Esta entrevista de António José Saraiva, por Fernando Dacosta, na Vida Mundial de 10 de Outubro de 1969 revela o que era Portugal nessa altura para a intelectualidade independente do comunismo do PCP mas ainda assim com laivos de esquerda qb.
AJS foi um intelectual que publicou várias obras sobre literatura e cultura portuguesas e que nos meses imediatos ao golpe de 25 de Abril de 1974 escreveu vários artigos na mesma revista, sobre assuntos básicos de filosofia política, seja lá isso o que for.
AJS é uma espécie de Agostinho da Silva sem pretensões mas com propensão a pensar fenómenos correntes na época em que viveu.
Esta entrevista é a prova disso e algumas passagens avulsas dão o mote. AJS encontrava-se na altura emigrado em França, a preparar livros culturais:
"Há entre nós, uma impossibilidade em realizar investigação em larga escala". Nas Ciências Humanas, claro está e por opção ideológica uma vez que o regime de então considerava, e com razão, que tal área estava tomada pelo esquerdismo militante. Daí o caveat que agora não existe porque há um ISCTE, aliás aparecido na época.
"Portugal é dos países de que se fala menos lá fora, sob o ponto de vista da resistência intelectual. Somos um país que não chama muito as atenções."
Ou seja, os problemas do PCP na época interessavam a ninguém, lá fora, nem sequer por causa da guerra em três frentes que mantínhamos, no Ultramar. O fassismo ainda não tinha sido inventado como palavra-chave para designar o Portugal de então. Foi coisa posterior e serôdia.
"A juventude portuguesa não conhece a contestação dos outros países, a não ser através dos jornais e de uma informação livresca". Bem, pelo menos isso, o que denega a censura total que alguns pretendem ainda hoje atribuir ao regime, na altura já com Marcello Caetano.
" Não me parece que a juventude portuguesa esteja a par da dos outros países" . Bem, insto era inteiramente verdade e por isso havia a vontade de conhecimento que a Censura e os costumes impediam, de facto. Lentamente lá chegaríamos mas a pressa foi fatal, em 25 de Abril de 1974.
"Os poucos franceses com quem tive ocasião de falar têm, evidentemente, um nível cultural muito superior ao nosso,mesmo entre as camadas intelectuais". Isso parece ser um facto, ainda hoje. Basta ver as revistas que os franceses editam e a qualidade das mesmas. Impressionante.
De acordo com uma opinião de taxista, " De Gaulle era responsável pela entrada de negros em França, coisa que na sua opinião iria prejudicar gravemente o trabalhador francês." E AJS explicava esta opinião como "mística" mas o modo como a ouviu era de alguém com um saber muito preciso, muito exacto.
Isto lembra o que Jean-Paul Sartre dizia em 1975, quando nos visitou no PREC que a imprensa portuguesa era muito fraca porque nada explicava, ao contrário da francesa.
E faz um paralelo entre a sociedade francesa e a portuguesa que continua dividida entre o campo e a cidade.
"O facto de um país viver da emigração é um sintoma de atraso, de país colonizado ou semicolonizado. Há portanto esse problema que se chama de criação de um pólo de desenvolvimento económico- que eu não tenho evidentemente competência para saber como se põe concretamente".
Porém, logo a seguir a 25 de Abril de 1974, com o PREC, apareceram os génios sabedores que fizeram o que fizeram...