sábado, abril 23, 2022

João Abel Manta, a grande falsificação histórica do comunista que caricaturava Salazar

 A revista Seara Nova, um apêndice informativo e cultural do PCP, apresenta no número desta Primavera umas páginas sobre o artista plástico e caricaturista João Abel Manta, um comunista que nunca se inscreveu no PCP, já por aqui algumas vezes evocado, por ter pintado a manta no PREC e também por ocasião de exposições da sua obra.









Este artigo e toda a iconografia exposta é uma falsificação histórica completa e acabada, no sentido que o historiador Rui Ramos dá neste escrito no Observador e que se sintetiza nesta passagem:


 O ascendente que o comunismo obteve em Portugal é manifestamente desproporcional ao que os comunistas e esquerda em geral representavam, mesmo em termos eleitorais, como se viu em 25 de Abril de 1975. 
Contudo o imaginário comunista e de esquerda povoou em poucos meses quase todo o ambiente colectivo e mediático ao ponto de se tornar dominante, até aos dias de hoje. E por isso esta constatação de Rui Ramos:

Os desenhos e caricaturas de JAM, absolutamente espantosos do ponto de vista técnico e artístico, ao ponto de poderem muito bem constituir o cume de tal arte em Portugal, representam uma visão histórica e social facciosa do que era e foi Portugal nos anos que retratam. 

Basta comparar o escrito de Rui Ramos e outros com este desenho publicado no Diário de Lisboa de Maio de 1969, em que se retrata o tempo de Marcello Caetano. Muito próximo da realidade e ao mesmo tempo totalmente manipulador da mesma:

Ou atentar no desenho publicado na Seara Nova, acima, retratando Avery Brundage e publicado originalmente no Diário de Lisboa de 15 de Agosto de 1969, tendo passado na Censura feita Exame Prévio, apesar da iconografia totalmente marxista. Não falta nada, nem sequer o punho do black power.  Aqui a cópia do álbum de 1975:



É a visão estritamente esquerdista da História, com a iconografia toda junta. 
O desenho da capa da revista comunista, reporta o "cinema" nacional, tal como JAM o via nos anos de Salazar e foi originalmente publicado em 1978 num álbum de recolha de caricaturas e desenhos do mestre precisamente intitulado Caricaturas Portuguesas dos anos de Salazar, editado pelas edições O Jornal, embora "subsidiada pela Secretaria de Estado da Cultura, da época. 

Tinha este aspecto e vi-o no escaparate da Bertrand, a preço demasiado alto, apesar do tal subsídio. O álbum aparecia "encadernado" por um embrulho em cartão rugoso e que lhe dava encanto suplementar. 


Lá dentro começava assim, com duas caricaturas de Salazar, geniais e cujo enviesamento ideológico não retira um grama de valor artístico. Ao mesmo tempo que representa outra falsificação histórica, ao apresentar Salazar num enquadramento voyeur em que lhe dá a dignidade de personagem mítica que afinal parece ser o problema principal do desenhador. Nunca resolvido.




Para JAM, um Cunhal, pelo contrário,  não passava disto: súbdito obediente de um povo esclarecido e soberano, com barrete de caserna. Outra falsificação histórica e ainda mais grave...
Como cantava o Banda do Casaco quase na mesma altura,  "Morgadinha, quem te disse a ti que a tua terra era um jardim, cheirando a erva e a alecrim, enganou-te, trocou-te a gramática, virou-te a fonética que a tua terra não cheira assim." 



Estes dois desenhos foram publicados durante o ano de 1975, num destes jornais: Diário de Lisboa, Diário de Notícias e O Jornal, este último a partir de Maio, quando se começou a publicar com esta primeira página em que aparece o artista a obrar na rua:


Os desenhos e muitos outros foram depois recolhidos noutro álbum, de 176 páginas, aliás o primeiro, em 1975, assim anunciado no O Jornal de 5.12.1975 e sem qualquer apoio de secretarias de Estado...
A qualidade gráfica é ligeiramente inferior ao álbum de 1978 ( que tem 144 páginas), com a gramagem do papel um pouco mais leve, mas é tudo porque a impressão é muito boa, apesar de vindos de gráfica diferentes ( o de 1975 é de Gráfica Brás Monteiro e o de 1978 é da Gris, Impressores, SARL).



Quando saiu este álbum, no dia 18.12.1975, José Carlos Vasconcelos, responsável pelo O Jornal e grande incentivador da obra gráfica publicada em jornais, de João Abel Manta, entrevistou este para a publicação, contando a história de um cartoon, de 11 de Novembro de 1972, publicado no Diário de Lisboa e não submetido a Exame Prévio. Tal publicação originou um processo criminal que terminou com a absolvição do autor, cujo decisão o tribunal criminal de então sufragou, incluindo o representante do MºPº o que desmente ipso facto a alegação de que os tribunais estavam afectos ao regime e não havia separação de poderes. 
O artigo é um panfleto contra o fassismo e a censura que no tempo de Marcello Caetano ainda proibia manifestações artísticas que promoviam ideias de esquerda, comunistas ou cripto-comunistas. 
A esquerda comunista queria liberdade plena de propagandear as delícias e maravilhas dos países de Leste e de caminho preparar o terreno para o socialismo, tal como vieram a fazer em 1975 e 1976, na própria Constituição. A contradição não os incomodava minimamente porque entendiam que desaparecido o regime anterior, viria uma era de leite e mel de liberdades amplas, com predomínio da ideologia comunista, paradigma supremo de tais liberdades. Era isso que pretendiam e revoltavam-se contra o regime que tal impedia, pela censura e limitação de outras liberdades. Como hoje se faz em relação a expressões políticas como o Chega, tido e achado como de extrema-direita e por isso proscrito no ambiente democrático. Era esta democracia que pretendiam...ao fustigar o regime anterior, o que diz tudo dos respectivos propósitos hipócritas.
Este escrito é o exemplo perfeito da argumentação capciosa que tal demonstra.



O cartoon maldito que foi objecto de processo criminal é este, publicado originalmente no Diário de Lisboa e tirado do álbum de 1975:


Este desenho e simbologia entendem-se no contexto do tempo em que se publicou. O festival da canção de 1972 suscitava reacções diversas mas não era o que o desenho pretende mostrar. A intenção do desenho ia além do contexto, alargando-o para denegrir o trabalho artístico e musical dos autores que a esquerda comunista e não só, ostracizava e desprezava, preferindo os cantores comunistas e cripto-comunistas que em 1972 apareciam em plena luz do rádio e discos da época. 
O tema presta-se a outros postal que virá a seguir...no entanto isto mostra a perfídia da argumentação enviesada e hipócrita deste esquerdismo que subsiste em Portugal e que está bem exemplificado na prosa de José Carlos de Vasconcelos. 

Por outro lado, o autor do escrito explica como trabalhava JAM, exemplificando com uma cartoon publicado no Diário de Notícias do dia 9 de Agosto de 1974, "último dia da presidência de Nixon" e feito na tarde do dia anterior. Notável.  


Com o sucesso artístico além fronteiras, em 1976 uma editora alemã publicou outro álbum que reproduzia os desenhos publicados no álbum de 1975, tendo na capa o poster cujo original, publicado no O Jornal de 11.7.1975 não tenho, infelizmente:


Ainda do álbum de 1975 esta caricatura de Salazar mostra novamente o mito que incomoda JAM, reportando-o então a um saudosismo serôdio e irreal, com figuras excêntricas e desprovidas de realismo, provindas dos fantasmas do autor. O "beco sem saída" saudosista reunia certos tipos de pessoas caricaturadas frequentemente por JAM, como sendo os oligarcas do regime de então, já numa altura em que tais figuras eram de cera. JAM acendia as suas velas a tais santinhos da sua iconografia particular, destacando-as sempre nos seus desenhos e falsificando mais uma vez a realidade e a História.  


Assim, durante os anos de 1975 e 1976 desenhou para O Jornal verdadeiros hinos a essa falsificação histórica, mostrando um Portugal já desaparecido porque jamais existente, para além de uns tantos  exemplares sem réplica. 

Em 14.11.1975 dava à estampa este poster fantástico em que aparecem figuras de proa da burguesia cujos exemplares únicos, espectrais e fantasmáticos já tinham sido escorraçados durante esse ano para o estrangeiro. Era isto que povoava o espírito do desenhador na época em que já se encontrava em Londres, para onde emigrara no auge da luta revolucionária do pós-PREC. Ao fresco que se faz tarde!


No aniversário do O Jornal, em 7.5.1976, os "maus" estavam todos retratados noutro poster. A iconografia de JAM está aqui toda. O mundo fantasmático de um comunista de 1976 era este.

Curiosamente, escolheu como país de acolhimento um em que estes exemplares estavam todos bem mais representados do que em Portugal e que detinham verdadeiramente o poder político e económico. Escolheu Londres como sítio de descanso, mas não desatou a desenhar o povo britânico, infelizmente. Por outro lado, não escolheu nenhum dos países cujo modelo político e social se afanava em encomiar por contraste, nos seus desenhos. Típico, também. 


Para conhecer João Abel Manta e os seus fantasmas vale a pena ler uma entrevista publicada no Público de 24 de Abril de 1999 em que explica todas as contradições, sem tirar as ilações devidas. 




Como se lê, JAM tratava Salazar "à Walt Disney". Coitado do Disney, tão vilipendiado em tal frase.

Era assim, o Salazar de disneylândia, segundo ilustrações publicadas no álbum de 1978: . 







Resta saber como é que JAM caricaturaria o povinho que em 1975 dava ordens a Cunhal e outros, com o desassombro com que se encarapuçava de bivaque. 
De facto, o povo que aparece nos "anos de Salazar" é este, muito diferente daquele que se impunha aos políticos e se apresentava com a autoridade moral de sempre, imaginada e própria das fantasias marxistas, portanto irrealista e falsificadora da História.

O desenho da capa da Seara Nova mostra um breve lampejo de tal imaginário neo-realista:


 Continuado nesta vinheta da mesma altura:


E nesta, simplesmente obscena para além do caricatural, reduzindo o folclore ao trivial da menoridade cultural e grotesca:


O neo-realismo serôdio foi sempre  marca destes desenhos, aqui noutra obscenidade relativa ao "artesanato". Uma ofensa ao povo, naturalmente. Um povo rural apresentado em modo grotesco:



E que contrasta com o retrato do verdadeiro povo: o que tinha como líder os próceres de Lenine, pois claro. Existe falsificação maior que esta?!



Finalmente o verdadeiro retrato do povo que tínhamos e temos. Nada de brandos costumes e sempre manhoso e beligerante perante os inimigos identificados e reais. Não os imaginários, como os retratados por JAM.


Foi este povo que em Braga e no Norte, em 1975 deu água pela barba aos Joões abel mantas que andavam por lá.
Ou seja, este que JAM nunca soube retratar...preferindo o imaginário e neo-realista.
Por cá, na altura dos desenhos de JAM não se publicavam estas imagens. E não havia censura...pelo que só a Paris Match de 23 de Agosto de 1975 o fez:



Ah! E já me esquecia: o cónego Melo, cuja imagem de costas é a que está mais próxima de quem olha para a foto, também fazia parte desse povo. E do clero...

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