terça-feira, abril 26, 2022

A política dos magistrados

 O magistrado António Cluny, colocado num lugar de luxo profissional- Eurojust- por incumbência de políticos, defende num artigo publicado no INevitável, a classe dos magistrados que querem ser políticos e regressar à profissão que obriga a uma isenção política. 

Que argumentos aplica à sua opinião? Poucos e fracos, a meu ver. O primeiro é o usual estigma esquerdista- Cluny foi social-comunista e provavelmente continua a sê-lo- sobre o antigo regime em que os magistrados são tomados como corrompidos pelo sistema político. Sem qualquer pejo ou fundamentação séria afirma  as "relações promíscuas então existentes entre a política e a justiça". Ninguém o irá contrariar porque já se tornou lugar-comum tal género de afirmação e se houver alguém será imediatamente reduzido a uma insignificância reaccionária, com a bordoada dos "plenários".  Enfim.

Ao contrário da magistratura de então, a advocacia da época justifica-lhe vastos encómios a propósito da bravura com que se debateu contra a temível "ditadura" que perseguia os que pretendiam instaurar em Portugal um regime comunista. Ainda no outro dia mencionei aqui o caso do poster de João Abel Manta que em 1973 foi alvo de processo crime e que os magistrados dos tribunais entenderam dever ser objecto de absolvição, contra o regime que insistia numa condenação. Enfim outra vez.

Depois disso até reconhece que haverá alguns casos em que se justificarão as preocupações manifestadas publica e recentemente ( pelo presidente do STJ, por exemplo) a propósito dos inconvenientes de magistrados tomarem assento ministerial e depois regressarem aos tribunais. No entanto, as razões que assim o aconselham, designadamente a promiscuidade com políticos manifestamente corruptos, não colhem suficientes obstáculos para se decidir em comungar de tal opinião e apresenta o argumento respectivo: afinal houve três ministros que foram magistrados e não se notou qualquer pecha do género na respectiva prestação. Três exemplos: Pedro Macedo, Menéres Pimentel e Laborinho Lúcio! E o argumento arrasador: tem havido mais magistrados cobertos de tal vergonha e que nunca se dedicaram à promiscuidade política. Não apresenta exemplos, mas alguns são conhecidos e o primeiro deles é Rui Rangel. É um exemplo bom? Nem por isso e nem é preciso explicar porquê, bastando dizer que foi autor de acórdão salvífico para José Sócrates. 

Por outro lado, aqueles magistrados que foram políticos e regressaram à magistratura quando é que exerceram tais funções? Pois foram todos num tempo em que os problemas da promiscuidade nem se colocavam na praça pública ou privada e muito menos mediaticamente.  

Passou a existir depois. Como e quando? Já por aqui tentei dar uma resposta concisa mas precisa: algures no final dos anos  noventa. Por onde andava então Cluny? Nas lides sindicais e depois esteve no tribunal de Contas, onde um presidente cessante, pai de uma ministra posterior e que usava sapatos de ténis, branquinhos,  ao visitar área de incêndios, disse que o MºPº foi muito pouco proficiente na função, para dizer o menos. 

E principalmente aqui tentei mostrar, provavelmente num exercício de "loucura inimaginável" o que determinou todos os receios agora existentes e as precauções e avisos enunciados pelo actual pSTJ: o sistema judicial modificou-se, a partir da alteração da composição dos conselhos superiores, com participação maioritária ( CSM) ou de influência maioritária ( CSMP) de políticos nomeados por partidos e cliques partidárias de topo, numa propalada e equívoca manifestação de legitimação  democrática. 

Há um exemplo de escola neste assunto e que congrega só por si o problema todo e a exposição de todas as preocupações veiculadas no discurso do pSTJ: o caso particular de um antigo director-geral, tornado magistrado vindo da escola do funcionalismo judiciário e que chegou ao STJ "with a bullit", como dizia Frank Zappa. 

Ei-lo no seu esplendor! Cluny o que diz disto?! E disto? E ainda disto?

Estamos muito, muito longe do tempo de Pedro Macedo e até de Laborinho Lúcio, para não falar do pobre Menéres Pimentel, um santo que nem vislumbrava este tipo de coisas nos seus monólogos indecifráveis sobre as regras das sociedades comerciais...

O problema exposto pelo pSTJ e ao qual Cluny parece alheio é algo sério e agudizou-se há uns bons dez anos, depois disto. O poder político de então imiscuiu-se nos poderes da magistratura, tentou condicioná-los e fustigou quem de algum modo exerceu o seu papel de magistrado com a dignidade que outros não conseguem ter. Sim, estou a falar de Carlos Alexandre, de quem nunca ouvi ou li Cluny defender publicamente. 

Nem sequer ouvi ou li Cluny manifestar-se por causa disto que é bem o exemplo do que o pSTJ quer prevenir e evitar. E já foi há três anos:


Cluny sabe disto? Claro que sabe. Tal como sabe quem são estes dois magistrados, a que partidos de bloco centralizado pertencem e que figuras fizeram no governo, a ajudar os socialistas no poder. 

Quando regressam aos tribunais vão esquecer tudo isso, assumir a isenção que nunca conseguiram ter na função política e mostrar publicamente que voltaram a ser magistrados de corpo inteiro? Enfim pela terceira vez.

Depois, como argumento para convencer acerca da bondade da sua opinião alvitra que os magistrados não são anjos ( "têm sexo"! escreve...) e que portanto "têm experiências pessoais e convicções próprias, que, inclusive, alguns deixam transparecer, a propósito ou a despropósito, nas peças processuais que subscrevem." 

Ora tal admissão de ausência de neutralidade e de inerente parcialidade ideológica e política poderia, segundo o mesmo,  resolver-se com a assunção de pertença publicamente reconhecida e preferível à ocultação e a solução encontrada por Cluny reside no associativismo judiciário. 

Ora, eu a pensar que os sindicatos da função serviam para defender os associados da "entidade patronal" e afinal vejo que me enganei e servirão também para exprimirem  "pontos de vista diferentes sobre os problemas da justiça, refletindo, assim, de algum modo, as perspetivas políticas que coexistem nas suas sociedades."

Ou seja, para Cluny poder dizer publicamente que é contra o fassismo do antigo regime ditatorial e que perfilha antes as concepções social-comunistas que sempre teve, afinal, fustigando por escrito quem se lhes oponha, relegado-os para a catalogação de reaccionário ou pior que isso. 

Ora é exactamente por isso que os magistrados não devem imiscuir-se na função política, parecendo-me muito fracos e até reversíveis os argumentos de Cluny. Nem deve apoiar publicamente candidatos presidenciais ou afins, mostrando claramente de que lado político se coloca. 

Um magistrado comunista ou socialista ou social-democrata ou liberal, esquerdista ou extremista, convocado para exercer funções políticas, por se mostrar como tal,  vai ajudar o governo que o recrutou e os políticos que lhe telefonaram e com quem se reúne a debater problemas políticos que passam necessariamente por um exercício que pouco ou nada tem de isento, imparcial e neutro. Um magistrado viciado nesse exercício apelativo e até recompensador a vários títulos com prebendas e reconhecimentos vários, perde a inocência se é que alguma vez a teve. E ao regressar ao múnus inicial, se alguma vez lhe surgirem problemas que contendam com o referido exercício político não deixará de "tomar partido", naturalmente. 

É isso que pode acontecer em todo o qualquer processo actualmente em curso que envolve políticos e o sistema político nacional, como acontece com os casos BES/GES, Marquês, etc. 

Cluny não vê esta evidência?!  De que vale dizer que mais vale sabermos quais as preferências partidárias dos magistrados do que ignorá-las, como usa no seu argumento derradeiro? 

Um magistrado que exerceu politicamente em funções governativas ou outras, convidado pelo poder político circunstancial, não deveria regressar aos tribunais por esse motivo simples, de senso comum e fácil de entender por qualquer cidadão. 

Pretender o contrário e argumentar como Cluny o faz parece-me estultícia desnecessária. 

Aliás, Cluny está no lugar que está porque foi escolhido por um poder político, após sugestão da direcção da magistratura em que se insere, em Julho de 2014, no tempo de Passos Coelho. E o seu processo de escolha, polémico, com recuos e avanços,  releva exactamente dos problemas expostos, parece-me... 

Daí que nem sequer o seu exemplo pessoa possa ser aproveitado para defender o que defende. 

Razão tem por isso Henrique Araújo que aliás me parece um Magistrado, sem apêndices de política espúria ou amizades promíscuas. Como há muitos por aí...infelizmente.

Quem melhor que Cluny explicou o problema e o verdadeiro motivo de preocupação foi um jornalista já há uns tempos e foi mencionado aqui.

Fê-lo assim e só não sei se Cluny assenta neste retrato, esperando que não:

"Do lado da Justiça, alguns dos seus mais importantes titulares olham para a política como pares de uma mesma história de manutenção de privilégios que se concretizam numa maquinaria de favores onde impera a lógica clientelar de portas giratórias, que se remunera em empregos, avenças, pequenos, médios e grandes favores. A justiça não é imune aos pequenos círculos de amizades que se vão fazendo nas comissões de serviço por nomeação política, nas colocações eternas em ministérios, no que fica das velhas solidariedades que vêm dos tempos da faculdade e sempre alimentadas pelas confraternizações anuais dos respectivos cursos."

O artigo todo de 6.9.2020:


E o pSTJ insiste na ideia...hoje, quinta-feira, tal como se conta aqui:




Hnerique Araújo arranjou muitos inimigos, na classe, com estas declarações. Alguns estão mesmo o STJ...

Sem comentários:

Megaprocessos...quem os quer?