No final dos anos cinquenta Salazar tinha 70 anos e estava cansado, como escreveu o seu biógrafo-apologista Franco Nogueira- Vol V de Salazar: "estão mortos os grandes mestres do seu tempo: Álvaro Vilela, José Alberto dos Reis, Carneiro Pacheco, Fezas Vital, Manuel Rodrigues, outros ainda. Ou estão aposentados e vivem em Lisboa, como José Gabriel Pinto Coelho ou Caeiro da Matta. Parecem outros os alunos. E mal reconhece a Universidade com os seus novos casarões, nem se identifica com os Grilos reconstruídos, diferentes daqueles onde estudara e lutara pela causa que depois triunfa."
Segundo o biógrafo, foi nessa altura que confidenciou aos seus amigos íntimos: "já vivi muito, já vivi de mais".
Ironicamente foi nessa altura que se lhe pediu um esforço suplementar que decorria da circunstância das guerras no Ultramar que então se iniciaram.
Salazar, já velho e cansado, ainda deu mais de si, num esforço extraordinário de análise e decisão sobre a guerra e o problema que surgiu com as nossas províncias ultramarinas, ora colónias. As decisões tomadas não podiam deixar de reflectir a mentalidade que até então prevalecia e que não dava qualquer hipótese de ponderação de outra solução que não a de afirmar a defesa intransigente e inegociável dos territórios ultramarinos que eram parte integrante de Portugal e portanto indiscutível.
A Coimbra de Salazar, em obras na "alta, era esta, em 1952, conforme o Mundo Ilustrado da época:
Foi assim que se entrou na década de sessenta, de grandes mudanças no mundo.
Em 1962 o professor de Direito, Pedro Soares Martinez, um salazarista convicto, foi nomeado ministro da Saúde.
No passado Sábado, ao Expresso, contava assim a experiência, para além do mais:
O que o mesmo conta sobre a "alteração da lei das enfermeiras" é notável e digno de registo porque releva do ar do tempo e da História que se muda com essas correntes que alguns não querem reconhecer:
"Havia coisas que [Salazar] não gostava como por exemplo de ter alterado a lei das enfermeiras. Aquela ideia que as enfermeiras tinham de ser freirinhas dedicadas aos doentes e não poderem casar, era uma coisa fora do tempo e fui eu que a alterei. Disto os esquerdistas esquecem-se".
Depois, fala como convenceu Salazar:
"Argumentei que por esse motivo os serviços tinham dificuldades em recrutar enfermeiras. Custou-lhe, mas passou. Outra coisa que lhe custou foi ter nomeado a primeira directora-geral do sexo feminino, Maria Luísa Van Zeller, para dirigir a maternidade Alfredo da Costa. Dessa vez pu-lo perante o facto consumado. Não disse nada, mas ficou desesperado. " Se são directoras-gerais, porque não juízas, diplomatas, por aí fora?" A questão era sempre o precedente."
Esta mentalidade muito elogiada por certos indivíduos pode de facto ter os seus méritos, mas Soares Martinez tinha nessa altura menos de 40 anos...e denotava com isso não se alhear dos ventos da História, por muito que custe a aceitar a quem não os queira ver nem pintados.
Esta mentalidade de Soares Martinez já não era a que se retrata aqui, no mesmo Mundo Ilustrado do início dos anos cinquenta:
Nessa mesma altura decorria em Roma, no Vaticano, o Concílio. A revista francesa L´Histoire, número de Maio deste ano, conta em poucas páginas o que foi, como começou e o que significou: uma viragem à esquerda, da Igreja Católica. Nem mais.
Este "aggiornamento" da Igreja pelo diapasão da Esquerda não foi um fenómeno conjuntural ou de acaso.
Em Portugal, em 1968, a evolução do Tempo e dos costumes levou a que se pudesse ler isto numa revista para jovens- Cine Disco:
E assim, aos poucos Portugal se foi modificando. Estas imagens dos "domingos dos tristes", tiradas da mesma revista de 1968, ano em que Salazar perdeu o poder por doença, eram deprimentes mas "o tempo estava a mudar".
Quem catalisou a mudança foi a Esquerda, evidentemente e como é reconhecido ( Eduardo Lourenço disse que a Esquerda dominava a intelligentsia desde os anos 40...). Primeiro de mansinho, como se mostra na capa deste disco emblemático.
Em 1974 já não havia volta a dar e o culpado da mudança não foi o Marcello como alguns dizem. Foi o Tempo, a Mudança. Ou os "ventos da História", como eufemisticamente se pode dizer.
Contra isso não há força que resista.