sexta-feira, junho 12, 2015

Isaltino e Sócrates: mártires do sistema judicial

 Jornal i de hoje:

Maria Helena jura que sabe do que fala. Andou na escola com Isaltino Morais, em Mirandela, e por isso pode atestar que o ex-presidente é “um homem genuíno e verdadeiro”. Só tem um problema: “É um bocado rabo de saias”. Namorou uma prima dela, mas não havia maneira de a pedir em casamento e a rapariga, cansada de esperar, acabou por emigrar para o Brasil. 
Os dramas de família são “águas passadas” e a antiga desenhadora da câmara de Lisboa foi “apoiar o presidente” à sessão de autógrafos de ontem, ao final da tarde, na FNAC de Oeiras. A jogar em casa, Isaltino Morais esbanjou cumprimentos e falou do livro “A minha prisão” – um exercício de “reflexão” sobre “a corrupção do sistema” e “os poderes absolutos”. A começar pelos juízes, cujo poder não é escrutinado: “São infalíveis, quais deuses”. 
Críticas e acusações
Durante quase uma hora, o ex-presidente de Oeiras disparou em todas as direcções. Do sistema prisional – que “não respeita a dignidade dos que, justa ou injustamente, estão presos” – à ministra da Justiça, que “não zela pela paz” nas cadeias. 
Sem esquecer as greves “constantes” dos guardas prisionais, que retiram aos reclusos “os seus já reduzidos direitos” e desestabilizam as prisões. “Os guardas gostam de motins e de pancadaria, especialmente com reclusos, para que o poder político sinta que são poucos”, atirou Isaltino. Já o funcionamento da Justiça em Portugal também não se recomenda. “Condena-se por convicção” e, como escreveu um dia Pinto Monteiro, “os jornalistas julgam na praça pública e os magistrados, pressionados, condenam”. Enquanto isso, a classe política “esconde-se na separação de poderes e “ninguém escrutina os juízes quando violam a lei”. O sistema judicial, garantiu Isaltino à plateia, é “uma corporação tenebrosa em que ninguém toca”. 
Inocência
Isaltino insistiu que foi preso apesar de a Autoridade Tributária se ter “certificado que não tinha dívidas ao Fisco” e atirou-se aos que o prenderam: “Em, Portugal é possível um juiz de primeira instância tomar uma decisão desrespeitando uma decisão de um tribunal superior e não lhe acontecer nada”. No final de tudo, todos os magistrados que participaram no processo “foram promovidos”. 
Contou como a procuradora Leonor Furtado, titular do processo, lhe pediu, na década de 1990, “para meter uma cunhazinha ao Cavaco porque gostava de ser directora-geral ou como a juíza Carla Cardador era “novinha” e o procurador Luís Eloy – “o magistrado do copianço no CEJ” – foi promovido a subdirector do Centro de Estudos Judiciários. “Quem me meteu na prisão não foram os políticos que não gostavam de mim. Esses limitaram-se a pressionar os magistrados, juntamente com a comunicação social. E os magistrados não se podem deixar pressionar”, acusou. 
É por estas e por outras que Isaltino garante que as cadeias “estão cheias de inocentes”. Como aliás comprova o artigo recente da revista “Sábado” que revela uma conversa entre Rosário Teixeira e José Sócrates. “O procurador faz uma figura triste porque não diz de que factos é acusado José Sócrates. Não imaginam a quantidade de Sócrates e Isaltinos que há nas prisões. Em Portugal abusa-se da prisão preventiva”, assegurou. No final, e antes dos autógrafos, o ex-presidente de Oeiras deixou um aviso: “E se isto lhe acontece a si? Nós pensamos que só acontece aos outros, mas pode acontecer a nós”.  
Maria Helena, a prima da noiva, não duvida das palavras de Isaltino. A prisão é “um caso político” e o presidente é “um homem de futuro” – “senão não tinha mandado construir o repuxo de Paço d’Arcos”. E mesmo que não seja inocente, “quantos outros, que fizeram pior, não estão por aí à solta?”. 
“Há quem tenha feito pior e esteja solto. Já viu o Ricardo Salgado? O Oliveira e Costa? Destruíram famílias e houve quem se tenha suicidado pelo que fizeram. Por causa do Isaltino Morais nunca ninguém se suicidou”, acrescenta Isabel, assistente de marketing e a primeira a chegar à loja. “Quem não tem telhados de vidro?”, pergunta.
 
Um autarca ingénuo
Em Oeiras, diz Carina, que levou a filha adolescente à sessão de autógrafos, conta-se que o ex-presidente pode muito bem ter sido vítima “da forma ingénua como confiou nas pessoas” próximas. “Diz--se que foi acusado por causa de uma guerra de ciúmes entre mulheres”. Será então Isaltino um homem inocente? A resposta, garante, é indiferente: “As pessoas só querem viver bem e Oeiras é um concelho com uma grande qualidade de vida graças ao Isaltino”. De tal forma que, desde que o autarca se foi embora, “a recolha do lixo piorou imenso”. 
Pires Costa, que vive há 40 anos em Carnaxide, também foi atrás de um autógrafo e teve de correr entre uma consulta no hospital Amadora-Sintra e a loja de Oeiras. O sacrifício justifica-se porque, assegura, Isaltino é inocente: “Quando há documentos que mostram que não havia qualquer dívida ao Fisco só se pode concluir que se trata de um caso político e de vingança do PSD”. Mesmo ao lado, Justino Barbosa confessa que o assunto da prisão do “presidente que baniu as barracas de Oeiras” lhe mexe com o sistema nervoso: “Estou todo arrepiado. A prisão de um homem bom é uma coisa que me irrita”.

Sobre Isaltino Morais já escrevi bastante. Basta ler aqui e aqui para se perceber o seu problema com a justiça.
Em resumo, Isaltino foi acusado de corrupção, condenado em primeira instância por corrupção e absolvido depois em instância superior por esse crime, apesar de os factos serem quase notórios, após o depoimento das testemunhas. A absolvição ocorreu por motivos formais. Sobrou o de fraude fiscal e branqueamento de capitais. De nada lhe valeu pagar o imposto em dívida porque cumpriu mesmo tempo de prisão por esse crime. Terá havido excesso de zelo judicial? Provavelmente: Isaltino, segundo se disse,  gastou uma pequena fortuna de  cento e trinta mil euros em custas, e o processo conta com 44 recursos. De nada lhe valeram para evitar a prisão efectiva.
Em vez de se envergonhar do feito por que foi julgado arma em vítima do sistema judicial e ataca de forma descabelada o mesmo, servindo-se dos media e do populismo mais chão para singrar outra vez na senda do que já se habituou e os juizes já disseram: se puder volta ao mesmo...

 Agora esta, também de hoje:

 Público:

Numa altura em que vários órgãos de comunicação social divulgaram longas transcrições do último interrogatório feito no Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) a José Sócrates, no final do mês passado, um dos advogados do ex-primeiro-ministro, João Araújo, anunciou que deixará de respeitar o sigilo a que a lei o obriga.
“Da nossa parte acabou o segredo de justiça”, declarou João Araújo, acrescentando que passará a informar a comunicação social de todos os documentos que enviar para o tribunal. A violação do segredo de justiça é crime e é precisamente por isso que a Procuradoria-Geral da República (PGR) abriu um inquérito na sequência da divulgação das transcrições do interrogatório: para descobrir a origem da fuga de informação.Esta será a primeira vez que a gravação de uma inquirição chega à opinião pública nesta fase processual. Desde 2013, que a lei passou a exigir as gravações e o DCIAP adquiriu “um sistema de gravação vídeo e áudio para as duas salas de inquirições”, informou a PGR, segundo a qual os depoimentos deixaram de “estar documentados em auto escrito”.
Neste caso, João Araújo tem-se queixado repetidamente de que o sigilo tem beneficiado exclusivamente a acusação em vez de servir para garantir a eficácia da investigação e proteger o direito do arguido à presunção de inocência. E não tem hesitado em apontar o procurador encarregue do caso como estando na origem das fugas de informação.
Contudo, no âmbito do inquérito à violação do segredo cuja abertura foi confirmada pela PGR, o próprio advogado, como todos os que tiveram acesso às gravações do interrogatório, são supeitos. “Na sequência de requerimento, foi entregue ao advogado do arguido José Sócrates cópia do DVD com as declarações prestadas no interrogatório”, confirmaou a procuradoria, em resposta ao PÚBLICO.
“Estamos perante uma violação grosseira com estrondo do segredo de justiça”, sublinhou o presidente da Associação de Advogados Penalistas, Paulo Sá e Cunha. Por outro lado, o jurista considera que é “caricato” manter o segredo neste processo de “interesse público”. Ou “se conclui rapidamente o inquérito e cai o segredo ou levanta-se o segredo que está a servir para alimentar especulações”, alertou o jurista que admite que em “defesas difíceis os advogados têm de manobrar nos média para tentar manter igualdade de armas” face às acusações aos arguidos.
Em causa está a publicação, na revista Sábado, de transcrições do interrogatório de 27 de Maio. As perguntas mostram que o Ministério Público (MP) suspeita que o ex-primeiro-ministro terá recebido luvas do empresário Hélder Bataglia para que o Governo aprovasse uma lei para favorecer o empreendimento imobiliário de Vale do Lobo, no Algarve.
“Considero grave que estas transcrições sejam publicadas. Não se percebe como é que num processo destes ainda é possível uma violação tão flagrante do sigilo. Não me lembro de alguma vez aparecer transcrito desta forma um acto processual em segredo de justiça – penso que é inédito”, diz o advogado especialista em Direito da Comunicação, Francisco Teixeira da Mota.
A ex-directora do DCIAP e actual procuradora no Supremo Tribunal de Justiça, Cândida Almeida, considera estar em causa um “caso grave de violação do segredo de justiça”. Admite que “quando os processos estão em segredo de justiça há casos em que passa cá para fora qualquer coisa, mas não desta forma e com esta extensão”.
Além disso, a magistrada lamentou que com estas situações a justiça fique "fragilizada, descredibilizada e mal vista", considerando que "se foi longe de mais" [na violação do segredo de justiça] e que "quando a própria justiça é alvo da violação das regras legais, há qualquer coisa que está doente".
Quanto ao pode agora ser feito, Cândida Almeida explicou que "nestas situações podem ser abertos inquéritos-crime e, cumulativamente, inquéritos disciplinares, para apurar todos os que tiveram acesso à gravação: funcionários, magistrados e polícia".
A defesa de Sócrates negou ontem qualquer favorecimento ao empreendimento Vale do Lobo, o que diz ser uma “afirmação insensata e falsa, sem qualquer fundamento, mesmo inventado”. Numa nota, João Araújo sublinhou que o Plano Regional de Ordenamento do Território para o Algarve (PROT), aprovado em 2007, “não visou favorecer nem favoreceu nenhuma empresa ou entidade particular”. O advogado recordou que os trabalhos deste plano se iniciaram no tempo do Governo Durão, prosseguiram com o de Santana Lopes e ficaram concluídos em 2007, já no de Sócrates. Acusou o MP de lançar “ao vento” novas suspeitas para manter “o circo a funcionar”. “O que foi posto em causa foi, mais do que a honra dele, a honra do Governo e das pessoas que intervieram na elaboração do PROT Algarve 2”, sublinhou.

Perante estes elementos indiciários, a defesa do recluso 44, perante o gáudio da bancada geral dos media, faz da Justiça uma palhaçada populista, num gesto semelhante àquele, do Isaltino. Notoriamente, torna-se claro quem violou desta vez o segredo de justiça. A confissão é quase integral e sem reservas.

A Ordem dos Advogados desapareceu da cena e a vergonha com que se cobre já é um manto diáfano de fantasia. 

Questuber! Mais um escândalo!