Esta entrevista de José Roquette ao i de hoje é para ler integralmente porque respiga algumas ideias das elites que estavam e voltaram a estar de há 40 anos para cá.
Destaco as passagens sobre o que aconteceu ao BES e sobre a responsabilidade do banqueiro Ricardo Espírito Santo, antigo parceiro de negócio de Roquette.
"Se quiser recuar historicamente, este processo começou com as nacionalizações que se seguiram à revolução. Aí a economia portuguesa foi destruída, sobraram relativamente poucos empresários."
Esta afirmação e o sentido da mensagem que transmite nunca foi devidamente analisada publicamente. Não há consenso, com certeza, sobre o acerto da mesma. No entanto, não se discute isto que é muito simples: foi ou não esta obra da esquerda, ao nacionalizar quase tudo em 1975, o que deu cabo da economia do país durante décadas que chegam até hoje?
Precisamos de factos para essa discussão e não apenas opiniões. Tenho-me esforçado por colocar aqui os factos que percebo e que são provavelmente a rama ou o panorama geral do que então apareceu nos jornais. Roquette devia ser entrevistado com maior pormenor sobre isto que disse porque ficaríamos melhor esclarecidos e o proveito seria enorme.
Duvido é que alguém o faça ou mesmo queira fazer. Acho até que poucos percebem a importância dessa discussão.
Eu não me importo nada de a fazer.
Sobre a responsabilidade de Ricardo Salgado ainda é mais interessante:
Diz que está convencido que não houve dolo na sua actuação e se houve, "foi pouco". No entanto, também refere que quando começou a trabalhar em bancos, "em 1960, ouviu, repetido ao tio-avô do Ricardo: Atenção, por cada conto de reis que emprestamos, novecentos escudos não são nossos". Puro senso comum, dos antigos, das elites que tinham valores outros, como agora se diz.
Isto que é tão simples e é uma das almas do negócio é complementado por outras observações muito pertinentes.
Uma delas é o exemplo do Banesto, em que ocorreu "uma fraude muito, muito parecida com a do GES. Aquilo que levou o Banesto a fechar portas e a ser intervencionado e Mario Conde preso- Espanha deve ter uma coisa qualquer na constituição que permite que Ruiz Mateos tenha sido preso, Mario Conde tenha sido preso, mas que não está na Constituição portuguesa- é muito semelhante ao que aconteceu no BES. O Banesto tinha uma coisa que se chamava corporação industrial, que no caso se chama Espírito Santo, a área não financeira. E tinha desviado uma parte dos recursos do Banesto e da tesouraria do banco para o grupo industrial. Que é uma tentação para todos".
Sobre a investigação ao GES/BES, Roquette diz:
" não percebo a incapacidade para tratar estes casos. Para mim havia uma forma de apurar responsabilidades no caso das vítimas do papel do GES". E conta como. É ler porque é um apanhado breve do que a nossa investigação criminal não faz...o que leva Roquette a dizer que temos um problema suplementar que é " em todos os processos ouvimos sempre os mesmos dois nomes, que é o do juiz Carlos Alexandre e do procurador Rosário Teixeira. Mas de que é que se está à espera, que metam lá também Nossa Senhora do Rosário"?
Tirando o primeiro nome, que se ocupa das liberdades e garantias dos investigados, apanhando o que o MºPº lhe envia, o problema está identificado. Com uma agravante que Roquete também explica:
" não sei como é que isto chega aos tribunais portugueses, nem como chega ao quadro mental dos juizes que têm de olhar para coisas em relação às quais não receberam nenhuma formação específica que lhes permita ter opinião sobre a matéria".
Ora aí está! E talvez valha a pena repescar esta leitura sobre o que é a "gestão danosa" e ainda mais isto que vale a pena ler para se entender todo o quadro que agora levou mais umas pinceladas com a notícia da absolvição dos banqueiros do BPP...
A cereja no topo do bolo desta entrevista é esta passagem:
"Este país é aquilo que depois da revolução passaram a ser os valores que contam, mais o dono disto tudo, mais o que mete no avião o amigo que leva para Angra dos Reis, mais as Tecnoformas, isto é a América Latina".
Poderia ter acrescentado o Sócrates como primeiro-ministro ou o seu ministro Lello que hoje é notícia no Correio da Manhã...