar o antigo regime que tal não permitia e agora é possível ver livremente.
As imagens e textos da época dizem precisamente o contrário? Não importa porque a ideia básica há muito que está assente: o antigo regime tinha um sistema repressor e censório que o caracterizava como fascista e portanto fica tudo dito com tal palavra. E quem disser o contrário é...fascista ou pior ainda.

A isenção ou objectividade deste tipo de jornalistas, neste caso muito bem tratado pela esquerda, está próxima do zero neste escrito, tal como a de outros que embarcam neste raciocínio simplista, decorado nas madrassas do politicamente correcto e assumido por uma esquerda vicejante que não perde oportunidade de malhar na "direita" e na sua melhor expressão, o salazarismo de antanho.

As contradições não os incomodam, as subtilezas nunca foram o prato do dia e a objectividade estudiosa de uma época e um regime não lhes interessa para nada. A História neste caso está feita, pelos Rosas&Flunser, para citar os mais pindéricos com mania de catedráticos. Podia citar-se o Pacheco, outro Pereira sem eira nem beira, que já foi tudo politicamente e agora é apenas outro zero em comportamento político, regressado à casa de origem porque não atingiu a glória.

As imagens do i que contêm nelas mesmo a demonstração da contradição dos escritos:





A cereja no topo deste bolo de lama sobre o regime de Salazar é esta pequena entrevista a Joaquim Letria, um figurão do jornalismo nacional que está vivo para contar como contou os mortos, na altura da tragédia, mas afinal acaba por não contar e apenas dá um número redondo: 700 mortos.  O regime teria contado algo que nem chegaria aos 500, embora andasse lá perto, mas este jornalista juntamente com mais outros - Pedro Alvim, Afonso Praça, Manuel Beça Múrias e Fernando Assis Pacheco- desconfiaram e deram em gatos-pingados.
Na época  eram jornalistas do Diário de Lisboa, esse bastião da  luta contra o fascismo de Salazar e Caetano, pela mente ideologicamente avisada do seu director, Ruella Ramos. O regime feroz e fascista deixou que os mesmos deambulassem por onde bem queriam, mormente morgues e necrotérios ou lugares similares e contaram, contaram, fartaram-se de contar e chegaram ao número mágico que o regime queria à viva força esconder, porque já admitira quase 500 mortos.
 Esta questão dos números certos, para estas vivalmas é um dado certo e inquestionável do carácter vicioso do regime que queria esconder a dimensão da tragédia. 500 mortos, vá que não vá...agora 700?  Quem é que eles queriam enganar? Os bravos jornalistas armados em gatos-pingados não, com certeza.
E por isso contaram a história e reconta-se agora com um dos protagonistas que os demais já foram fazer companhia àqueles que contaram e devem agora saber a verdade acerca das contas certas.

Portanto, pá, não foram 500. Foram 700, percebem a diferença da tragédia que o regime tentou esconder e até censurou imagens de crianças em urnas e de cadáveres em rigidez post-mortem cobertos de lama? É clara não é?
Um regime destes era uma coisa medonha, não era? Devemos esquecer tal regime fascista e tremendo para a liberdade do povo? Nem pensar! Liberdade, sempre. Fascismo nunca mais!





Este mesmo antifassista que fora comunista e depois passou a apoiar o "grupo dos nove" na altura do 25 de Novembro, mas de 1975, era nessa altura director de um O Jornal.
O qual, na efeméride dos dez anos passados sobre a tragédia nem uma linha publicou acerca da mesma...


Preferiu outros assuntos, designadamente o da tragédia da Madeira, sobre um avião da TAP nacionalizada pelos amigos do antifassista, comunistas e socialistas que se despenhou, "por erro humano" uma vez que o piloto era inexperiente e nunca tinha voado naquele local. talvez por isso se deu a tragédia que neste caso nada teve a ver com o regime que nacionalizou a empresa, abandalhou o seu funcionamento e, enfim, as causas devem ter sido bem apuradas no inquérito intenso.
Aposto que amanhã, já que não o fez até agora, algum jornal de referência vai referir a tragédia, as suas causas e a responsabilidade do regime...democrático e que nacionalizou a TAP deixando-a, na altura desta tragédia,  à gerência de uma comissão de trabalhadores que entre outras coisas obrigou o então arcebispo de Braga a baixar as calças no aeroporto para mostrar as divisas escondidas...

Já agora anote-se que a imagem inserta no recorte é de uma criança morta. Hoje seria possível, com esta liberdade de publicação que não se compara com a do antigo regime? Não faz soar nenhuma campainha na mente capta desta gente que agora escreve aleivosias?


Por outro lado, no mesmo número um crítico de cinema dava-nos a sua noção sobre fascismo: o über fascismo de que falava Eco. Salazar e o regime eram assim?




O Observador de agora, pelas teclas de uma jornalista que terá aprendido a profissão nas madrassas, também escreve assim:

 Mais de 20 mil casas ficaram destruídas. Em alguns locais do distrito de Lisboa, a água chegou a concentrar-se num volume de 170 litros por metro quadrado. Apenas um grupo de pessoas não se calou perante o lápis azul de Salazar: os estudantes. Jorge Simões e José Brazão estavam com Zeca Afonso numa viagem entre Coimbra e Lisboa quando souberam do que estava a acontecer através da rádio. Os dois juntaram-se a António Alves Redol, que já não estudava mas continuava ligado à associação de estudantes, no Instituto Superior Técnico para engendrarem um plano para ajudar a população: à Rádio Renascença, Danilo Matos, um dos estudantes que participou na iniciativa, disse que “a causa de tanta desgraça não foi a chuva, foi a miséria. “Foram postas a nu as condições sociais em que muitas pessoas viviam nesta cidade, mas também a inoperância do governo”: “O governo atrasou-se, paralisou, só conseguiu mandar para o terreno o Movimento Nacional Feminino, que só ia atrapalhar, e a GNR, que era uma polícia preparada para reprimir e não para salvar gente. Essa inoperância gerou uma enorme revolta na população”. Aos estudantes ninguém calou: o jornal “Solidariedade Estudantil”, que surgiu depois das inundações, era o único que fugia à censura. Vendia 10 mil exemplares por número.
As cheias foram de tal modo catastróficas que também mereceram a atenção internacional: o fotógrafo inglês Terence Spencer, vencedor de um World Press Photo em 1968, veio a Portugal para fotografar sem filtros ditatoriais os cadáveres, a lama e os escombros pelas ruas lisboetas. Terence Spencer vendeu as fotografias à revista LIFE e a notícia sobre as cheias de 1967 foram publicadas a 8 de dezembro. O artigo não tinha mais do que um parágrafo e, embora sublinhasse a falta de ordenamento urbanístico em Lisboa, ficou-se pelo número oficial de mortos, muito inferior ao real, que só foi desvendado depois do 25 de Abril.


Ora o trabalho desta jornalista formada em madrassa, eventualmente estagiária, Marta Leite Ferreira no que se refere ao mote principal-malhar no regime de Salazar/Caetano está feito. O restante poderia ter feito bem melhor.

As fotos da Life são uma e só  uma publicada na edição de 8.12.1967 da revista e pode ser vista aqui.

Quanto ao "número oficial de mortos, muito inferior ao real" a revista ficou-se pelos 427 mas acrescentou que  na altura da contagem "more people were still missing".

Esta realidade que explica a contagem de mais mortos posteriormente é perfeitamente natural: havia muitas pessoas desaparecidas e não sei como aqueles jornalistas feitos gatos-pingados atingiram o número de 700 quando as contas posteriores não ultrapassariam os 500, facto reconhecido por outro feito gato-pingado que foi ver às conservatórias os certificados de óbito a anotou o número.

Que quer isto dizer afinal? Que os mortos de Pedrógão, mesmo mal contados, são poucos comparados com estes?

Estou em crer que sim, que é esse  o objectivo. Um jornalismo de madrassa dá no que dá...

Não obstante, a contagem dos mortos de há 50 anos seria sempre mais difícil do que hoje, não?!




Então por que no te callas?


ADITAMENTO:

Estive a ver o programa que a RTP1 apresentou sobre a efeméride. Um programa com objectividade qb, imagens ilustrativas e no final a ponta efectiva do discurso repetido ad nauseam sobre o Estado Novo e a Censura que não deixou publicar o que os jornalistas queriam: mortos às centenas e imagens horríveis.
Os jornalistas encarregados de dar fogo à peça convidaram uma testemunho de peso muito pequeno: Alice Vieira, a então futura namorada de Mário Castrim que no Diário de Lisboa tentava dar forma à propaganda comunista contra o regime e tal ensinou à futura namorada, dali a dois ou três anos.  Alice Vieira repetiu o mantra: a censura não deixou publicar nada e o regime procurou esconder a catástrofe.Se fosse o comunismo que então defendiam, a mandar,  em primeiro lugar não teria havido catástrofe e se houvesse toda a gente saberia logo o que se passara. Como em Chernobyl e outras catástrofes mais graves e que toda a gente soube logo, logo...

Enfim, jornalistas muito bem educados no politicamente correcto, estes da RTP1. Se o não fossem não estavam lá. Nem se dão conta que as imagens que mostraram das várias páginas dos jornais, desmentem objectivamente o que afirmaram momentos antes.

Quem redige estas notícias, desde modo?

Na SIC do dono da Impresa, o  jornaleiro do telejornal entrevistou Joaquim Letria. Mote: a censura e o regime, esses malvados que não deixaram publicar nada.  Letria, esse, como se mostra acima, nos dez anos da ocorrência nem se lembrou de uma linha, uma só que fosse, sobre a catástrofe. Porém, agora mostra-se muito emocionado com o assunto.

Hipócritas.

Questuber! Mais um escândalo!