domingo, novembro 05, 2017

Amparem estes novos pobres professores

Observador:

O Acórdão da Relação do Porto sobre o adultério e violência doméstica, tão publicitado na imprensa nacional e internacional, é um exemplo claríssimo da necessidade de introduzir um recurso de amparo constitucional na ordem jurídica portuguesa. Parece-me que é altura de revisitar a questão das competências do nosso Tribunal Constitucional, aperfeiçoando a nossa justiça e evitando vazios de proteção constitucional.
O recurso de amparo constitucional é um mecanismo permite a um particular sindicar a violação dos seus direitos e liberdades fundamentais. Funciona, então, como a última instância (última oportunidade) de proteção de direitos fundamentais perante o Tribunal Constitucional, na hipótese de estes não terem sido suficientemente protegidos pela justiça ordinária (justiça levada a cado por todos os tribunais).
Qual é a resposta que o ordenamento português oferece perante violações de direitos fundamentais praticadas por uma decisão judicial?
Uma solução é o recurso a um tribunal superior. Tendo a revisão da legislação processual penal de 2007 limitado excessivamente o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça em matéria penal, esta hipótese não será viável para o caso recentemente decidido pelo Tribunal da Relação do Porto. Existirá sempre a possibilidade de recurso para o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (artigo 34.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem), no entanto, a requerente teria de invocar a violação de direitos consagrados na Convenção e de se sujeitar, goste-se ou não, à limitada força executiva da jurisprudência do Tribunal Europeu.
Ora, estando em causa direitos fundamentais, poder-se-ia pensar que o Tribunal Constitucional seria um candidato natural a avaliar esta questão. Não é esta, porém, a realidade portuguesa. É a própria Constituição que limita o objeto dos processos perante o Tribunal Constitucional ao controlo de normas. Os atos normativos, vulgo normas, são atos jurídico-públicos gerais e abstratos, tais como as leis da Assembleia da República ou os decretos-leis do Governo. “Gerais” significa que se aplicam à generalidade das pessoas e “abstratos” indica que não são pensados para um caso concreto. Pelo contrário, as decisões judiciais são atos jurídico-públicos não normativos, isto é, são individuais e concretos. De facto, as decisões tomadas por um juiz ou por um coletivo de juízes aplicam-se apenas às partes no processo e àquela específica situação trazida a tribunal.
Quanto a este aspeto, não deixa de ser curioso notar a total disparidade entre a consagração do princípio da constitucionalidade (artigo 3.º, n.º 3 da Constituição) – que dispõe que a validade de todos os atos jurídico-públicos (normativos ou não normativos) depende da sua conformidade com a Constituição – e o modelo de fiscalização da constitucionalidade adotado, que é meramente normativo, ou seja, só controla atos gerais e abstratos. De fora ficam os atos não normativos e, por consequência, as decisões judiciais.
Foram várias as propostas de inserção de um mecanismo inspirado no “amparo constitucional” espanhol ou na “queixa constitucional” (Verfassungsbeschwerde) alemã.
A introdução de um recurso de amparo constitucional implicaria uma alteração à Constituição, porquanto teria de compatibilizar-se com algumas peculiaridades da nossa fiscalização concreta da constitucionalidade (fiscalização que ocorre na sequência de um processo a correr num tribunal nacional e em que surge um problema de constitucionalidade de uma norma a aplicar), em especial por os julgamentos de inconstitucionalidade em sede desta fiscalização terem meros efeitos entre as partes processuais (e não, efeitos para toda a comunidade jurídica).
A defesa deste mecanismo tem um apoio significativo na doutrina constitucional portuguesa (Jorge Miranda, J. J. Gomes Canotilho, Jorge Reis Novais, Maria Lúcia Amaral, como exemplo de juristas que têm obra expressamente dedicada a esta questão). Aquando das revisões constitucionais de 1989 e 1997, foram apresentadas, à direita e à esquerda, várias propostas de introdução de uma ação direta de controlo da constitucionalidade de atos jurídico-públicos lesivos de direitos, liberdades e garantias. Contudo, não obtiveram, nos termos do n.º 2 do artigo 286.º Constituição, a maioria de dois terços (153 Deputados) para serem aprovadas pela Assembleia da República.
Os principais receios na introdução de um amparo foram, entre outros, o surgimento de atritos com os supremos tribunais ordinários (Supremo Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Administrativo) e o perigo de entupimento do Tribunal Constitucional com uma aluvião de processos.
Para contornar este problema de défice de tutela, o nosso Tribunal Constitucional tem desenvolvido uma jurisprudência “amiga dos direitos fundamentais”, admitindo, em certas circunstâncias, a fiscalização da constitucionalidade das normas na interpretação concreta que delas faz o juiz ordinário. Como facilmente se adivinhará, não é fácil saber onde está a linha que separa o controlo da norma do controlo da interpretação da norma. O domínio desta filigrana distinção exige certamente um advogado de elevado mérito técnico-jurídico e não favorece a democratização da justiça constitucional.
Tenho obviamente consciência dos problemas que a eventual criação de um recurso de amparo constitucional potencia. A preocupação com a sobrecarga de trabalho do nosso Tribunal Constitucional é tudo menos um argumento fútil. Não se pretende metamorfosear o Tribunal Constitucional numa quarta instância de recurso. Concomitantemente, de nada interessa afundar o Tribunal Constitucional numa ingrata tarefa de admissão de requerimentos de amparo, negligenciando questões relevantíssimas, tais como os processos de fiscalização abstrata preventiva e sucessiva da constitucionalidade.
Por essa razão, seria imperativo consagrar exigentes e eficazes mecanismos de filtragem, que impeçam um bloqueio da atividade do Tribunal Constitucional ou a utilização deste mecanismo como expediente dilatório. Com este desiderato, seria avisado que, a ser introduzido este mecanismo, o legislador acompanhasse os resultados das reformas de processuais constitucionais que tiveram lugar na Alemanha e em Espanha e que procuraram reservar o recurso de amparo para situações genuinamente excecionais e extraordinárias.
Se, por um lado, a Constituição Portuguesa exige que os direitos fundamentais sejam amplamente protegidos (n.º 1 do artigo 18.º), por outro lado, é preciso ter em conta os limites da atividade que o Tribunal Constitucional pode realisticamente desempenhar. Por isso, em vez de um “amparo-tutela”, poderia introduzir-se um “amparo-controlo”, apostando numa lógica de horizontalidade que é, aliás, veiculada pela nossa Constituição. Nestes termos, a tutela dos direitos fundamentais compete à jurisdição ordinária (artigo 204.º), reservando-se ao Tribunal Constitucional os casos especialmente complexos ou que sejam de elevada importância para a futura interpretação e aplicação do Direito Constitucional.
Como já escrevi defendo que a inserção de um recurso de amparo constitucional traria as seguintes vantagens: “(i) em primeiro lugar, uma tal “democratização” da justiça constitucional alteraria significativamente o modo como os cidadãos perspetivam o Tribunal Constitucional, incutindo neles uma cultura democrática, com substrato na proteção efetiva dos direitos fundamentais dos particulares e promoveria uma atitude de militância em defesa dos seus direitos; (ii) depois, não os deixaria tão profundamente reféns de uma atitude generosa do Tribunal Constitucional e/ou do mérito técnico-jurídico do seu advogado, permitindo maior certeza e segurança jurídicas; (iii) algo inesperadamente, a jurisdição ordinária também lucraria, com um acréscimo de confiança no aparelho judicial, dada a hipótese do cidadão poder recorrer contra decisões judiciais lesivas de direitos, liberdades e garantias e direitos fundamentais de natureza análoga; (iv) e, por fim, teria como consequência a atribuição ao TC de uma tarefa de unificação hermenêutica da interpretação sobre o conteúdo e alcance dos direitos fundamentais”.
Catarina Santos Botelho
Professora de Direito Constitucional na Universidade Católica Portuguesa.

Comentário:

Esta professora de direito constitucional ou não leu o acórdão em causa ou equivocou-se no assunto. A suspensão da pena de prisão aplicada na decisão não contende com as considerações avulsas em que pretensamente os desembargadores incorreram e que são relativamente inúteis para o caso concreto.

Defender recursos de amparo como esta professora defende, valendo-se deste exemplo é muito mau sinal da qualidade de ensino que existem nas faculdades de Direito actuais, mesmo a Católica. 

12 comentários:

Floribundus disse...

o rectângulo social-fascista está na agonia em todos os aspectos

zazie disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
joserui disse...

A educação em geral e especializada está pela hora da morte… é aquilo que mais me mete impressão neste mundo pós-25A. Já há resultados, com os paizinhos de 40 anos a serem literalmente piores que os filhos pequenos que andam na escola. O futuro só poderá ser negro, idiotas a ensinar idiotas que mais cedo ou mais tarde saltarão das jotas para liderar as empresas e o país.

Floribundus disse...

dos conhecidosda geração do meu filho: 55 anos
5 nunca conseguiram emprego apesar da qualidade inteçectuak
nos concursos foram preteridos por analfas

5 já faleceram por doenças diferentes

a Legionella veio para ficar
cativações

sempre ratos ao seu dispor

impostos e divida sempre a subir

Unknown disse...



À boleia da matéria controvertida queria saber a opinião do José sobre o seguinte: Há quem diga que os dirigentes catalães só poderiam ser julgados pelo Tribunal Superior da Catalunha. Tal não caberia às instituições de Madrid. Qual é a opinião do José sobre o assunto ?

João Pedro

josé disse...

Nenhuma. Não me interesso pelo problema catalão e por isso não tenho opinião.

jkt disse...

mesmo a Católica....

E a pensar que nem era sequer fac. de direito isso.

joserui disse...

E noutra nota, José Manuel Fernandes no Observador: "Este é o Orçamento da função pública e das corporações, não um OE para servir a economia e os portugueses. Um OE para anestesiar o país e viver sem contestação. "Viver naturalmente" como diria Salazar" e diz que "Há um certo aroma salazarista na economia da geringonça".
Estes indivíduos afinam todos pelo mesmo diapasão. Este JMF julga que ofende os indivíduos da tal geringonça com estas tiradas quase inteligentes? Um orçamento que não é para servir a economia e os portugueses tem aroma salazarista? Este tipo ou é burro ou come merda. Deve ser outro ressabiado que transitou do MRPP… Não dá mais nada na imprensa. E é isto um jornal da dita direita. Deve ser de extrema-direita, segundo a geringonça.

osátiro disse...

só o nome recurso de amparo...cópia de qqer recurso estrangeiro--demonstra a fraca qualidade do texto da profª (???)
na realidade, o aspeto relevante neste texto é exatamente o uso pelo trib constitucional da competência...que não se sabe onde a foi buscar...de apreciar decisões de juízes na interpretação que fizeram de uma dada norma....
ora isto não é fiscalização de constitucionalidade tal como determina a constituição....NÃO é fiscalização de normas...é fiscalização de casos concretos.....coisa que a constituição não admite....
mas é a maioria dos acórdãos do trib constitucional.....

Alberto Ruço disse...

Há juízos/afirmações factuais inconstitucionais?

Parece-me que a maior parte do texto polémico é feito de afirmações factuais, de juízos de natureza factual, embora complexos, conclusivos, por ocultarem os factos básicos; e não de juízos valorativos ou de direito.
Sendo assim, o tribunal Constitucional não poderia ocupar-se se tais juízos.

Vejamos:
«Por outro lado, a conduta do arguido ocorreu num contexto de adultério praticado pela assistente» (é um facto provado, que ocorreu no mundo).
«Sociedades existem em que a mulher adúltera é alvo de lapidação até à morte» (é um facto que se afirma existir no mundo, embora não concretizado).
«Na Bíblia, podemos ler que a mulher adúltera deve ser punida com a morte» (é um facto que existe no mundo).
«Ainda não foi há muito tempo que a lei penal (Código Penal de 1886, artigo 372.º) punia com uma pena pouco mais que simbólica o homem que, achando sua mulher em adultério, nesse acto a matasse» (foi/é um facto que existe/iu no mundo).
«…o adultério da mulher é uma conduta que a sociedade sempre condenou e condena fortemente…» (quando se afirma que a sociedade condena uma certa conduta está-se a afirmar algo que existe no mundo, logo um facto. Poderá a afirmação não corresponder à realidade).
«…por isso vê com alguma compreensão a violência exercida pelo homem traído, vexado e humilhado pela mulher» (afirma-se aqui algo que existe no mundo, a dita «compreensão» por parte da sociedade. A afirmação poderá não corresponder à realidade, sendo certo que se trata de um facto conclusivo, mas ainda tem natureza factual).

Seria necessário fazer alguma ginástica para o Tribunal Constitucional exercer a sua tutela, pois não há factos inconstitucionais, nem factos constitucionais.

Censuraria afirmações de natureza factual, dizendo que o tribunal recorrido não as podia ter afirmado na fundamentação por serem inconstitucionais?
Se o pudesse fazer então existiriam factos inconstitucionais, o que me parece uma impossibilidade jurídica.

Mas enfim, sempre se poderá dizer, como já se disse, que jurídico é aquilo que quem manda diz que é jurídico.


muja disse...

"perspetivam"

Porreiro, pá!

Maria disse...

Muja, não é só esse vocábulo que é porreiro, também o são 'aspeto' e 'exatamente' e porventura mais alguns, como agora é a norma.

O Público activista e relapso